Descoberto exoplaneta rochoso com apenas metade da massa de Vénus

Imagem artística do exoplaneta L98-59b, um planeta com metade da massa de Vénus. (Crédito: ESO/M. Kornmesser)

A equipa, que conta com vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), obteve novos resultados sobre os exoplanetas que orbitam a estrela L98-59, detetando um planeta com metade da massa de Vénus, um planeta aquático e um possível planeta na zona de habitabilidade.

Três exoplanetas, semelhantes aos planetas interiores do Sistema Solar, foram revelados nas mais recentes observações do sistema L98-59, conduzidas por uma equipa  internacional1, liderada pelo investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) Olivier Demangeon. Os dados foram obtidos pelo espectrógrafo ESPRESSO3, instrumento com bandeira portuguesa instalado no Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile.

No artigo4, publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics, os investigadores descrevem um desses exoplanetas como tendo metade da massa de Vénus. “Este é o exoplaneta com a menor massa medido com o método das velocidades radiais5, sendo ainda menor do que a Terra”,  explica Susana Barros (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da UPorto). A coautora do artigo acrescenta que “esta medição só foi possível devido aos muitos anos de melhorias dos instrumentos e das técnicas de análise de dados, para as quais os membros do IA deram contribuições importantes”.

“Descobrimos pistas que apontam para a presença de um planeta do tipo terrestre situado na zona de habitabilidade deste sistema.”
Olivier Demangeon (IA & DFA-FCUP)

Além deste planeta e de um outro mundo oceânico, a equipa descobriu ainda exoplanetas que até agora não tinham sido detetados neste sistema planetário. Foi descoberto um quarto planeta e suspeita-se ainda da presença de um quinto na zona de habitabilidade, a zona à distância certa da estrela para que um planeta possa conter água líquida à sua superfície.

Esquema que compara o sistema planetário L98-59 (em cima) com o Sistema Solar interior (Mercúrio, Vénus e Terra – abaixo). A escala a meio indica a temperatura (em Kelvin) àquela distância (0 graus Celsius = 273 Kelvin) Créditos: ESO/L. Calçada/M. Kornmesser (Agradecimento: O. Demangeon)

Estes resultados são um importante passo em frente na busca de vida em planetas do tamanho da Terra fora do Sistema Solar. A deteção de sinais da presença de vida, as chamadas bioassinaturas, num exoplaneta depende muito da capacidade de os astrónomos estudarem a sua atmosfera. No entanto, os telescópios atuais não têm ainda diâmetro suficiente para atingir a resolução necessária, para que se possa levar a cabo este tipo de estudo em pequenos planetas rochosos. O sistema planetário L98-59, a apenas 35 anos-luz de distância da Terra é por isso um bom alvo para futuras observações de atmosferas de exoplanetas.

A equipa utilizou o instrumento ESPRESSO para estudar o sistema L 98-59 e conseguiu inferir que três dos planetas podem conter água no seu interior ou na sua atmosfera. Os dois planetas mais próximos da estrela são provavelmente secos, mas podem ainda conter pequenas quantidades de água. O terceiro planeta poderá ter até cerca de 30% da sua massa em água, parecendo por isso ser um mundo de oceanos.

Para o investigador principal da equipa de Sistemas Planetários do IA, Nuno Cardoso Santos (IA & DFA-FCUP): “O ESPRESSO foi construído justamente para podermos ter resultados como este e desafiar os limites na deteção de outros mundos. Todo o investimento feito está agora a dar frutos e é importante ver que a equipa Portuguesa está na liderança destes resultados. Podemos aliás esperar que nos próximos tempos teremos ainda mais novidades e novas descobertas!”

Já em 2019 os astrónomos tinham descoberto três dos planetas do sistema L98-59, através do método dos trânsitos6, com o auxílio do satélite TESS (NASA), o que lhes permitiu calcular os seus tamanhos. No entanto, foi apenas adicionando dados de velocidades radiais obtidos pelo ESPRESSO e pelo seu precursor, o HARPS7 (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher), que Demangeon e a sua equipa conseguiram encontrar mais planetas neste sistema e medir as massas e os raios dos três primeiros. “Se quisermos saber como é constituído um planeta precisamos, pelo menos, de conhecer a sua massa e o seu raio”, explica Demangeon.

