Como foi que disse? – 2ª parte
Navegar no vocabulário da astronomia — Galáxias

Galáxia NGC 1365

Esta é uma típica galáxia espiral barrada, pelo alinhamento das estrelas na região central, que forma uma barra que cruza o centro da galáxia. De nome NGC 1365, está a 61 milhões de anos-luz, no enxame de galáxias da Fornalha, e tem cerca do dobro do tamanho da nossa galáxia Via Láctea.
Créditos: ESO/IDA/Danish 1.5 m/ R. Gendler, J-E. Ovaldsen, C. Thöne, and C. Feron. (+info)

No segundo artigo desta série, em que procuramos descomplicar termos estranhos usados em astronomia, vamos até ao espaço profundo e descobrir que, também entre as galáxias, nem sempre os nomes são aquilo que parecem.

Numa série de quatro artigos, vamos navegar por alguns termos usados na astronomia, de modo que possa compreender o vocabulário astronómico como um verdadeiro profissional. 

Galáxias de tipo inicial e tardio

Assim como há estrelas do tipo “inicial” e “tardio”, os astrónomos usam também ‘inicial’ e ‘tardio’ para se referirem à estrutura das galáxias.

As galáxias do tipo “inicial” tendem a ser galáxias elípticas, sem características distinguíveis na sua estrutura, e geralmente avermelhadas – por terem estrelas em fases evoluídas, pouco gás e quase nenhuma formação de novas estrelas. As galáxias do tipo “tardio” são espirais ou irregulares, com uma estrutura mais complexa, e são mais azuis – por terem estrelas jovens em regiões com grande reserva de gás e formação estelar. 

Esta nomenclatura surgiu do trabalho do astrónomo norte-americano Edwin Hubble que, numa primeira tentativa para encontrar alguma ordem dentro da panóplia de formas (ou morfologias) que vemos nas galáxias, as organizou ao longo de um sistema de classificação agora conhecido como Sequência de Hubble. 

Sequência de Hubble
Este sistema classificativo é designado por Sequência de Hubble e deu origem à ideia enganadora de que as galáxias evoluem dos estádios à esquerda (“iniciais”) para os estádios à direita (“tardios”). No entanto, esta é apenas uma representação visual que pretende dar ordem ao “zoo” de galáxias. O modo como as galáxias evoluem é mais complexo.
A forma em “diapasão”, ou bifurcada, pretende distinguir dois “ramos” entre as galáxias com braços espirais: as que têm uma barra, que é um alinhamento das estrelas na zona central da galáxia, e as que não apresentam esta barra. As observações da nossa própria galáxia, a Via Láctea, indicam que é uma espiral barrada.

Créditos: Zoouniverse

No entanto, embora o próprio Hubble tenha advertido explicitamente contra o uso desta classificação para inferir qualquer tipo de tendência evolutiva das galáxias, por algum tempo os astrónomos pensaram que as galáxias evoluiriam da esquerda para a direita nesta sequência.

Hoje sabemos que não é o caso. Na verdade, quando duas galáxias espirais se fundem, a galáxia resultante geralmente é uma galáxia elíptica, pois ocorre um processo de rápida formação de estrelas, que consome quase todo o gás. Porém, na maioria das vezes, as galáxias têm diferentes morfologias porque evoluíram de maneiras diferentes.

Matéria escura

Poderíamos ser levados a pensar que, se puséssemos uma quantidade de matéria escura diante de uma lâmpada, aquela iria ocultar a luz e veríamos uma silhueta. De facto, um material escuro não emite, nem reflete, nem deixa passar a luz, mas absorve a luz – toda a luz, ou melhor, todas as cores – e por isso é cinzento ou preto.

Até muito recentemente, a luz (ou radiação eletromagnética) tinha a quase exclusividade da informação sobre o Universo que podíamos recolher aqui na Terra. Por isso, algo que tenha a palavra “escuro” no nome pode também significar uma coisa sobre a qual os astrónomos sabem ainda muito pouco.

Porém, a matéria escura não é cinzenta nem preta. Ela deixa passar a luz, não a absorve, e tudo leva a crer que ela não interage de nenhuma forma com a radiação eletromagnética. “Escuro”, neste caso, refere-se a algo que simplesmente não se vê – não emite, não reflete, nem absorve luz. Do ponto de vista da matéria escura, parece que a luz não existe.

O nome “matéria escura” foi cunhado para se referir ao excesso de matéria que parece existir nas galáxias e nos enxames de galáxias, em relação ao que seria expectável somando apenas a matéria que podemos depreender diretamente só pela informação luminosa. Entre o pouco que se sabe sobre a matéria escura, é que ela parece definir toda a estrutura do Universo – as regiões para onde se concentra a matéria normal e onde se formam as estrelas, as galáxias e os enxames de galáxias.

Energia escura

Até muito recentemente, a luz (ou radiação eletromagnética) tinha a quase exclusividade da informação sobre o Universo que podíamos recolher aqui na Terra. Por isso, algo que tenha a palavra “escuro” no nome pode também significar uma coisa sobre a qual os astrónomos sabem ainda muito pouco.

A “energia escura” é uma delas. Este nome foi dado a qualquer coisa, ainda desconhecida, que parece, na grande escala do Universo, estar a contrariar a força da gravidade – quais duas titânidas lutando por definir, cada uma à sua maneira, o destino do Universo – e a primeira parece estar a ganhar.

O Universo está a expandir-se cada vez mais rápido, com os enxames de galáxias a afastarem-se cada vez mais uns dos outros. Se existe algum misterioso processo que está a produzir cada vez mais espaço entre os enxames de galáxias, a resposta provisória chama-se “energia escura”.

Enxame de galáxias de nome Abell S1063
Nesta imagem podemos observar uma ampla panóplia de tipos de galáxias. Fazem parte de um enxame de galáxias de nome Abell S1063. Os arcos ou linhas que se observam em volta da galáxia no centro da imagem são galáxias muito mais distantes e que são ampliadas (e deformadas) pelo efeito de lente produzido pela enorme massa do enxame de galáxias em primeiro plano. O cálculo dessa massa é muito superior ao que se obtém considerando apenas a componente luminosa do conjunto. Há um excedente de matéria de natureza desconhecida, a matéria escura.

Créditos: NASA, ESA, and J. Lotz (STScI)


A série de artigos de que este texto faz parte tem por base o artigo “What did you just say? – Navigating astronomy’s confusing terminology”, de Anita Chandran, publicado no ESOblog, traduzido para português por Iara Tiago e expandido por Sérgio Pereira, do Grupo de Comunicação de Ciência do IA, com revisão científica de Ismael Tereno.