O espectrógrafo MOONS, já a caminho do Observatório do Paranal, no Chile, vai tirar partido de ferramentas recém-criadas por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
O espectrógrafo MOONS (Multi-Object Optical and Near-infrared Spectrograph) iniciou a sua viagem para o Observatório do Paranal (ESO), no Chile, marcando a reta final antes da integração na Unidade 1 do Very Large Telescope (VLT/UT1). O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA1), que tem uma participação de primeira linha neste instrumento desde a sua conceção, apresenta agora resultados científicos e metodológicos que irão tirar partido das capacidades únicas do MOONS.

O instrumento partiu recentemente do Reino Unido e está em viagem até ao Chile, com chegada prevista para janeiro de 2026. Tem a primeira luz estimada para o verão do próximo ano. Desenvolvido por um consórcio internacional, o MOONS vai ser capaz de recolher espectros de cerca de 1000 objetos em simultâneo, com cobertura contínua do óptico ao infravermelho próximo, em média e alta resolução.
José Afonso (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), co‑Investigador Principal do projeto, comenta: “Com a capacidade única do MOONS, aliada ao poder do VLT, começaremos em breve a explorar o meio milhão de galáxias que escolhemos, para perceber como o Universo evoluiu até à forma que observamos hoje. Vai ser revolucionário!”.
O IA integra o consórcio desde 2010 e assumiu responsabilidades críticas no Rotating Front End e no corretor de campo do MOONS. Manuel Abreu e Alexandre Cabral, investigadores do grupo de investigação em Instrumentação e Sistemas para Astronomia do IA e da CIÊNCIAS Ulisboa, são os responsáveis pela construção destes dois elementos.
Alexandre Cabral explica que: ”o Front-End rotativo é uma estrutura de interface com o telescópio, que integra diversos componentes e subsistemas essenciais ao funcionamento do espectrógrafo. Esta componente desempenha um papel central no sucesso do instrumento, uma vez que é responsável por preparar a luz proveniente dos astros antes da sua injeção no MOONS”.
“Este é um marco para o projeto e para a compreensão da história da evolução das galáxias e, portanto, do Universo. Após 15 anos de desenvolvimento científico e tecnológico, muito dele feito em Portugal, estamos finalmente com o MOONS a caminho de um dos melhores telescópios do mundo!.”
José Afonso
A participação neste projeto reforça a liderança nacional no desenvolvimento de instrumentação de vanguarda e constitui mais um exemplo do trabalho levado a cabo pelo IA, que abrange o desenvolvimento tanto de hardware como de software, nas áreas da óptica, mecânica, eletrónica de controlo e programação.
Para aproveitar ao máximo o potencial do MOONS, duas equipas do IA, dos polos da Universidade do Porto e da Universidade de Lisboa, criaram ainda duas ferramentas que aceleram a seleção e “limpam o nevoeiro” dos alvos:
Inteligência artificial para identificar milhares de galáxias emissoras Lyman‑α:
Um trabalho2 liderado por uma equipa do IA3 demonstrou que, recorrendo a avançados algoritmos, treinados com fotometria de banda larga, conseguem distinguir de forma eficiente galáxias emissoras de Lyman‑α (LAEs4) de galáxias típicas.

