Primeiras observações de filamentos da “teia cósmica”

Um dos filamentos de gás ionizado (a azul) observados pelo MUSE, no campo ultra profundo do Hubble (imagem de fundo), que se estende por 15 mil milhões de anos-luz. (Crédito: Roland Bacon (CNRS/CRAL), ESO e NASA).

Recorrendo a observações do espectrógrafo MUSE, uma equipa de investigadores, incluindo do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), conseguiu observar filamentos cósmicos, numa altura em que o Universo tinha menos de 15% da idade atual.

Uma equipa1 de astrofísicos, que inclui Jarle Brinchmann do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), recorreu ao espectrógrafo MUSE, instalado no telescópio VLT, do Observatório Europeu do Sul (ESO), para fazer o mais profundo levantamento espectroscópico até hoje. Além de estruturas filamentares de gás à escala cósmica, estas observações do universo jovem, um a dois mil milhões de anos após o Big Bang, revelaram ainda a existência de inúmeras galáxias anãs, que até aqui nem se suspeitava que existissem. Estes resultados3 foram publicados hoje na revista científica Astronomy & Astrophysics.

Jarle Brinchmann (IA, UPorto & Observatório de Leiden), comenta: “Esta é a mais profunda observação alguma vez feita ao Universo, que nos revelou galáxias inteiras mais ténues do que a estrela Rigel, uma das 10 mais brilhantes no nosso céu. O conjunto destas galáxias ilumina o Universo primordial, como pequenos “candeeiros públicos” no meio de um nevoeiro de gás hidrogénio”.

Simulação cosmológica do Universo distante, que ilustra a luz emitida pelos átomos de hidrogénio na teia cósmica, numa região com cerca de 15 milhões de anos-luz.  (Crédito: Jeremy Blaizot, SPHINX project).

A larga escala, o Universo é formado por uma estrutura filamentar de gás, uma autêntica “teia cósmica” ao longo da qual as galáxias se formam. Os modelos teóricos preveem que o gás que compõe os filamentos, quando exposto a radiação, adquire uma certa incandescência, mas tão ténue, que estes nunca tinham sido observados diretamente.

Só recentemente se tornou tecnicamente possível observar as zonas mais densas da teia, designadas “nós”, onde se encontram quasares, astros cuja intensa radiação consegue aumentar o brilho da teia nessa região. Mas os nós não são uma amostra representativa da parte normal dos filamentos, onde ocorre cerca de 60% de toda a formação de galáxias.

Para resolver este problema, a equipa, liderada por Roland Bacon (CNRS/CRAL), apontou o VLT, durante mais de 140 horas, para a região do céu conhecida como Campo Ultra Profundo do Hubble, até agora uma das imagens mais profunda do cosmos até agora obtida. Ao tirar partido da ótica adaptativa e da mais avançada capacidade espectroscópica do MUSE, foi possível à equipa, fazer um mapa de vários pedaços de filamentos no Universo quando este tinha apenas 1 a 2 mil milhões de anos depois do Big Bang. As imagens também revelaram que 40% das galáxias agora descobertas são tão ténues que não eram visíveis na imagem obtida pelo telescópio espacial Hubble.

“Quando fazes algo que nunca ninguém fez, corres o risco de o Universo te revelar os seu segredos. É incrível pensar que estamos a ver o brilho, na alvorada do próprio Universo, de galáxias tão pequenas que seria difícil vê-las mesmo que estivessem nas proximidades da nossa galáxia, a Via Láctea”.
Jarle Brinchmann

Mas a maior surpresa ocorreu quando as simulações efetuadas pela equipa revelaram que uma fração significativa da luz difusa observada – talvez até a maior parte dela – tem origem num enorme “mar” de galáxias anãs de luminosidade ultra-fraca. Estas galáxias são tão pouco brilhantes que não seria possível detetá-las individualmente com os meios atuais, mas a sua existência tem consequências importantes para os modelos de formação de galáxias, consequências que só agora os cientistas vão começar a explorar.


Notas

  1. A equipa é composta por: Roland Bacon (U. Lyon), David Mary (Laboratoire Lagrange, CNRS, U. Côte d’Azur, Observatoire de la Côte d’Azur), Thibault Garel (Observatoire de Genève, U. de Genève & U. Lyon), Jeremy Blaizot (U. Lyon), Michael Maseda (Leiden Observatory, Leiden U.), Joop Schaye (Leiden Observatory, Leiden U.), Lutz Wisotzki (Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam), Simon Conseil (Gemini Observatory/NSF’s NOIRLab), Jarle Brinchmann (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaco, U. Porto & Leiden Observatory, Leiden U.), Floriane Leclercq (Observatoire de Genève, U. de Genève), Valentina Abril-Melgarejo (Aix Marseille Université, CNRS, Laboratoire d’Astrophysique de Marseille), Leindert Boogaard (Leiden Observatory, Leiden U.), Nicolas Bouché (U. Lyon), Thierry Contini (IRAP, Institut de Recherche en Astrophysique et Planétologie, CNRS, U. de Toulouse), Anna Feltre (INAF – Osservatorio di Astrofisica e Scienza dello Spazio di Bologna & U. Lyon), Bruno Guiderdoni (U. Lyon), Christian Herenz (European Southern Observatory), Wolfram Kollatschny (Institut für Astrophysik, U. Göttingen) Haruka Kusakabe (Observatoire de Genève, U. de Genève), Jorryt Matthee (ETH Zurich, Institute of Astronomy), Léo Michel-Dansac (U. Lyon), Themiya Nanayakkara (Centre for Astrophysics and Supercomputing, Swinburne U. of Technology), Johan Richard (U. Lyon), Martin Roth (Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam), Kasper B. Schmidt (Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam), Matthias Steinmetz (Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam), Laurence Tresse (U. Lyon), Tanya Urrutia5, Anne Verhamme3, Peter M. Weilbacher (Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam), Johannes Zabl (U. Lyon) e Sebastiaan L. Zoutendijk (Leiden Observatory, Leiden U.).
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  3. O artigo “The MUSE Extremely Deep Field: the Cosmic Web in Emission at High Redshift”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics de 18 de março 2021 (DOI: 10.1051/0004-6361/202039887)

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