1O planeta Barnard b, com metade da massa de Vénus, foi descoberto por uma equipa que conta com a participação de vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
A apenas 6 anos-luz de distância, a estrela de Barnard é a segunda mais próxima do Sol, depois do sistema triplo Alfa Centauri, mas é o sistema estelar mais próximo com apenas uma estrela. Uma equipa internacional1, que conta com vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), usou dados obtidos com o espectrógrafo ESPRESSO3 para descobrir um planeta com metade da massa de Vénus em órbita da estrela de Barnard.
A descoberta do exoplaneta Barnard b, com base no método das velocidades radiais4, foi publicada hoje5 na revista Astronomy & Astrophysics e resultou de dados obtidos em mais de 150 observações com o ESPRESSO, instalado no VLT do Observatório Europeu do Sul (ESO), espalhadas ao longo de cerca de 5 anos.
“A utilização de uma nova técnica, desenvolvida durante a minha tese de doutoramento, permite uma maior precisão na medição da velocidade radial e tem potenciado este tipo de deteções nos últimos anos”
André Silva
André Silva (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), um dos co-autores do artigo, comenta: “Esta descoberta mostra, mais uma vez, que o método das velocidades radiais é uma ferramenta fulcral para a descoberta de exoplanetas leves e potencialmente na zona habitável”.
A descoberta foi confirmada recorrendo a dados de outros instrumentos especializados na procura de exoplanetas, como o HARPS6, o HARPS-N e o CARMENES.
“Mesmo que tenha demorado muito tempo, estivemos sempre confiantes que iríamos encontrar alguma coisa”, comenta Jonay González-Hernández do Instituto de Astrofísica de Canarias (IAC), o primeiro autor do artigo.
A equipa tinha como objetivo procurar planetas na zona de habitabilidade7 da estrela de Barnard, uma anã vermelha. Este tipo de estrelas são frequentemente alvo de observações, pois são mais pequenas e menos quentes do que o nosso Sol, sendo por isso mais fácil detetar planetas rochosos de menor massa em seu redor.
O Barnard b demora pouco menos de 3 dias e 4 horas para completar uma órbita e está cerca de 20 vezes mais próximo da sua estrela-mãe do que Mercúrio está do Sol. Mas como a estrela de Barnard é 2500 graus menos quente do que o Sol, o planeta tem uma temperatura a rondar os 125 °C – ainda assim demasiado quente para poder suster água líquida, o que o coloca fora da zona de habitabilidade da estrela de Barnard.
Além de confirmar este exoplaneta, a equipa detetou ainda indícios de mais três candidatos que podem orbitar a estrela de Barnard, mas serão precisos mais dados para confirmar a sua existência.
A estratégia do IA na área da deteção e caracterização de exoplanetas, atualmente em plena implementação com os espectrógrafos ESPRESSO E NIRPS8 e com a missão espacial Cheops (ESA), irá continuar no futuro próximo, com a próxima geração de instrumentos e missões espaciais com forte envolvimento do IA. Isto inclui as missões espaciais da ESA PLATO e ARIEL, com lançamentos previstos para 2026 e 2029, respetivamente, e com o espectrógrafo ANDES9 previsto entrar em funcionamento no início da década de 2030, quando for instalado no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).
Todos estes estudos estão a preparar a equipa do IA para os próximos grandes passos, onde instrumentos como o ANDES terão um papel fundamental. É expectável que o ANDES lhes permita a deteção de substâncias químicas nas atmosferas de planetas semelhantes à Terra, o que abre a porta à deteção de biomarcadores.
“O ESPRESSO está-nos a permitir abrir caminho para a ciência que vai ser feita com o próximo grande projeto na área: o espectrógrafo ANDES, para o ELT. A nossa forte contribuição para o projeto ANDES, no qual a equipa do IA é responsável tanto pelos desenvolvimentos científicos como tecnológicos, irá garantir que estaremos na linha da frente de novas descobertas nesta área”, acrescenta Nuno Cardoso Santos líder da equipa de Sistemas Planetários do IA e Professor no Departamento de Física e Astronomia da FCUP.
Notas
- A equipa é: .J. I. González Hernández, A. Suárez Mascareño, A. M. Silva, A. K. Stefanov, J. P. Faria, H. M.Tabernero, A. Sozzetti, R. Rebolo, F. Pepe, N. C. Santos, S. Cristiani, C. Lovis, X. Dumusque, P. Figueira, J. Lillo-Box, N. Nari, S. Benatti, M. J. Hobson, A. Castro-González, R. Allart, V. M.Passegger, M.-R. Zapatero Osorio, V. Adibekyan, Y. Alibert, C. Allende Prieto, F. Bouchy, M.Damasso, V. D’Odorico, P. Di Marcantonio, D. Ehrenreich, G. Lo Curto, R. Génova Santos, C. J. A. P.Martins, A. Mehner, G. Micela, P. Molaro, N. Nunes, E. Palle, S. G. Sousa e S. Udry
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
- O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
- O artigo “A sub-Earth-mass planet orbiting Barnard’s star”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202451311).
- O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
- A Zona de Habitabilidade é a faixa em torno da estrela em que as temperaturas são suficientemente amenas para que possa existir água no estado líquido à superfície de um planeta rochoso.
O NIRPS (Near-Infrared high resolution spectrograph, ou espectrógrafo no infravermelho próximo de alta resolução) está acoplado ao Telescópio ESO de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile. O foco deste espectrógrafo é o estudo de exoplanetas rochosos, o tipo de planetas que se julga serem a chave para decifrar a formação e evolução planetária, além de serem considerados os melhores candidatos para o aparecimento de vida. Este instrumento obtém espectros de grande precisão em comprimentos de onda de infravermelho, que em combinação com as de espectrógrafos na banda do visível, como o ESPRESSO, poderão fornecer importantes pistas sobre a composição dos exoplanetas, e até permitir procurar por sinais de vida nas atmosferas destes. - O ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph, ou espectrógrafo de Echelle de alta dispersão do Armazones) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT (em Cerro Armazones, deserto do Atacama, Chile). Irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho, o que Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.
Contactos
André Silva, Nuno Cardoso Santos
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Sérgio Pereira; Filipe Pires (coordenação, Porto); João Retrê (coordenação, Lisboa)