Como foi que disse? – 3ª parte
Navegar no vocabulário da astronomia — Planetas

Impressão artística da superfície do planeta Proxima b.

Impressão artística da superfície do planeta Proxima b, que orbita a estrela anã vermelha Proxima Centauri, a estrela mais próxima do Sistema Solar.
Créditos: ESO/M. Kornmesser

Se alguma vez encontrou o termo planeta “tipo-Terra”, espere mais um pouco antes de se mudar para lá. Alguns termos em astronomia podem parecer estranhos ou enganadores.

Nesta terceira parte de uma série de quatro artigos tentamos descomplicar alguns termos usados em ciências planetárias, para que os consiga usar como um profissional.

O que é afinal um planeta?

Os astrónomos estão ainda em desacordo em relação à forma como definem um planeta no Sistema Solar. Muitos definem os planetas como sendo corpos massivos o suficiente para atingirem um estado de equilíbrio em que, devido à gravidade, o planeta adquire uma forma quase esférica

Mas outros astrónomos exigem requisitos adicionais. A definição dada pela União Astronómica Internacional (IAU) requer que, para além de estarem em equilíbrio e serem quase redondos, os planetas orbitem o Sol e tenham “limpo a sua vizinhança”, removendo outros objetos astronómicos do seu caminho. Então, tecnicamente, existem apenas oito planetas no nosso Sistema Solar, visto que Plutão não cumpre o terceiro critério. 

Ceres, tal como Plutão, é um planeta-anão
Ceres, tal como Plutão, é um planeta-anão, mas a sua história não começou assim. Descoberto em 1801 por Giuseppe Piazzi, foi o primeiro objeto identificado na região atualmente conhecida por cintura de asteroides, e foi referido como asteroide até à reclassificação em 2006, junto com Plutão.
Apesar de muito mais pequeno do que a Lua, a sua forma arredondada justifica a sua classificação como planeta-anão. Mas pelo facto de partilhar a sua órbita em volta do Sol com muitos outros objetos, não pode ser considerado um planeta.

Créditos: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA

Entende-se que limpar a órbita não poderá ir até ao limite das poeiras que cruzam as órbitas dos planetas, pois estas existirão sempre. Porém, um planeta tem a capacidade de limpar toda a órbita se lhe derem o tempo suficiente para isso, enquanto que um planeta-anão, ou um pequeno corpo do sistema solar, nunca o conseguirá.

A “habitabilidade” planetária implica apenas que um planeta tem a possibilidade de ter água no estado líquido. Mas sabemos que este não é o único factor essencial à vida no nosso planeta.

E os planetas que orbitam outras estrelas que não o Sol, os exoplanetas? De acordo com a definição da IAU, os exoplanetas não são formalmente considerados planetas, pois não andam à volta do Sol. Eles têm, portanto, a sua própria definição. Assim como os planetas do Sistema Solar, eles têm de ser massivos o suficiente, mas não tão massivos ao ponto de gerarem fusão nuclear no seu interior. A fusão nuclear só acontece em corpos com massa superior a 13 vezes a massa de Júpiter – nas chamadas anãs castanhas, que são estrelas “falhadas”, sem massa suficiente para gerar energia por fusão nuclear do hidrogénio (como a que acontece no Sol), mas onde pode ocorrer a fusão do deutério, um isótopo raro do hidrogénio. 

Além disso, os exoplanetas podem orbitar objetos que não sejam estrelas, como as anãs castanhas ou cadáveres estelares, como as estrelas de neutrões (o final de vida de estrelas com mais massa do que o Sol). Mas os planetas têm de orbitar algo, o que significa que os chamados planetas errantes, desgarrados de qualquer estrela, não são propriamente planetas

Habitável 

Poderá pensar que um exoplaneta “habitável” é um no qual pudéssemos viver. Não é bem assim. A habitabilidade planetária é uma medida do potencial que um planeta, ou lua, tem para desenvolver e manter ambientes propícios à vida como conhecemos na Terra. Isto frequentemente implica apenas que um planeta tem a possibilidade de ter água no estado líquido. Mas sabemos que este não é o único factor essencial à vida no nosso planeta. Além disso, se entretanto descobrirmos algo sobre outras possíveis formas de vida, a nossa definição de “habitável” pode ter que ser revista. 

