Caçador de planetas com ADN português revela as primeiras imagens

Foto do instrumento NIRPS e do seu sistema de ótica adaptativa. A componente “dourada”, quase ao centro, é o ADC, cujo desenho, construção e teste foi feito pelo IA. (Crédito: N. Blind (Observatoire de Genève)/consórcio NIRPS/ESO)

O espectrógrafo NIRPS, cujo desenvolvimento e construção contou com a participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, vai observar na banda do infravermelho, complementando assim espectrógrafos como o HARPS, no Observatório de La Silla e o ESPRESSO, no Observatório do Paranal.

27 de junho de 2022 –  Há um novo “caçador de planetas” na Terra. Chama-se NIRPS, a sigla inglesa para Near-Infrared high resolution spectrograph (ou espectrógrafo no infravermelho próximo de alta resolução) e começou agora a trabalhar no Telescópio ESO de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile. A participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA1) neste instrumento inovador, que explora a zona do infravermelho, vem na sequência da participação do IA em diversos instrumentos para o Observatório Europeu do Sul (ESO).

Captura de ecrã da chegada dos primeiros dados em bruto do NIRPS. (Crédito: Consórcio NIRPS)


Alexandre Cabral (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), o investigador responsável pela equipa de Instrumentação e Sistemas para Astronomia do IA, esclarece: “Neste instrumento, o IA foi responsável pelo desenho, construção e teste do ADC (Atmospheric Dispersion Corrector, ou corretor de dispersão atmosférica), um sistema óptico que corrige a dispersão causada pela atmosfera, e que é fundamental para conseguir obter os melhores resultados com o NIRPS.”

O NIRPS e o seu sistema de ótica adaptativa estão instalados por baixo do espelho principal do Telescópio ESO de 3,6 metros, visíveis na parte de baixo da foto. (Crédito: Credit: F. Bouchy (Observatoire de Genève) / consórcio NIRPS/ESO)

Uma das novidades deste instrumento é o poderoso sistema de ótica adaptativa, uma técnica que anula os efeitos da turbulência da nossa atmosfera. Assim, à superfície da Terra, este sistema simula condições semelhantes às do espaço, o que aumenta bastante a precisão do instrumento.

Nuno Cardoso Santos (IA &  Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto) , o investigador principal da equipa de Sistemas Planetários do IA, esclarece: “O NIRPS vai permitir obter espectros de grande precisão em comprimentos de onda de infravermelho, que complementam os dados que hoje estamos a recolher na banda do visível, com espectrógrafos como o HARPS2, em La Silla, ou o ESPRESSO3, no VLT.”

Agora que entrou em funcionamento, vai começar o trabalho científico com o NIRPS, que contará com uma relevante participação do IA. O foco deste espectrógrafo será o estudo de exoplanetas rochosos, o tipo de planetas que se julga serem a chave para decifrar a formação e evolução planetária, além de serem considerados os melhores candidatos para o aparecimento de vida.

Segundo Elisa Delgado-Mena (IA & Universidade do Porto): “Vamos usar este instrumento para descobrir novos planetas à volta de anãs vermelhas, que por serem estrelas menos quentes, são mais fáceis de estudar no infravermelho. O NIRPS também será usado para confirmar e caracterizar candidatos a planetas observados pela missão espacial TESS (NASA), além de estudar em detalhe a estrutura e composição desses planetas.”

As observações do NIRPS, em combinação com as de espectrógrafos na banda do visível, como o ESPRESSO, poderão fornecer ainda importantes pistas sobre a composição dos exoplanetas, e até permitir procurar por sinais de vida nas atmosferas destes.

Apesar da principal motivação para a construção deste instrumento ter sido a observação de exoplanetas, o NIRPS será ainda usado noutras áreas, em particular no estudo de estrelas. “O NIRPS abre-nos assim caminho para explorar uma nova região espectral, com impacto muito relevante no estudo de exoplanetas e da astrofísica estelar. Nesse sentido, o NIRPS é uma etapa muito importante para a nossa preparação científica em novos projetos, incluindo o ANDES4, no ELT. “, complementa Nuno Santos.


Notas

  1. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  2. O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
  3. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
  4. Anteriormente conhecido como HIRES, o ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph, ou espectrógrafo de Echelle de alta dispersão do Armazones), é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT, que irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho. Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.

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