Imaginemos várias dezenas de sóis compactados numa única estrela. A tremenda explosão final de uma estrela tão grande é sentida através da galáxia até bem longe. Felizmente, estrelas destas são raras, e o motivo reside no seu local de nascença.
Estima-se que a nossa galáxia contenha algumas centenas de milhares de milhões de estrelas. Nem todas são iguais. As estrelas vêm em diferentes tamanhos e cores. A nossa galáxia está inundada das mais pequenas, brilhantes na luz infravermelha, e portanto invisíveis aos nossos olhos. No topo da escala de massa estão as mais raras entre as raras, as pedras preciosas de cor branca na tapeçaria celeste. Os astrónomos chamam-lhes estrelas de tipo O.
Há apenas uma estrela de tipo O em cada conjunto de alguns milhares de estrelas. As mais leves podem ter 20 vezes a massa do Sol, mas os astrónomos encontraram exemplos incríveis com até 200 vezes. A sua superfície pode brilhar a uma temperatura de perto de 30 000 graus Celsius, o que é cinco vezes mais quente do que a superfície do Sol, mas algumas delas podem ser até 15 vezes mais quentes.
Estas estrelas morrem em explosões extremamente potentes, conhecidas por supernovas. A onda de choque e a pressão destas explosões propagam-se através do meio galáctico e são responsáveis por movimentos internos e de mistura na galáxia como um todo. Estes eventos cataclísmicos também oferecem muitos dos elementos químicos que estas estrelas fabricaram no seu núcleo, e por isso reconfiguram a constituição química do meio interestelar.
Todas as outras estrelas na galáxia, milhares de vezes mais comuns, têm menos de dez massas solares, e a maior parte delas, de facto, têm apenas uma fração da massa do Sol. Como é possível que as estrelas se formem em tal variedade?
Maternidades estelares
As grandes nebulosas de Orionte, Trífida, Ampulheta e Águia são alvos fáceis no céu para observar com um par de binóculos ou um pequeno telescópio. Estas nebulosas são nuvens de gás e poeira, das quais nascerão várias centenas de estrelas. A jovem maternidade estelar terá ainda de sair do seu casulo parental. Muitas das estrelas jovens serão como a nossa estrela, o Sol. Cerca de uma em cada dez tornar-se-á naquilo a que se dá o nome de anã castanha. Têm menos de um décimo da massa do Sol e por isso não conseguem gerar energia no seu núcleo por fusão nuclear. Uma em cada cem novas estrelas serão estrelas massivas, sendo as de última linha as estrelas de tipo O.
Quando Galileu Galilei descobriu a Nebulosa de Orionte, desenhou três das estrelas no seu centro. A estrela mais brilhante que ele assinalou com um C (hoje conhecida como Theta1 C Ori) é uma estrela com cerca de 30 vezes a massa do Sol, e é cerca de sete vezes mais quente. A radiação ultravioleta emitida por esta estrela é o que faz a Nebulosa de Orionte brilhar. Ela ilumina e ioniza (remove os eletrões dos átomos) o gás e a poeira da nuvem. Se não fosse esta estrela, não nos seria possível ver a Nebulosa de Orionte, nem mesmo com uns binóculos. A quantidade de luz libertada só por esta estrela é mais de cem vezes a luz total de todas as restantes 2000 estrelas semelhantes ao Sol que existem nesta nebulosa.
As estrelas mais massivas ocupam sempre a posição central em qualquer nebulosa de formação estelar ou enxame de estrelas.
Após mais de meio século de pesquisa, os astrónomos compreendem agora que as estrelas se formam em grandes grupos dentro de nuvens de gás e poeira gigantes e escuras, suficientemente frias para que os átomos se unam em moléculas, e por isso designadas nuvens moleculares. Estas nuvens começam a colapsar sob o seu próprio peso, ou seja, sob o efeito da sua própria gravidade. Várias bolsas mais densas, chamadas núcleos, avolumam-se. Inevitavelmente, estas sementes contrair-se-ão em estrelas individuais ou sistemas de múltiplas estrelas.
De acordo com este modelo de colapso gravitacional, para que se formem estrelas de tipo O, são necessários núcleos de gás e poeira frios muito massivos e densos. No entanto, tais núcleos não foram até agora encontrados. Sabe-se que estrelas massivas se formam rapidamente, num décimo do tempo que uma estrela como o Sol precisa para ganhar vida.
Começam por queimar hidrogénio em hélio, produzindo energia através de fusão nuclear, mesmo quando ainda são novas. Por isso, cedo começam a lançar enormes quantidades de radiação, e a pressão desta radiação pode parar o processo de acreção de matéria que está a alimentar o crescimento de estrelas vizinhas, ou mesmo soprar essa matéria para longe. Com base nesta pressão da radiação, os astrónomos calcularam que uma estrela não pode acumular mais do que 60 vezes a massa de uma estrela como o Sol.