Até agora, estas galáxias eram encontradas com filtros especiais, mas esses métodos são limitados porque só funcionam em intervalos estreitos de distância e exigem muito tempo de observação. Com este novo método de aprendizagem automática (machine learning), foi possível identificar mais de 7000 novas candidatas a LAEs, com alta confiança, no campo do levantamento COSMOS, usando apenas fotometria de banda larga (imagens comuns em várias cores) e sem depender de filtros especiais – mais do que duplicando o número de LAEs conhecido neste campo.
O investigador do IA e aluno de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Afonso Vale, comenta: “Com recurso a algoritmos de inteligência artificial treinados com fotometria de banda larga, conseguimos identificar milhares de novas candidatas a galáxias emissoras Lyman-α. Esta pré-seleção torna a espectroscopia muito mais eficiente e é exatamente o tipo de abordagem que vai maximizar o retorno científico do MOONS desde o primeiro dia”.
Segundo a coautora do estudo, Ana Paulino-Afonso (IA & UPorto), a relevância do trabalho vai além do caso específico das galáxias Lyman-α: “À medida que entramos na era dos grandes levantamentos, o desafio deixa de ser a falta de dados e passa a ser a sua utilização inteligente. Abordagens deste tipo são essenciais para assegurar que instrumentos como o MOONS atingem o seu verdadeiro potencial científico”.
Classificação de galáxias a distâncias intermédias:
Outra equipa5 com forte participação do IA fez uma nova análise6 ao diagrama OB‑I, um diagrama simples que usa apenas duas linhas de emissão no ótico para distinguir núcleos ativos de galáxias (AGN7) daquelas onde a formação estelar é a principal fonte de emissão.
O estudo mostra que, além deste diagrama funcionar bem no Universo local, mantém um bom desempenho no intervalo de distâncias onde o MOONS terá maior impacto, oferecendo uma classificação robusta e resistente aos efeitos da expansão do Universo, que afeta outros métodos. A distâncias maiores, o diagrama identifica cerca de metade dos AGNs identificados por outros métodos, mostrando-se promissor como ferramenta complementar quando não estão disponíveis outros dados.
Ciro Pappalardo (IA & CIÊNCIAS ULisboa), comenta: “Este trabalho foi desenvolvido como parte da dissertação de mestrado na CIÊNCIAS ULisboa do Duarte Santos, orientada por mim e com a colaboração do resto da equipa. Nós desenvolvemos um método complementar de classificar galáxias de acordo com as suas linhas de emissão no ótico, uma ferramenta que será muito útil em atuais e futuros grandes levantamentos extragalácticos”.
Estes dois trabalhos prometem ampliar muito a amostragem para grandes levantamentos e acelerar a descoberta e a classificação de galáxias distantes, o que poupa tempo de observação. Isto abre caminho para aproveitar ao máximo os grandes levantamentos, atuais e futuros, ajudando a mapear melhor o Universo jovem sem depender exclusivamente de observações longas.
A comunidade do MOONS prepara agora o MOONRISE, um levantamento com mais de meio milhão de galáxias a serem identificadas e caracterizadas espectroscopicamente. O IA participa no desenho científico e estratégia observacional, mantendo-se assim na linha da frente do estudo da evolução galáctica e do ambiente no “Meio-Dia Cósmico” (Cosmic Noon), o período mais ativo do Universo.

A chegada do MOONS ao Paranal no próximo mês será o culminar de mais de uma década de desenvolvimento e antecede as primeiras observações, no verão de 2026. As metodologias já publicadas pelo IA – classificação OB‑I e seleção inteligente de LAEs – irão maximizar o retorno científico do instrumento desde o primeiro dia e articulam-se com dados de grandes levantamentos (como por exemplo, Euclid e LSST), criando cadeias de seleção e confirmação que tornarão mais céleres as descobertas sobre formação de galáxias, AGN e processos físicos no Universo jovem.
Notas
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UID/04434/2025
- O artigo “A gradient boosting and broadband approach to finding Lyman-α emitting galaxies beyond narrowband surveys”, foi publicado na revista Astronomy&Astrophysics, Vol. 701, A223, (DOI: 10.1051/0004-6361/202555170).
- A equipa deste artigo é: A. Vale, A. Paulino-Afonso, A. Humphrey, P. A. C. Cunha, B. Ribeiro, B. Cerqueira,R. Carvajal e J. Fonseca.
- As galáxias emissoras de Lyman-α (alfa), ou LAE’s, são galáxias cujo espectro apresenta uma linha de emissão particularmente intensa do hidrogénio, conhecida como Lyman-α, originalmente emitida na região do ultravioleta. Em galáxias a grandes distâncias, a expansão do Universo desloca esta radiação para comprimentos de onda maiores, permitindo que seja observada no visível ou no infravermelho próximo, um efeito designado por desvio para o vermelho. Esta emissão está associada a regiões de formação estelar ativa, onde a radiação produzida por estrelas jovens e massivas ioniza o hidrogénio circundante. Quando esse hidrogénio recombina, emite fortemente na linha Lyman-α, que se destaca no espectro destas galáxias e funciona como uma assinatura observacional da sua natureza jovem e intensamente formadora de estrelas.
- A equipa da artigo seguinte é: Duarte Muñoz Santos, Cirino Pappalardo, Henrique Miranda, José Afonso, Israel Matute, Rodrigo Carvajal, Catarina Lobo, Patricio Lagos, Polychronis Papaderos, Ana Paulino-Afonso, Abhishek Chougule, Davi Barbosa e Bruno Lourenço.
- O artigo “Through the fog: A complementary optical galaxy classification scheme for intermediate redshifts“, foi publicado na revista Astronomy&Astrophysics, Vol. 701, A271, (DOI: 10.1051/0004-6361/202554528).
- Um Núcleo Ativo de Galáxia (Active Galactic Nucleus – AGN) deve a sua emissão ao disco de acreção de material a cair para o buraco negro supermassivo no centro da galáxia. Conforme acelera, ao ser atraído pela gravidade do buraco negro, este material aquece, emitindo enormes quantidade de energia ao longo do todo o espectro eletromagnético. Além do disco, alguns AGNs têm ainda jatos bipolares, sendo as interações entre fotões de baixa energia e partículas relativísticas nestes jatos responsáveis por emitir fotões de alta energia, tais como raios gama.
Contactos
Alexandre Cabral; José Afonso; Ciro Pappalardo; Ana Afonso; Afonso Vale
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Filipe Pires (coordenação)

