Com mais de cinco mil planetas já descobertos em órbita de outras estrelas, os cientistas lançaram-se agora numa nova era de descobertas surpreendentes sobre as atmosferas exóticas destes mundos distantes.
Artigo de Tomás Silva1 publicado no âmbito de uma colaboração entre o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e a National Geographic Portugal.
Em menos de 30 anos, os astrónomos passaram da confirmação dos primeiros planetas em órbita de outras estrelas (os exoplanetas), à catalogação de milhares destes mundos. Desvendar as suas atmosferas é agora um dos mais empolgantes capítulos nesta fascinante história de descobertas.
Embora a grande maioria dos exoplanetas esteja demasiado distante para ser diretamente observada, há várias técnicas que permitem estimar a massa e o tamanho destes mundos. Por exemplo, a ligeira variação periódica na intensidade da luz da estrela em torno da qual orbita um exoplaneta, devido à sua passagem diante dela e que “tapa” parte do disco estelar do ponto de vista da Terra, dá-nos uma estimativa do diâmetro desse corpo. Por outro lado, os pequenos movimentos da estrela causados pela atração gravitacional de um planeta em órbita também nos permitem estimar a massa dele.
Estas duas técnicas foram responsáveis pela deteção e caracterização de milhares de exoplanetas, o que revelou a enorme diversidade de mundos na nossa galáxia. Muitos destes exoplanetas são totalmente diferentes dos oito planetas que constituem a “família” do Sistema Solar, família onde também sobressai a variedade de ambientes e constituições.
O nitrogénio é o elemento mais abundante na atmosfera da Terra, facto que partilha com uma lua de Saturno, Titã, e com Plutão. Já quanto ao segundo elemento dominante terrestre, o oxigénio, de origem biológica no nosso planeta, não o encontramos na mesma proporção em nenhum outro lugar do Sistema Solar (com exceção de Mercúrio numa ínfima quantidade). Em Marte e Vénus, o dióxido de carbono perfaz a quase totalidade das respetivas atmosferas, e os planetas gasosos são constituídos essencialmente por hidrogénio e hélio.
Que realidades encontramos longe do Sol, a dezenas ou centenas de anos-luz? Entre os milhares de exoplanetas descobertos, umas dezenas apresentam as condições favoráveis para estudarmos e compreendermos as suas composições, estruturas e dinâmicas atmosféricas.
O ar escaldante dos gigantes ultra-quentes
Os grandes alvos têm sido os chamados “Júpiteres ultra-quentes”. Como Júpiter, são planetas gasosos gigantes, mas em órbitas muito próximas das suas respectivas estrelas. Esta proximidade faz destes mundos verdadeiros infernos dantescos, com temperaturas diurnas que excedem os 2000° Celsius, e ventos superiores a dez mil quilómetros por hora. Estes ambientes exóticos são como nada do que conhecemos em órbita do Sol.
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Podendo ser um inferno para os padrões terrestres, é um “paraíso” para os astrónomos, pois estes “Júpiteres ultra-quentes” são excelentes alvos para estudar a sua atmosfera. O seu grande tamanho torna-os mais facilmente observáveis a grande distância, mas, além disso, a temperatura a que se encontram é uma aliada dos cientistas.
Devido ao calor extremo, a atmosfera é mais extensa, ou dilatada, e os compostos químicos não tendem a precipitar para o interior, nem a formar nuvens em profundidade e acima da camada visível. Em vez disso, muitos elementos são observáveis no topo da atmosfera, ao alcance dos nossos telescópios. Por isso estes planetas são laboratórios naturais da química atmosférica.
O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) atua intensamente na caracterização das atmosferas de vários destes planetas extremos, somando resultados extraordinários. Um destes foi a descoberta de bário em dois exoplanetas. O bário, que é duas vezes e meia mais pesado do que o ferro, é um dos elementos mais pesados descobertos num planeta fora do Sistema Solar e não se esperava encontrá-lo no topo da atmosfera. Um desses exoplanetas fora também já anunciado em 2020 como um lugar onde poderá chover ferro derretido.
As atmosferas de mundos mais amenos – diga-se, menos tórridos – estão hoje já também ao alcance da nossa observação. A temperaturas menos extremas, nas atmosferas de planetas gasosos mais distantes das suas estrelas, os astrónomos conseguem já observar moléculas que nos são familiares, como água (H2O), metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2).
Decifrar as mensagens deixadas na luz
Através de medições da luz que a atmosfera emite, reflete ou absorve, podemos começar a compreender o envelope gasoso que envolve estes mundos longínquos. A luz é a nossa mensageira, transporta em si informação sobre o ambiente químico que ela atravessou.
Os astrónomos utilizam o espectro, ou “arco-íris”, da luz que é recolhida pelos telescópios – a sua decomposição nas várias “cores” constituintes – para encontrar essas mensagens. Uma das técnicas mais utilizadas é a espectroscopia de transmissão. Consiste em estudar o espectro da luz da estrela-mãe quando o planeta passa diante dela (diz-se que transita) nos casos em que os dois ficam assim alinhados do ponto de vista de observação da Terra. Nesses casos, à medida que o planeta se atravessa diante do disco estelar, a luz da estrela percorre a atmosfera do planeta antes continuar o seu caminho até à Terra.