Zona Habitável 

Com base na ideia de “habitável”, a zona habitável, ou ‘zona Goldilocks‘, é o intervalo de distância a uma estrela no qual a superfície de um planeta ou lua pode suportar água líquida, se houver pressão atmosférica suficiente. Esta última parte é importante: a nossa Lua está obviamente dentro da zona habitável do Sol, mas não pode albergar água líquida porque não tem atmosfera. 

Conceção artística da superfície de Vénus.
Esta é uma conceção artística da superfície de Vénus. Visto a anos-luz de distância, Vénus poderia ser classificado como um planeta ‘tipo-Terra’, mas está longe de ser um planeta habitável. Vários factores estão de facto envolvidos na habitabilidade como a entendemos, e não apenas a distância à estrela.

Créditos: J. Whatmore/IAstro

Planeta tipo-Terra (ou análogo à Terra) 

Este termo, como ele sugere, usualmente refere-se a um planeta ou lua que é “como a Terra”, ou tem propriedades físicas semelhantes às do nosso planeta. A dificuldade com este termo surge ao descrever o que é ser “como a Terra”. 

Na maioria das vezes, as únicas propriedades observáveis que podemos medir em exoplanetas são a sua massa e tamanho. Mas pensemos em Vénus: tem praticamente o mesmo tamanho e massa da Terra, mas é um inferno escaldante coberto por espessas nuvens de ácido sulfúrico. Definitivamente não é como a Terra! 

Como resultado, só porque nos referimos a um planeta como “tipo-Terra” não significa necessariamente que seja muito parecido com a Terra. 

Nebulosa Planetária

O nome ʻnebulosa planetáriaʼ surgiu porque muitas destas nebulosas têm formas redondas que as faziam parecer planetas quando observadas com os primeiros telescópios.

Pode pensar que este termo é fácil: nebulosa planetária, portanto, nebulosa envolvendo planetas! Infelizmente, estaria incorreto. O termo nebulosa planetária refere-se à camada de gás brilhante e em expansão da qual muitas estrelas se desprendem nas fases tardias da sua evolução, como acontecerá com o Sol. 

O nome surgiu porque muitas dessas nebulosas têm formas redondas que as faziam parecer planetas quando observadas com os primeiros telescópios. Curiosamente, muitas nebulosas planetárias nem sequer são redondas e, em vez disso, têm formas simétricas, como uma ampulheta ou uma borboleta. Mas, como muitos outros termos em astronomia, o nome sobreviveu. 

A nebulosa planetária ESO 378-1
A nebulosa planetária ESO 378-1 é um exemplo da forma arredondada, parecida com a de um planeta, e que tem causado alguma confusão em volta deste termo.
Créditos: ESO

Metais 

Sabemos o que é um metal na Terra. Pensemos de que é feita uma espada, ou uma lata de refrigerante, ou as chaves para abrir a nossa casa. É aquela coisa brilhante que conduz eletricidade e às vezes é magnética. Em astronomia, no entanto, as coisas são diferentes. Para os astrónomos, os planetas são feitos de “metais”, e com isto não querem dizer que os planetas são simplesmente bolas de canhão mal polidas. 

No Universo, quase toda a matéria é constituída por hidrogénio e hélio. Por isso, os astrónomos usam o termo “metais” para descrever qualquer elemento que não seja nenhum daqueles dois, contrariamente à definição usada em química. Estrelas e nebulosas que possuem muitos metais (elementos “pesados”) são geralmente chamadas de “ricas em metais”, e a abundância destes elementos pesados é designada em astronomia por “metalicidade”. Isto acontece apesar de a maioria desses elementos – como o carbono, azoto ou oxigénio – não obedecerem às definições de metal que os químicos e físicos usam.


A série de artigos de que este texto faz parte tem por base o artigo “What did you just say? – Navigating astronomy’s confusing terminology”, de Anita Chandran, publicado no ESOblog, traduzido para português por Iara Tiago e expandido por Sérgio Pereira, do Grupo de Comunicação de Ciência do IA, com revisão científica de Ana Rita Silva.