Detetado sistema planetário tipo Tatooine

Representação artística de um exoplaneta a orbitar um binário de estrelas. (Crédito: NASA/JPL-Caltech/T. Pyle)

12 de junho de 2023 – Recorrendo a dados obtidos com os espectrógrafos ESPRESSO1 e HARPS2, uma equipa internacional3, que inclui o astrofísico João Faria, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA4), detetou o segundo exoplaneta a orbitar o binário de estrelas BEBOP-1 (ou TOI-1338). O resultado foi publicado hoje na revista Nature Astronomy5.

Esquema do sistema TOI-1338/BEBOP-1, com indicação das órbitas dos planetas BEBOP-1b e BEBOP-1c. (Crédito: Standing et al. (2023)/Ricardo Cardoso Reis (IA))

O primeiro planeta à volta deste binário, denominado TOI 1338 b ou BEBOP-1b, foi detetado em 2020, com dados de trânsitos6, obtidos pelo observatório espacial TESS (NASA). Este exoplaneta, quase com o diâmetro de Saturno, orbita as duas estrelas em 95 dias.

Como os trânsitos planetários só conseguem medir o diâmetro do planeta, o projeto BEBOP (acrónimo de Binaries Escorted By Orbiting Planets, ou Binários Acompanhados por Exoplanetas) procura detetar planetas circumbinários, através da observação de variações nas velocidades radiais7 das estrelas.

“Este resultado demonstra como o método das velocidades radiais pode ser usado para encontrar exoplanetas que orbitam estrelas binárias, permitindo determinar não só a órbita mas também a massa do planeta”, comenta João Faria (IA e Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto). Sabendo a massa, em conjunto com o diâmetro determinado por trânsitos, permite calcular a densidade e inferir a composição do planeta.

O projeto BEBOP usou o ESPRESSO e o HARPS, ambos instalados em telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO), para tentar observar o BEBOP-1b. Apesar dos seus esforços, a equipa não conseguiu detetar o planeta, no entanto, este aparente fracasso permitiu-lhes estabelecer um limite máximo para a massa deste planeta, a rondar as 22 massas da Terra.

“A detecção do BEBOP-1c em torno de um sistema binário de estrelas permite-nos estudar as condições em que estes planetas se formam, que são diferentes das que existiram durante a formação do Sistema Solar. A análise de dados trouxe vários desafios devido ao efeito dominante que o sistema binário tem nas velocidades radiais, e que foi preciso modelar antes de encontrar o sinal do planeta”.
João Faria

Mas a procura pelo exoplaneta conhecido levou a equipa a descobrir o BEBOP-1c, um planeta com uma massa cerca de 4 vezes maior do que a de Neptuno e com um período orbital de 215 dias. Com dois planetas detetados, este passa a ser apenas o segundo sistema planetário conhecido à volta de um binário de estrelas – um sistema semelhante ao do planeta Tatooine, da “Guerra das Estrelas”.

Alexandre Correia, co-autor do artigo,  (CFisUC e FCTUC8) comenta: “Na Universidade de Coimbra estudámos a dinâmica global do sistema. Foi possível demonstrar que o sistema é estável quando as órbitas dos planetas são quase circulares e se encontram aproximadamente no mesmo plano orbital das duas estrelas”, conta .

O primeiro autor do artigo, Matthew Standing, atualmente a trabalhar na The Open University, mas que começou este trabalho na Universidade de Birmingham, comenta: “Este foi um sistema difícil de confirmar e as nossas observações foram interrompidas pela pandemia do COVID, quando os telescópios no Chile encerraram durante 6 meses, durante uma parte crítica da órbita deste planeta. Esta parte da órbita só voltou a ficar observável no ano passado, altura em que finalmente pudemos finalizar a deteção”.

Os planetas formam-se a partir de acreção dos materiais do disco protoplanetário, que envolve as estrelas recém-nascidas. No caso dos sistemas circumbinários, o disco orbita ambas as estrelas, ao mesmo tempo que as estrelas se orbitam mutuamente. A gravidade e o movimento do binário criam uma zona de instabilidade mais próxima das estrelas, e por isso os planetas só se formam mais afastados.


 


Notas

  1. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida e testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h.
  2. O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
  3. A equipa é constituída por: Matthew R. Standing , Lalitha Sairam , David V. Martin , Amaury H. M. J. Triaud , Alexandre C. M. Correia, Gavin A. L. Coleman, Thomas A. Baycroft, Vedad Kunovac, Isabelle Boisse, Andrew Collier Cameron, Georgina Dransfield, João P. Faria, Michaël Gillon, Nathan C. Hara, Coel Hellier, Jonathan Howard, Ellie Lane, Rosemary Mardling, Pierre F. L. Maxted, Nicola J. Miller, Richard P. Nelson, Jerome A. Orosz, Franscesco Pepe, Alexandre Santerne, Daniel Sebastian, Stéphane Udry, William F. Welsh
  4. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  5. O artigo “The First Circumbinary Planet Discovered with Radial Velocities”, foi hoje publicado na revista Nature Astronomy (DOI: 10.1038/s41550-023-01948-4).
  6. O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
  7. O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
  8. A Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) enquadra mais de duas dezenas de unidades de investigação, avaliadas por painéis internacionais desempenhando, por conseguinte, um papel ativo na criação de conhecimento, fundamental e aplicado. A enorme quantidade de projetos de investigação internacionais em que os seus investigadores estão envolvidos é uma clara manifestação do reconhecimento da qualidade da investigação aqui produzida.

Contactos
João Faria (IA), Alexandre Correia (FCTUC)

Grupo de Comunicação de Ciência do IA
 Ricardo Cardoso ReisSérgio Pereira; João Retrê (coordenação, Lisboa); Filipe Pires (coordenação, Porto)

Gabinete de Imprensa da FCTUC
Sara Machado