Porém, sabemos que existem na nossa galáxia estrelas mais massivas do que 60 massas solares. Um caso extremo é Eta Carinae, também designada uma estrela Wolf-Rayet, com perto de 150 vezes a massa do Sol. O puzzle para os astrónomos na investigação atual é entender como é que uma tão grande variedade de corpos, compreendida entre as modestas anãs castanhas, passando por estrelas como o Sol e até às estrelas massivas, pode ser gerada por uma única nuvem de formação estelar como a Nebulosa de Orionte.
Curiosamente, as estrelas mais massivas ocupam sempre a posição central em qualquer nebulosa de formação estelar ou enxame de estrelas, como é o caso da acima mencionada Theta1 C Ori, no trapézio central da Nebulosa de Orionte. Os astrónomos chamam-lhe “diferenciação de massa dos enxames jovens”, e amiúde se tem defendido ser o resultado de objetos mais massivos ocuparem o fundo do poço do potencial gravitacional que habitualmente domina o centro de uma nuvem arredondada.
A observação de grupos compactos de estrelas jovens no centro de enxames levou alguns astrónomos a propor que estrelas como o Sol poderiam colidir e aglutinar-se, reunindo as suas massas individuais até perfazer a das estrelas massivas que observamos.
No entanto, tal mecanismo poderia apenas acontecer se as estrelas estivessem muito mais próximas entre si do que temos observado nos enxames de estrelas da Via Láctea. Só em ambientes mais densos poderão as estrelas colidir a uma frequência significativa antes de o enxame e a sua nuvem parental se dispersarem e dissiparem. Por conseguinte, a aglutinação de estrelas não ocorre por norma, ainda que possa ser um mecanismo que atue em condições extremas menos comuns, como as que acreditamos que existem no centro da nossa e de outras galáxias.
Dos filamentos aos enxames
Até ao início deste século, pensava-se que as nuvens de formação de estrelas teriam, em geral, uma forma esférica, como revelavam as observações com telescópios da geração anterior. Em 2009, como pilar final do programa Horizonte 2000 da Agência Espacial Europeia (ESA), o Observatório Espacial Herschel tornou-se no maior telescópio de infravermelhos alguma vez lançado para o espaço.
As observações através deste telescópio revolucionaram a nossa visão sobre as nuvens de formação estelar e do denso material dentro delas, do qual se formarão estrelas. Veio mostrar-nos que, apesar de estas nuvens, como um todo, parecerem arredondadas, muita da matéria densa no interior está de facto organizada em estruturas filamentares de geometria alongada e cilíndrica, e que são o produto de correntes gravitacionais e turbulentas dentro desse ambiente.
A simples revelação desta geometria teve a capacidade de revolucionar a nossa visão de como as estrelas se formam, e inspirou-me a mim e à minha equipa, no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), para uma ideia que nos permitiria unir todos os grandes problemas ainda por explicar. Antes que pudéssemos trabalhar nos detalhes e deixar a nossa ideia expandir-se, analisámos grandes quantidades de observações feitas com o Herschel de regiões de formação de estrelas na nossa galáxia, para com elas realizarmos testes-chave.
Os resultados que obtivemos apoiaram robustamente as nossas ideias. Descobrimos que todas as estrelas massivas jovens, particularmente as mais monstruosas de entre elas, se encontram de facto nos pontos de confluência, ou nós, onde múltiplos filamentos se encontram, no interior desta recém revelada estrutura filamentar das nuvens de formação estelar.
Descobrimos também que a densidade e massa destes pontos de confluência são mais elevadas, até dez vezes, do que aquelas nas suas imediações, porque o gás e a poeira que fluem ao longo dos filamentos individuais se acumulam nesses nós. Esta descoberta-chave permitiu-nos então cerzir as várias peças de puzzle descritas atrás. Desta forma explicámos porque não há mais núcleos densos e massivos dos quais se poderia formar maior número de estrelas massivas, como a pressão da radiação não consegue parar o influxo de matéria nem deixar famintas potenciais estrelas jovens massivas, porque é que as estrelas como o Sol se formam numa escala de tempo que é dez vezes mais longa do que no caso das estrelas de tipo O, e, finalmente, a diferenciação de massa, isto é, porque é que as estrelas massivas dominam o centro de nebulosas de formação estelar e enxames de estrelas.
