Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço desbrava caminho na área da Exoclimatologia

Imagem artística do ponto quente (hotspot) no exoplaneta WASP-76 b. (Crédito: Tania Cunha (Planetário do Porto - Centro Ciência Viva)/Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço)

Três artigos sobre o “júpiter quente” WASP-76 b, liderados por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, serão a base para compreender o clima global de um exoplaneta gigante.

Nos últimos anos, o exoplaneta WASP-76 b foi exaustivamente estudado por investigadores do  Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA1), que encontraram bário2 e um possível efeito glória3 na sua atmosfera. Num artigo4 publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics, uma equipa internacional5, liderada pela investigadora do IA Ana Rita Costa Silva, descobriu mais provas de ventos de ferro na região de um ponto quente (“hot spot”) deste júpiter quente – uma parte da atmosfera altamente irradiada pela estrela, que acumula imenso calor.

Representação esquemática do movimento dos ventos de ferro no ponto quente no exoplaneta WASP-76 b, que sopram das camadas inferiores para as superiores da atmosfera. (Crédito: Tania Cunha (Planetário do Porto – Centro Ciência Viva)/Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço)

Costa Silva, aluna de doutoramento no Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da UPorto e da Universidade de Genebra (Unige), comenta: “Nós estudámos o lado de dia do WASP-76 b, que tem uma temperatura de 2400 graus Celsius, com o espectrógrafo ESPRESSO6, montado no telescópio VLT do Observatório Europeu do Sul (ESO), e detetamos emissão de luz proveniente de átomos de ferro no lado diurno deste exoplaneta. Isto diz-nos que há ‘ventos de ferro’ nesta zona da atmosfera, com um movimento ascendente, das camadas mais interiores para as mais exteriores, provavelmente devidos à existência do hot spot”.

Para conseguir registar diretamente a luz proveniente do planeta foi essencial o uso de um telescópio de grandes dimensões como o VLT, pois na banda do ótico a luz da estrela domina os dados. Olivier Demangeon (IA & DFA-FCUP), coautor do artigo, realça que: “O ESPRESSO foi fundamental para estes estudos. Graças à sua precisão e estabilidade, conseguimos criar um modelo da emissão da luz da estrela, com exatidão suficiente para revelar o sinal do planeta escondido”

Estas descobertas ajudam-nos a compreender a estrutura da atmosfera, tais como saber como é que a temperatura varia com a altitude, ou que substâncias químicas existem – e onde – na atmosfera deste exoplaneta
Ana Rita Costa Silva

Ana Rita Costa Silva sublinha que: “se as incertezas nos dados fossem demasiado elevadas, provavelmente não conseguiríamos fazer esta afirmação”. Esta é apenas a segunda vez que se obtiveram espectros de alta resolução do lado diurno do WASP-76 b, e a primeira vez na banda do ótico.

Este trabalho foi inspirado por um resultado publicado em 2020 na revista Nature7, onde uma equipa internacional, com vários investigadores do IA, analisaram dados do ESPRESSO de outra região da atmosfera do WASP-76 b e sugeriram a existência de chuva de ferro.

Representação artística da chuva de ferro no exoplaneta WASP-76 b. Crédito: ESO/M. Kornmesser
Representação artística do efeito glória no exoplaneta WASP-76b. (Crédito: ESA, criado pelo ATG sob contato da ESA. CC BY-SA 3.0 IGO)

Em outubro de 2022, outro estudo liderado pelo investigador do IA Tomás Azevedo Silva, encontrou bário na alta atmosfera do WASP-76 b, um elemento 2,5 vezes mais pesado que o ferro. “Dada a elevada gravidade dos planetas, esperaríamos que elementos pesados como o bário caíssem rapidamente nas camadas mais inferiores da atmosfera”, explica Olivier Demangeon (IA & DFA-FCUP), co-autor do artigo. E no passado mês de abril, Demangeon liderou uma equipa, que usou a missão espacial Cheops, da Agência Espacial Europeia (ESA), para observar um potencial indício de um “efeito glória” no WASP-76 b.

“Outras investigações detetaram ferro e ventos associados noutras partes do planeta, assim como outras substâncias químicas e mais informação acerca da dinâmica da atmosfera”, acrescenta Costa Silva. Ela está surpreendida por: “podermos montar o puzzle da composição atmosférica e dos padrões de um mundo a 634 anos-luz de nós! Estamos a descobrir o seu clima e a fornecer informações para a criação de modelos 3D da atmosfera deste exoplaneta”.

A estratégia do IA na área da deteção e caracterização de exoplanetas, atualmente em plena implementação com os espectrógrafos ESPRESSO E NIRPS e com a missão espacial Cheops (ESA), irá continuar no futuro próximo, com a próxima geração de instrumentos e missões espaciais com forte envolvimento do IA. Isto inclui as missões espaciais da ESA PLATO e ARIEL, com lançamentos previstos para 2026 e 2029, respetivamente, e com o espectrógrafo ANDES8 previsto entrar em funcionamento no início da década de 2030, quando for instalado no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).

Todos estes estudos estão a preparar a equipa do IA para os próximos grandes passos, onde instrumentos como o ANDES terão um papel fundamental. É expectável que o ANDES lhes permita a deteção de substâncias químicas nas atmosferas de planetas semelhantes à Terra, o que abre a porta à deteção de biomarcadores. “A nossa forte contribuição para o projeto ANDES, no qual a equipa do IA é responsável tanto pelos desenvolvimentos científicos como tecnológicos, irá garantir que estaremos na linha da frente de novas descobertas nesta área”, acrescenta Nuno Cardoso Santos (IA & DFA-FCUP) líder da equipa A detecção e caracterização de outras Terras e coautor do artigo.


Notas

  1. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  2. O artigo“Detection of Barium in the atmospheres of ultra-hot gas giants WASP-76b & WASP-121b, And new detections of Co and Sr+ on WASP-121b”, foi publicado na revista journal Astronomy & Astrophysics, Vol.666, L10 (DOI: 10.1051/0004-6361/202244489).
  3. O artigo “Asymmetry in the upper atmosphere of the ultra-hot Jupiter WASP-76 b”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics, Vol.684, A27 (DOI: 10.1051/0004-6361/202348270).
  4. O artigo“ESPRESSO reveals blueshifted neutral iron emission lines on the dayside of WASP-76 b”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics, Vol.689 (DOI: 10.1051/0004-6361/202449935).
  5. A equipa é: A. R. Costa Silva, O. D. S. Demangeon, N. C. Santos, D. Ehrenreich, C. Lovis, H. Chakraborty, M. Lendl, F. Pepe, S. Cristiani, R. Rebolo, M. R. Zapatero-Osorio, V. Adibekyan, Y. Alibert, R. Allart, C. Allende Prieto, T. Azevedo Silva, F. Borsa, V. Bourrier, E. Cristo, P. Di Marcantonio, E. Esparza-Borges, P. Figueira, J. I. González Hernández, E. Herrero-Cisneros, G. Lo Curto, C. J. A. P. Martins, A. Mehner, N. J. Nunes, E. Palle, S. Pelletier, J. V. Seidel, A. M. Silva, S. G. Sousa, A. Sozzetti, M. Steiner, A. Suárez Mascareño e S. Udry
  6. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
  7. O artigo “Nightside condensation of iron in an ultra-hot giant exoplanet”, foi publicado na revista Nature, 580, p.597–601 (DOI: 10.1038/s41586-020-2107-1)
  8. O ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph, ou espectrógrafo de Echelle de alta dispersão do Armazones) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT (em Cerro Armazones, deserto do Atacama, Chile). Irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho, o que Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.

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