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Decompondo essa luz no seu arco-íris, os astrónomos estudam-no em detalhe. Os átomos e moléculas presentes nas atmosferas dos exoplanetas interagem com a luz e absorvem certos comprimentos de onda. Deixam essa sua assinatura no espectro que chega aos nossos telescópios na forma de “cores” em falta em relação ao espectro original da estrela (obtido quando o planeta não estava a passar à frente dela).
Os astrónomos procuram por estas assinaturas, ou riscas de absorção, e conseguem inferir quais foram as espécies químicas que as produziram. Este método não só permite traçar a composição química das atmosferas, como também a temperatura e velocidade dos diferentes elementos e moléculas, uma vez que é possível distinguir as linhas específicas de cada espécie química e medir as suas velocidades associadas.
Ao estudar várias destas espécies químicas no mesmo planeta, e ao observar a atmosfera em diversos comprimentos de onda da luz, os cientistas são também capazes de explorar as propriedades atmosféricas ao longo de diferentes altitudes. As linhas espectrais, formadas a pressões atmosféricas específicas, revelam as camadas onde se encontram cada elemento e molécula, permitindo traçar um perfil vertical detalhado da atmosfera, incluindo a distribuição de temperatura e das abundâncias químicas em diferentes profundidades no envelope gasoso do planeta.
Cada vez mais perto de planetas como a Terra
Para encontrar estes pequenos sinais deixados na luz das estrelas pelas atmosferas de mundos na sua órbita, tão pequenos e distantes, os astrónomos usam alguns dos maiores e mais avançados telescópios. Da Terra ao Espaço, diversos programas de observação impulsionam uma verdadeira Era dos Descobrimentos no campo de exoplanetas e das suas misteriosas atmosferas.
A partir do espaço, o telescópio espacial James Webb constrói sobre o legado do histórico telescópio Hubble. Com um espelho principal de 6,5 metros, coberto por uma fina camada de ouro de modo a otimizar a reflexão de luz no infravermelho, o enorme telescópio espacial capta nesta banda do espectro as assinaturas de moléculas como água e dióxido de carbono. Estas mesmas espécies químicas estão presentes na atmosfera do nosso planeta, pelo que o James Webb, estando no espaço, evita a contaminação dos seus sinais.
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Na superfície da Terra, entre os instrumentos de alta precisão, encontra-se o espectrógrafo ESPRESSO, instrumento com uma forte participação portuguesa. Foi desenhado e construído por um consórcio em que Portugal foi parceiro de Espanha, Itália e Suíça, e instalado no Chile, no telescópio VLT, do Observatório Europeu do Sul (ESO), um conjunto de quatro telescópios com espelhos principais de 8,2m de diâmetro. O ESPRESSO tem sido fundamental para desvendar as atmosferas de gigantes gasosos que orbitam muito perto das suas estrelas, estudando comprimentos de onda na luz visível com uma sensibilidade sem precedentes.
A construção de telescópios terrestres cada vez mais avançados, como o “titânico” Extremely Large Telescope (ELT), do ESO, no Chile, com um espelho principal de 39 metros de diâmetro e que se prevê ficar concluído em 2028, e também novos telescópios espaciais, como o Ariel, da Agência Espacial Europeia (ESA) e com forte contribuição de Portugal, estão a colocar um crescente número de atmosferas exoplanetárias ao nosso alcance. A missão espacial Ariel está a ser desenhada para estudar em detalhe cerca de mil exoplanetas já conhecidos, entre gigantes gasosos e planetas rochosos.
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Fonte: Consórcio Ariel (https://ariel-spacemission.eu/)
Com a constante descoberta de novos planetas, aliada a estas novas capacidades de observação, o estudo dos mundos extrassolares está assim a caminhar a passos largos rumo à caracterização de planetas mais pequenos, e mais temperados. Um dos grandes objetivos deste campo é estudar as atmosferas de planetas rochosos e, naturalmente, a procura por planetas semelhantes à Terra, ou com as condições necessárias para albergar vida como a conhecemos.
Na busca por estes mundos, os astrónomos concentram-se na chamada “zona habitável”, uma região nem demasiado próxima, nem demasiado distante da estrela, onde a água pode existir em equilíbrio no estado líquido. É nesta região que se foca a busca pelo que consideramos ser o balanço de gases ideal para suportar a vida como a conhecemos na Terra. Com cada novo planeta descoberto, com cada novo telescópio desenvolvido, caminhamos passo a passo, planeta a planeta, espectro a espectro, em busca da resposta a uma das questões mais profundas da Humanidade: Existirá vida para além da Terra?
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Notas
- Tomás Silva obteve o seu doutoramento no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), onde se dedicou à descoberta e caracterização de exoplanetas e das suas atmosferas. É atualmente investigador no Observatório Astrofísico de Arcetri, em Florença, onde desenvolve modelos atmosféricos para melhor compreender estes mundos distantes.