Ao estudar dois exoplanetas num sistema planetário próximo, o satélite CHEOPS, da ESA, “apanhou” o terceiro exoplaneta a transitar de surpresa a estrela Nu2 Lupi. A análise deste trânsito, que incluiu vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), revelou detalhes que tornam este exoplaneta único.
Um estudo internacional, que conta com a colaboração de vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA1), usou o satélite Cheops, da Agência Espacial Europeia (ESA), para observar a estrela Nu2 Lupi e os seus dois planetas mais interiores, que se sabia transitarem2 a estrela. O que a equipa3 não esperava era ver o terceiro planeta, um planeta aquático com uma órbita de mais de 100 dias, aparecer de surpresa nos dados do Cheops, também a transitar a estrela.
Laetitia Delrez (U. Liège) a primeira autora do artigo4 hoje publicado na revista Nature Astronomy, comenta: “Tínhamos como objetivo prosseguir os estudos da estrela Nu2 Lupi e observar os exoplanetas “b” e “c” passar em frente à estrela, mas durante um trânsito do planeta “c” reparámos em algo fantástico: um trânsito inesperado do planeta “d”, que orbita mais longe da estrela”.
A uma distância de 48 anos-luz da Terra, a estrela pertence à constelação do Lobo (Lupi) e é brilhante o suficiente para ser visível a olho nu. Os seus três planetas conhecidos (designados Nu2 Lupi b, Nu2 Lupi c e Nu2 Lupi d) foram detetados em 2019 pelo espectrógrafo HARPS, instalado no telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), pelo método das velocidades radiais5.
Observações subsequentes recorrendo ao satélite TESS, da NASA, mostraram que os dois planetas mais interiores, com órbitas de 11,6 e 27,6 dias respetivamente, transitavam a sua estrela, mas desconhecia-se que o planeta “d”, com uma órbita de cerca de 107 dias, também passava em frente à sua estrela. Se orbitasse o Sol, o Nu2 Lupi d ficaria situado entre as órbitas de Mercúrio e Vénus.
Susana Barros (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da UPorto) sublinha a importância de estudar exoplanetas simultaneamente através dos métodos dos trânsitos e das velocidades radiais, que em conjunto permitem: “medir o seu diâmetro e inclinação da órbita e daí calcular a massa. Sabendo a massa e o diâmetro do planeta, podemos estabelecer limites à sua composição, isto é, a quantidade de rocha, gelo e gases que o compõem.”
“Sendo uma das três estrelas mais brilhantes que se conhece com exoplanetas com essas características, a Nu2 Lupi é um exemplo perfeito de um alvo preferencial. Não seria de admirar que num futuro próximo surgissem muitas descobertas inovadoras relacionadas com as atmosferas desses planetas.”
Olivier Demangeon (IA & DFA-FCUP)
Um dos maiores desafios da astronomia moderna é estudar atmosferas de exoplanetas pequenos, com tamanhos entre a Terra e Neptuno, mas a maioria dos exoplanetas de longo período descobertos até agora transitam estrelas pouco brilhantes, o que torna quase impossível a observação das suas atmosferas. Assim, um dos grandes objetivos do Cheops é descobrir alvos preferenciais para esses estudos.
Sérgio Sousa (IA & UPorto), um dos representantes portugueses no concelho do consórcio do CHEOPS, sublinha que, apesar de ser uma pequena missão da ESA, o Cheops continua a demonstrar a sua enorme capacidade, ao apanhar este trânsito improvável de um planeta de longo período no sistema Nu2 Lupi: “Esta elevada precisão fotométrica só é possível porque estamos a fazer observações fora da nossa atmosfera, ao mesmo tempo que tentamos perceber e corrigir erros sistemáticos nos instrumentos, característicos das observações do Cheops.”
Em conjunto com os dados já conhecidos, a elevada precisão do Cheops permitiu à equipa determinar que o planeta “d” tem cerca de 2,5 vezes o diâmetro da Terra, mas uma massa 8,8 vezes maior do que o nosso planeta. A sua composição será semelhante à do planeta “c”, sendo ambos planetas aquáticos, envolvidos em atmosferas de hidrogénio e hélio. Calcula-se que quase 1/4 da composição de ambos será formada por água, por isso terão bastante mais água do que a Terra. Já a composição do planeta “b” parece ser sobretudo rochosa.
O consórcio do CHEOPS é liderado pela Suíça e pela ESA. Conta com a participação de 11 países europeus, sendo que em Portugal a participação científica é liderada pelo IA. A participação do IA no consórcio do CHEOPS faz parte de uma estratégia mais abrangente para promover a investigação em exoplanetas em Portugal, através da construção, desenvolvimento e definição científica de vários instrumentos e missões espaciais, como o CHEOPS ou o espectrógrafo ESPRESSO, já em funcionamento no Observatório do Paranal (ESO).
Esta estratégia irá continuar durante os próximos anos, com o lançamento do telescópio espacial PLATO (ESA), e a instalação do espectrógrafo HIRES no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).
Notas
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
- A equipa é constituída por: Laetitia Delrez, David Ehrenreich, Yann Alibert, Andrea Bonfanti, Luca Borsato, Luca Fossati, Matthew J. Hooton, Sergio Hoyer, Francisco J. Pozuelos, Sébastien Salmon, Sophia Sulis, Thomas G.Wilson, Vardan Adibekyan, Vincent Bourrier, Alexis Brandeker, Sébastien Charnoz, Adrien Deline, Pascal Guterman, Jonas Haldemann, Nathan Hara, Mahmoudreza Oshagh, Sérgio G. Sousa, Valérie Van Grootel, Roi Alonso, Guillem Anglada Escudé, Tamás Bárczy, David Barrado, Susana C. C. Barros, Wolfgang Baumjohann, Mathias Beck, Anja Bekkelien, Willy Benz, Nicolas Billot, Xavier Bonfils, Christopher Broeg, Juan Cabrera, Andrew Collier Cameron, Melvyn B. Davies, Magali Deleuil, Jean-Baptiste Delisle, Olivier D. S. Demangeon, Brice-Olivier Demory, Anders Erikson, Andrea Fortier, Malcolm Fridlund, David Futyan, Davide Gandolfi, Antonio Garcia Muñoz, Michaël Gillon, Manuel Guedel, Kevin Heng, László Kiss, Jacques Laskar, Alain Lecavelier des Etangs, Monika Lendl, Christophe Lovis, Pierre F. L. Maxted, Valerio Nascimbeni, Göran Olofsson, Hugh P. Osborn, Isabella Pagano, Enric Pallé, Giampaolo Piotto, Don Pollacco, Didier Queloz, Heike Rauer, Roberto Ragazzoni, Ignasi Ribas, Nuno C. Santos, Gaetano Scandariato, Damien Ségransan, Attila E. Simon, Alexis M. S. Smith, Manfred Steller, Gyula M. Szabó, Nicolas Thomas, Stéphane Udry, e Nicholas A.Walton
- O artigo “Transit detection of the long-period volatile-rich super-Earth Nu2 Lupi d with CHEOPS”, foi hoje publicado na revista Nature Astronomy (DOI: 10.1038/s41550-021-01381-5)
- O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. No entanto, em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a massa real.
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