“Como sociedade, temos andado à procura de planetas do tipo terrestre desde que a astronomia nasceu. Agora estamos a aproximarmo-nos cada vez mais da deteção de um planeta terrestre na zona habitável da sua estrela, e para o qual nos é possível estudar a sua atmosfera.”
Olivier Demangeon (IA & DFA-FCUP)

A equipa espera continuar a estudar este sistema com o futuro telescópio espacial James Webb (JWST) da NASA/ESA/CSA. Também o Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, atualmente em construção no deserto chileno do Atacama e que se espera que comece a observar em 2027, será ideal para o estudo destes planetas. “O instrumento HIRES8, que será montado no ELT, terá a capacidade de estudar as atmosferas de alguns dos planetas do sistema L98-59, complementando assim, a partir do solo, o JWST,” diz María Rosa Zapatero Osorio, astrónoma no Centro de Astrobiologia de Madrid (CAB) e coautora do artigo.

A participação do IA no ESPRESSO faz parte de uma estratégia mais abrangente para promover a investigação em exoplanetas em Portugal, através da construção, desenvolvimento e definição científica de vários instrumentos e missões espaciais, como a missão Cheops (ESA), já em órbita. Esta estratégia irá continuar durante os próximos anos, com o lançamento do telescópio espacial PLATO (ESA), a missão Ariel (ESA) e a instalação do espectrógrafo HIRES no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).


Notas

  1. A equipa é composta por Olivier D. S. Demangeon (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto [IA & DFA-FCUP]), M. R. Zapatero Osorio (Centro de Astrobiología [CSIC-INTA]), Y. Alibert (Instituto de Física, Universidade de Berna), S. C. C. Barros (IA & DFA-FCUP), V. Adibekyan (IA & DFA-FCUP), H. M. Tabernero (IA & UPorto), A. Antoniadis-Karnavas (IA & DFA-FCUP), J. D. Camacho (IA & DFA-FCUP), A. Suárez Mascareño (Instituto de Astrofísica de Canarias [IAC] e Dep. de Astrofísica, Universidad de La Laguna [ULL]), M. Oshagh (IAC/ULL), G. Micela (INAF – Osservatorio Astronomico di Palermo), S. G. Sousa (IA & UPorto), C. Lovis (Observatoire de Genève, Université de Genève [UNIGE]), F. A. Pepe (UNIGE), R. Rebolo (IAC/ULL & Consejo Superior de Investigaciones Científicas de Espanha), S. Cristiani (INAF – Osservatorio Astronomico di Trieste [INAF Trieste]), N. C. Santos (IA & DFA-FCUP), R. Allart (Department of Physics and Institute for Research on Exoplanets, Université de Montréal e UNIGE), C. Allende Prieto (IAC/ULL), D. Bossini (IA & UPorto), F. Bouchy (UNIGE), A. Cabral (IA & Ciências ULisboa), M. Damasso (INAF – Osservatorio Astrofisico di Torino [INAF Torino]), P. Di Marcantonio (INAF Trieste), V. D’Odorico (INAF Trieste & Instituto de Física Fundamental do Universo [IFPU]), D. Ehrenreich (UNIGE), J. Faria (IA & DFA-FCUP), P. Figueira (Observatório Europeu do Sul [ESO], IA & UPorto), R. Génova Santos (IAC/ULL), J. Haldemann (Bern), J. I. González Hernández (IAC/ULL), B. Lavie (UNIGE), J. Lillo-Box (CSIC-INTA), G. Lo Curto (ESO), C. J. A. P. Martins (IA & UPorto), D. Mégevand (UNIGE), A. Mehner (ESO), P. Molaro (INAF Trieste e IFPU), N. J. Nunes (IA & Ciências ULisboa), E. Pallé (IAC/ULL), L. Pasquini (ESO), E. Poretti (Fundación G. Galilei – INAF, Telescopio Nazionale Galileo e INAF – Osservatorio Astronomico di Brera), A. Sozzetti (INAF Torino), e S. Udry (UNIGE).
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  3. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
  4. O artigo “A warm terrestrial planet with half the mass of Venus transiting a nearby star”, foi hoje publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202140728)
  5. O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. No entanto, em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a massa real.
  6. O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
  7. O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
  8. O HIRES (High Resolution Spectrograph, ou espectrógrafo de alta resolução) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT, que irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho. Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo. O Consórcio HIRES é formado por institutos da Alemanha, Brasil, Chile, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça, sendo o representante nacional o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

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