O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) ganhou o contrato da Agência Espacial Europeia para o desenvolvimento de um sistema óptico de precisão para o futuro observatório espacial das altas energias.
Observado nos raios X, o Universo revela locais extremos, a temperaturas de milhões de graus, ou excecionalmente energéticos. São também locais que determinaram o destino do Universo e aquilo que vemos hoje.
O observatório espacial que irá fazer uma radiografia de raios X do Universo na próxima década já está a ser planeado, e terá um sistema completo com conceção e desenho liderados por Portugal, através do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).
“No IA estudamos as condições de formação de galáxias próximo do início do Universo. Estamos pois a garantir, numa visão a longo prazo, que a nossa investigação irá continuar a dar frutos através deste observatório único.”
José Afonso
A 23 de abril, o IA venceu o concurso da Agência Espacial Europeia (ESA) para liderar um dos consórcios da missão Athena (Advanced Telescope for High-Energy Astrophysics), uma das grandes missões do programa de longo prazo Cosmic Vision da ESA.
O telescópio Athena, com lançamento previsto para 2031, permitirá, entre outros objetivos, conhecer a forma como os buracos negros com a massa de milhões de sóis determinaram a formação das primeiras galáxias e a evolução de galáxias como a nossa, ou ajudar a compreender como é que essas galáxias se arrumaram em estruturas com a extensão de centenas de milhões de anos-luz e que são o “esqueleto” do Universo.
Neste contrato de dois anos com a ESA, o IA vai liderar o desenvolvimento de um sistema de medida que garante que o espelho do telescópio, de 2,5 metros de diâmetro, estará a apontar precisamente para o sensor de cada um dos dois instrumentos científicos.
Desde 2013 que investigadores do IA participam também no desenvolvimento de um desses instrumentos, uma câmara de imagem de grande campo, pelo que o instituto está presente tanto na ciência como na engenharia deste futuro observatório dedicado ao Universo das altas energias.
“O sistema que vamos fazer é um instrumento óptico que permite verificar a direção do espelho e garantir que não existem deslocamentos laterais com um erro maior do que a centésima parte do milímetro entre o sensor de cada instrumento e o ponto focal do espelho. Mas o espelho está a 12 metros de distância. É um rigor muito grande”, comenta Manuel Abreu, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa)
“Estamos na fase em que o modelo irá ter já as dimensões finais, com todas as interfaces definidas, como é que se relaciona com o resto do telescópio, como é que deve resistir às condições físicas, tudo muito próximo do modelo real.”
Manuel Abreu
“Depois, com o telescópio já no espaço, há um processo de calibração inicial. Todo o sistema sofreu tensões térmicas e vibrações dentro do foguetão, e há uma grande probabilidade de não chegar alinhado”, acrescenta Manuel Abreu. “Nós temos de fazer esse alinhamento remotamente, para verificar que está a apontar para o sítio certo, e o mesmo acontece de cada vez que o espelho troca entre instrumentos.”
O IA é responsável pelo desenho e desenvolvimento do sistema de medida, conceção da componente óptica e execução dos testes, liderando um consórcio de que fazem parte três empresas. Duas são portuguesas: a FHP, que irá desenvolver a componente mecânica do sistema, e a Evoleo, que tem a seu cargo os subsistemas eletrónicos. A Thales Alenia Space, em Itália, com extensa experiência no domínio aeroespacial, irá apoiar o desenvolvimento de requisitos, a integração com o resto do telescópio e a definição dos testes de verificação.
“Estamos na fase designada por fase B, em que o modelo irá ter já as dimensões finais, com todas as interfaces definidas (elétricas, mecânicas e térmicas), como é que se relaciona com o resto do telescópio, como é que deve resistir às condições físicas, tudo muito próximo do modelo real, mas que ainda não é o modelo de voo”, explica Manuel Abreu. Dentro de dois anos haverá novo concurso para a fase C: a construção do modelo que irá para o espaço, seguindo o desenho concebido pelo IA.
O IA está agora ligado de várias formas à missão Athena. Desde a sua conceção que contribui para os requisitos científicos do instrumento Wide Field Imager (câmara de grande campo, WFI), participando neste consórcio ao nível da coordenação e da Equipa Científica. “Somos coautores dos white papers que descrevem a ciência que será feita com o Athena: o que é que o telescópio, com esta câmara, deverá ser capaz de ver, quais os limites que deverá atingir”, diz Israel Matute, do IA e de Ciências ULisboa.
Cobrindo uma grande área do céu, o que será uma das revoluções do Athena, o WFI poderá detetar em épocas longínquas raras fontes de emissão cem vezes mais rapidamente do que os telescópios de raios X atuais. “Há vários processos físicos que emitem raios X”, explica Israel Matute. “Os buracos negros supermassivos no centro de certas galáxias e que estão ativamente a atrair matéria1 emitem raios X, e sabemos que eles provavelmente moldaram a evolução da sua própria galáxia. São processos muito energéticos, e por isso influenciam fortemente o ambiente à sua volta.”
“No IA estudamos as condições de formação de galáxias próximo do início do Universo, e o papel de buracos negros primordiais na formação das galáxias”, diz José Afonso, do IA e de Ciências ULisboa, líder da participação portuguesa no Athena e membro da direção do instrumento WFI. “Estamos pois a garantir, numa visão a longo prazo, que a nossa investigação irá continuar a dar frutos através deste observatório único. A participação do IA na engenharia do próprio telescópio através do Grupo de Instrumentação é uma consequência deste nosso envolvimento em vários aspetos da missão.”
“É importante estarmos nos dois lados do instrumento, do lado de quem o faz, e do lado de quem o usa. Isso só completa o IA”, sublinha Manuel Abreu. “Os nossos astrónomos também precisam de saber como é que os instrumentos se comportam e o que podem pedir para os novos instrumentos. É um ciclo que se está sempre a renovar e que se completa.”
Notas
- Pensa-se que existem buracos negros supermassivos no centro de todas as grandes galáxias. Normalmente estes buracos negros estão inativos, mas se existir material a ser atraído para eles a grande velocidade, os discos de acreção que se formam à volta do buraco negro emitem enormes quantidades de radiação, em todos os comprimentos de onda, formando Núcleos Galácticos Ativos (em inglês, Active Galactic Nuclei, ou na sigla AGN).
Contactos
Manuel Abreu, Israel Matute, José Afonso
Grupo de Comunicação de Ciência
Sérgio Pereira ; Ricardo Cardoso Reis ; João Retrê (coordenação, Lisboa); Daniel Folha (coordenação, Porto).