Apresentámos um novo paradigma que explica como é que estrelas de uma grande diversidade de massas, de uma a cem massas solares, nascem num ambiente comum como o da Nebulosa de Orionte. As estrelas de pequena massa formam-se devagar durante alguns milhões de anos ao longo dos filamentos individuais da estrutura. Durante este período, à medida que a nuvem evolui e modifica a sua forma global, ou se encontra uma onda de choque de uma explosão de supernova distante e é comprimida, as estruturas filamentares dentro dela irão torcer-se e mover-se (tipicamente a dois ou três quilómetros por segundo) e sobrepor-se umas às outras. Quando se sobrepõem, elas formam nós nos pontos de intersecção.
A radiação pode escapar-se devido à geometria cilíndrica dos filamentos. À medida que escapa, pode gerar ondas de choque dentro da nuvem e iluminá-la, o que atribui a cada nebulosa a sua estrutura e forma.
Núcleos de elevada densidade formam-se dentro destes nós e rapidamente se contraem e constituem sementes estelares massivas em algumas centenas de milhares de anos. Estas sementes de estrelas crescem em massa à medida que se alimentam do material que desce pelo poço gravitacional vindo dos filamentos individuais em direção ao nó. Poder-se-á comparar a uma cascata que se despenha de uma encosta sobre um lago devido à diferença, ou gradiente, no potencial gravitacional. Tais fluxos, chamados fluxos longitudinais, são conhecidos pelos astrónomos há já alguns anos.
O facto de as estrelas massivas poderem apenas crescer nos pontos de confluência dos filamentos explica o seu pequeno número nas estatísticas estelares globais. Além disso, como os filamentos são estruturas frágeis, são facilmente afetados pelo ambiente, nomeadamente por ondas de choque e pela pressão de radiação. Uma vez perturbado, um filamento já não consegue continuar a alimentar uma estrela jovem por tempo suficiente para que ela ganhe mais material e atinja proporções massivas.
Quanto maior o número de filamentos ligados a um mesmo nó, mais massiva e mais rapidamente se formará uma estrela que tenha nascido nesse nó. É natural encontrar esses nós densamente nutridos nos centros das nebulosas, ou seja, no fundo do poço gravitacional. Esta é a razão por que estrelas massivas têm sido encontradas sobretudo reunidas no centro das suas nebulosas, ou do futuro enxame estelar. É também a razão por que elas adquirem rapidamente matéria e pressão suficientes para cedo começarem a produzir energia termonuclear no seu centro, e assim ganharem o nome de “estrela” num tempo mais curto do que as suas irmãs mais modestas.
A poderosa radiação destas estrelas jovens irá simplesmente furar um abertura no nó compacto e escapar livremente através do espaço entre os filamentos. Esta radiação confrontar-se-ia com uma forte barreira se as nebulosas fossem nuvens esféricas, tal como os astrónomos pensaram durante muito tempo. Em vez disso, a radiação pode escapar-se devido à geometria cilíndrica dos filamentos. À medida que escapa, pode gerar ondas de choque dentro da nuvem e iluminá-la, o que atribui a cada nebulosa a sua estrutura e forma.
Este novo paradigma permite aos astrónomos assinalar o que originou as propriedades notáveis de regiões como as maternidades estelares do tipo das nebulosas de Orionte, Trífida e Águia. Eu e os meus colaboradores estamos agora a estudar os detalhes da formação de estrelas muito massivas penetrando bem dentro dos nós. Isto é possível graças ao poderoso radiotelescópio Atacama Large Millimeter Array (ALMA) e à infraestrutura de óptica adaptativa dos grandes telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO). Iremos também observar com o futuro James Webb Space Telescope (JWST), da NASA. Com estes instrumentos, iremos ver as maternidades estelares através de uma ampla gama de comprimentos de onda de luz, desde as ondas rádio, passando pelo infravermelho e até ao óptico.
No instituto IA, estamos a estudar as mais quentes fornalhas galácticas no seu momento de criação, estrelas tão poderosas que irão modelar o futuro da nossa galáxia assim que atingirem o fim das suas vidas breves, tão breves que o Sol estará ainda por aqui, resplandecente, iluminando a Terra.
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- Nanda Kumar é astrofísico e estuda a formação de estrelas usando telescópios de topo a nível mundial nos regimes do infravermelho e do rádio. Depois de finalizar a sua formação de base e obter o doutoramento na Índia e um pós-doutoramento em Madrid, Espanha, em 2002 integrou o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, atualmente Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), onde é investigador principal FCT. Foi galardoado com a prestigiante Bolsa Individual Marie-Curie da Comissão Europeia para conduzir a sua investigação e atividades académicas na Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, no período 2015-2017.
Revisão de texto, edição e tradução do original inglês por Sérgio Pereira.