Atmosfera de Vénus a três dimensões prepara futuras observações de exoplanetas rochosos

Exo-Terra e Exo-Vénus

Conceção artística de um exoplaneta semelhante a Vénus (à esquerda), e de uma exoplaneta semelhante à Terra (à direita), sobrepostos.
Créditos: NASA/JPL-Caltech/Ames

A atmosfera de Vénus poderá ser utilizada como laboratório natural para compreender a evolução de planetas parecidos com a Terra, segundo um estudo liderado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA)

Vénus e a Terra encontram-se quase na mesma região do Sistema Solar e têm tamanhos e densidades semelhantes, mas as suas atmosferas e condições à superfície são radicalmente diferentes. Se fossem observados à distância de 100 anos-luz, como os poderíamos distinguir? 

Uma equipa de investigadores escolheu um planeta a 106 anos-luz, com 1,37 vezes o diâmetro da Terra, descoberto em 2022, para apresentar a primeira simulação a três dimensões do clima de um planeta de tipo rochoso com as características que atualmente conhecemos em Vénus. O planeta, de nome LP 890-9 c, orbita a sua estrela a uma distância que o coloca na zona de habitabilidade1, mas muito próximo do limite de efeito de estufa descontrolado2 que presenciamos em Vénus. Os resultados da simulação deste hipotético exo-Vénus foram apresentados por uma equipa internacional liderada por Diogo Quirino, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), e por Gabriella Gilli, colaboradora do IA e investigadora do Instituto de Astrofísica de Andaluzia (IAA–CSIC), num artigo3 da revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

“Pensa-se que o limite interior da zona de habitabilidade seja difuso, o que significa que uma atmosfera do tipo de Vénus é possível na zona de habitabilidade e que esta zona não é de todo uma garantia de haver oceanos e vida.”
Diogo Quirino

O potencial deste planeta para ser semelhante a Vénus torna-o um alvo ideal para estudos que procuram compreender a evolução da atmosfera em planetas do tipo terrestre e explicar a divergência climática que hoje observamos entre a Terra e Vénus. Esta simulação, que utilizou um modelo físico-matemático da circulação global da atmosfera inicialmente desenvolvido pelo Laboratório de Meteorologia Dinâmica (Laboratoire de Météorologie Dynamique – LMD), em França, ajudará a preparar observações deste e de outros planetas rochosos com os instrumentos do atual Telescópio Espacial James Webb (JWST), ou do futuro Extremely Large Telescope (ELT), do Observatório Europeu do Sul (ESO), entre outros.

Conceção artística de um exoplaneta semelhante a Vénus
Conceção artística de um exoplaneta semelhante a Vénus, em órbita da sua estrela.
Créditos: Dana Berry / Skyworks Digital / CfA

“Este modelo 3D pretende constituir-se como suporte para a interpretação de futuras observações por estes instrumentos, o que nos permitirá caracterizar melhor o que estamos a ver na atmosfera deste tipo de exoplanetas assim que as observações estejam disponíveis”, diz Diogo Quirino, que começou este trabalho ainda durante o mestrado em Ciências Geofísicas, com especialização em Meteorologia e Oceanografia, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). “As simulações aqui apresentadas, aplicadas a este exoplaneta, constituem-se como o primeiro passo na direcção dessa caracterização, a qual passa pela previsão da temperatura e da circulação atmosférica e o modo como estas influenciam as observações.”

LP 890-9 c orbita no limite interior da Zona Habitável de uma anã vermelha, uma estrela mais pequena e mais fria do que o Sol. No entanto, numa fase mais jovem da estrela, este planeta pode ter recebido um nível de radiação com implicações para a evolução de uma possível atmosfera. “Pensa-se que o limite interior da zona de habitabilidade seja difuso”, diz Diogo Quirino, “o que significa que uma atmosfera do tipo de Vénus é possível na zona de habitabilidade e que esta zona não é de todo uma garantia de haver oceanos e vida.” Gabriella Gilli acrescenta: “A ideia deste trabalho é estarmos preparados para quando detetarmos um planeta análogo a Vénus sermos capazes de o reconhecer como tal.”

