Luz ultravioleta de estrelas massivas pode impedir a formação de planetas gigantes

Conceção artística de uma estrela quente e azul, com vinte cinco vezes mais massa do que o Sol, e de um planeta semelhante a Júpiter.

Conceção artística de uma estrela quente e azul, com vinte cinco vezes mais massa do que o Sol, e de um planeta semelhante a Júpiter. Créditos: ESO/L. Calçada; ESO/L. Benassi

As estrelas enormes, superluminosas, podem obrigar estrelas jovens de pequena massa a viverem quase solitárias, sem a companhia de planetas gigantes, confirma um estudo com a participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA)

Que probabilidade têm os embriões de futuros planetas como Júpiter de resistir e sobreviver à radiação ultravioleta de estrelas massivas? Estudando a nebulosa de Orionte, o berçário de estrelas mais próximo da Terra, esta foi a pergunta a que tentou responder uma equipa internacional de que faz parte Sílvia Vicente, investigadora do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), equipa liderada por Olivier Berné, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em França.

Pormenor da Nebulosa de Orionte, com as estrelas do Trapézio na parte superior
Na parte inferior esquerda da imagem observa-se no gás e poeira da Nebulosa de Orionte uma estrutura na diagonal. As moléculas da região fria estão aí a ser dissociadas em átomos individuais. Esta dissociação é causada pela radiação ultravioleta das estrelas mais brilhantes na parte superior da imagem e que fazem parte do enxame de estrelas do Trapézio, no centro da nebulosa.
São estrelas com mais de dez vezes a massa do Sol, enormes e brilhantes, e que emitem sobretudo na luz ultravioleta.
Créditos: ESO/M.McCaughrean et al. (AIP)

Num trabalho publicado hoje na revista científica Science, a equipa utilizou a visão na luz infravermelha e alta resolução do telescópio espacial James Webb (JWST) para conseguir penetrar e ver em detalhe através das camadas de poeira da nebulosa de Orionte, a 1400 anos-luz, e surpreender uma das suas estrelas em formação. 

É uma estrela oculta pelo disco de material que a rodeia, feito de gás e poeiras, e onde seria provável virem a formar-se planetas, chamado disco protoplanetário. A estrela e o seu disco estão expostos à radiação das estrelas massivas e brilhantes do Enxame do Trapézio, no coração da nebulosa. Os autores verificaram que há um fluxo de gás a ser arrancado ao disco de material, e que o débito desse gás está a acontecer a um ritmo demasiado rápido para que um planeta gigante possa vir a fazer parte do futuro sistema planetário em volta dessa estrela.

Segundo os autores, a estrela no centro do disco d203-506 tem um terço da massa do Sol e a previsão é a de que irá perder o seu disco protoplanetário dentro de uns 130 mil anos, o que é insuficiente para se formarem planetas.

Desde 2011 que Sílvia Vicente colabora com Olivier Berné no estudo no infravermelho das propriedades físicas e químicas do gás em discos protoplanetários expostos à radiação ultravioleta de estrelas massivas. É autora do primeiro estudo de um tipo de moléculas que são indicadoras do processo de evaporação destes discos pela radiação ultravioleta. “Este artigo na revista Science demonstra, nos seus objetivos científicos e métodos, o trabalho de investigação que desenvolvo desde o meu doutoramento”, diz Sílvia Vicente, que contribuiu para a análise e interpretação das observações. 

Nebulosa de Orionte e Enxame do Trapézio
Pormenor da Nebulosa de Orionte, com as estrelas do Trapézio na parte superior, e a região analisada neste estudo sinalizada na parte inferior. A imagem da caixa mostra o disco protoplanetário d203-506 observado com o Telescópio Espacial James Webb. A vermelho está representado o material do disco, composto por gás molecular e que está a ser dissociado em átomos pela luz das estrelas do Trapézio. A azul é visível a emissão do jacto típico destas estrelas jovens, perpendicular ao plano do disco.
Créditos: NASA, ESA, M. Robberto (Space Telescope Science Institute/ESA) and the Hubble Space Telescope Orion Treasury Project Team; Olivier Berné et al. 2024.

As estrelas massivas, como as do Enxame do Trapézio, podem ter dez ou mais vezes a massa do Sol, e são 100 000 vezes mais luminosas do que a nossa estrela. A sua luz é máxima na banda dos ultravioletas, e esta radiação energética pode tanto promover como inibir a formação de planetas nos chamados discos protoplanetários.

Ao incidir no material do disco, a radiação ultravioleta aquece-o, aumentando a velocidade das partículas. Se a estrela em formação, no centro do disco, não tiver massa suficiente, essa radiação fará o gás dissipar-se sem que a gravidade da estrela o consiga reter. Forma-se então um envelope de moléculas de hidrogénio (H2), cuja superfície exterior está a ser dissociada em átomos de hidrogénio individuais. É o que está a acontecer com o disco protoplanetário d203-506, em torno da estrela observada neste estudo. 

Nebulosa de Orionte
A Nebulosa de Orionte é uma extensa nuvem de gás e poeira onde se estão a formar estrelas. É o berçário de estrelas mais próximo da Terra, a 1400 anos-luz, visível a olho nu na constelação com o mesmo nome. Nuvens como esta chamam-se nuvens moleculares porque estão frias o suficiente para os átomos se juntarem em moléculas.
Créditos: NASA, ESA, Massimo Robberto (STScI, ESA), Hubble Space Telescope Orion Treasury Project Team

Segundo os autores, a estrela no centro do disco d203-506 tem um terço da massa do Sol e a previsão é a de que irá perder o seu disco protoplanetário dentro de uns 130 mil anos, o que é insuficiente para se formarem planetas. Os discos protoplanetários duram em geral alguns milhões de anos. Este estudo confirma assim os modelos teóricos, de que as estrelas massivas impedem que estrelas jovens com menos de metade da massa do Sol consigam ter planetas gigantes como Júpiter por companhia.

Exemplo de um disco protoplanetário, feito de gás e poeiras, em volta de uma estrela jovem
Exemplo de um disco protoplanetário, feito de gás e poeiras, em volta de uma estrela jovem, semelhante ao que terá originado os planetas do Sistema Solar. Imagem obtida com o instrumento SPHERE, do ESO.
Credit: ESO/H. Avenhaus et al./E. Sissa et al./DARTT-S and SHINE collaborations

O trabalho hoje publicado na revista Science identificou também espécies químicas nunca antes observadas no infravermelho neste contexto, “o que permite atualizar o modelo de temperatura e química destes discos”, diz Sílvia Vicente, que é membro da equipa principal do projeto PDRs4All, de que o artigo hoje publicado é um dos resultados, e que é um dos primeiros programas internacionais de observação prioritários com o telescópio James Webb. 

“Poderei também utilizar o conhecimento adquirido pela equipa PDRs4All no processo de tratamento e análise dos dados do telescópio James Webb no projeto que lidero no segundo ciclo de observações com este telescópio. Este projeto pretende estudar em profundidade as propriedades de um disco de material nas mesmas circunstâncias em torno de outra estrela jovem na nebulosa de Orionte. As observações deverão chegar até ao final de março.”


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