Porquê o exoplaneta LP 890-9 c ?

 

Imagem de Vénus na banda dos ultravioletas do espectro eletromagnético
Imagem de Vénus na banda dos ultravioletas do espectro eletromagnético, obtida com a sonda Akatsuki da Agência Espacial Japonesa (JAXA). A radiação nos ultravioletas revela o aspeto de Vénus no topo da camada de nuvens do planeta.

Créditos: PLANET-C Project Team

Com base na hipótese de que o clima de LP 890-9 c evoluiu para uma atmosfera moderna do tipo de Vénus, os autores simularam-na com uma pressão à superfície 92 vezes superior à da Terra, composição química dominada em 96,5% por dióxido de carbono e um coberto global de nuvens de ácido sulfúrico. Estudos anteriores indicam que, de facto, a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera é um dos cenários prováveis de evolução em planetas do tipo terrestre que orbitam estrelas anãs vermelhas. A equipa oferece assim previsões para a temperatura e a intensidade dos ventos no topo das nuvens, assim como o número de observações que serão necessárias para que se possa fazer a caracterização atmosférica deste planeta.

“Uma das potencialidades dos modelos 3D é a sua capacidade para calcular a radiação que é emitida pelo planeta em determinadas regiões do espectro electromagnético”, diz Diogo Quirino. O investigador calculou como a radiação infravermelha emitida pelo planeta poderá variar ao longo da sua órbita, o que pode produzir padrões que estejam associados à presença de uma atmosfera. “Este observável permite-nos prever como a radiação proveniente do planeta varia no tempo para um observador terrestre, o que permite inferir como é feita a distribuição de energia na atmosfera do planeta”.

Representação esquemática da órbita do exoplaneta LP 890-9 c e da emissão de radiação emitida pelo planeta
Representação esquemática da órbita do exoplaneta LP 890-9 c e da radiação emitida pelo planeta numa determinada banda do espectro. Esta informação obtida com o modelo atmosférico a três dimensões é utilizada para calcular a variação da radiação recebida por um observador na Terra ao longo da órbita deste planeta. O planeta e a estrela não se encontram à escala.
Crédito: Diogo Quirino / ESO (estrela ao centro)

Próximos passos

 

Não se sabe ainda se existem exo-Vénus, mas os modelos e as simulações tridimensionais, informadas pelo conhecimento que temos sobre o Sistema Solar, são essenciais para que os cientistas possam ter ferramentas úteis e operacionais no momento da descoberta de planetas extra-solares. Diogo Quirino está já a analisar o exoplaneta TRAPPIST-1 c, a 39 anos-luz, um estudo de caso para um possível exo-Vénus, explica o investigador. “Vamos também criar uma matriz de exoplanetas do tipo de Vénus, em que variamos as suas características como o raio, a gravidade, a pressão atmosférica à superfície ou a inclinação do eixo de rotação, para estudar o impacto destas características na atmosfera e no clima.”


Notas

  1. A Zona Habitável ou “zona de habitabilidade” é uma  região em torno da estrela em que as temperaturas são suficientemente amenas para que possa existir água no estado líquido à superfície de um planeta ; 
  2. O limite de efeito de estufa descontrolado, para um planeta do tipo da Terra, é a distância orbital estabelecida por modelos atmosféricos simples à qual a radiação estelar recebida pelo planeta conduz à evaporação e consequente perda da água à superfície, o que produzirá um clima mais semelhante ao de Vénus.
  3. O artigo “3D Global climate model of an exo-Venus: a modern Venus-like atmosphere for the nearby super-Earth LP 890-9 c”, de D. Quirino, G. Gilli, et al., foi hoje publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume NN (DOI: 10.1093/mnrasl/slad045).

Contactos
Sérgio Pereira; Ricardo Cardoso Reis; Filipe Pires (coordenação, Porto); João Retrê (coordenação, Lisboa)