Guia para se deslumbrar com o céu à noite em Portugal

Fotografia da paisagem alentejana, captada no Observatório do Lago Alqueva (OLA), durante a “chuva de estrelas” das Perseidas.

Fotografia da paisagem alentejana, captada no Observatório do Lago Alqueva (OLA), durante a “chuva de estrelas” das Perseidas.
No lado esquerdo da imagem é possível ver uma perseida, um rasto luminoso produzido por uma partícula que entra na atmosfera terrestre e que parece porvir da constelação do Perseu. Ao centro, vê-se claramente a faixa da Via Láctea.
Créditos: Cédric Pereira

Há locais assim: chega a noite e o céu enche-se da luz das estrelas. Não é difícil encontrá-los, e há quem ajude. Vale mesmo a pena! Venha dar o primeiro passo.

Artigo de Cédric Pereira e Sérgio Pereira1 em parceria com a National Geographic Portugal

 

Vista do céu austral. Créditos ESO/H. Dahle Leia também

Os melhores locais em Portugal para observar o céu noturno

Conheça também alguns dos melhores locais em Portugal para observar o céu à noite
Saber mais

Por vezes ouvimos falar de objetos ou características celestes particulares: a Via Láctea, a constelação da Ursa Maior, o “sete-estrelo”, ou a nebulosa de Orionte. Aqueles que já as conseguiram ver com os próprios olhos, e não apenas em imagens, ficaram certamente maravilhados. Basta procurar um sítio com um céu escuro, ou pelo contrário, repleto de luz das estrelas. Mas qual é o melhor local em Portugal para contemplar a beleza do céu à noite?

Para começar, talvez aquele mais acessível para si! Quando comecei a gostar de astronomia, passei horas e horas a observar o céu em pleno centro da cidade de Évora. Não seria este com certeza o local mais aconselhado para fazer observações astronómicas, mas era o local que mais facilmente me permitia contemplar o céu depois de um longo dia de trabalho.

Luz sim, mas com moderação

Na generalidade das cidades existe de facto muita luz artificial. Esta luz impede que as pupilas dos nossos olhos dilatem o suficiente para que a nossa visão se torne sensível à luz ténue da maioria das estrelas. Além disso, a luz artificial é refletida pelas partículas em suspensão na atmosfera, como sejam poeiras, ou as ínfimas gotículas de água.

A luz assim refletida cria uma luminescência que anula a visibilidade da maioria dos objetos celestes. Chamamos “poluição luminosa” ao uso excessivo e inadequado de luz artificial exterior.

Uma das ferramentas mais utilizadas por astrónomos amadores é o Light Pollution Map, ou “mapa da poluição luminosa”. Este website permite escolher os locais com a menor taxa de poluição luminosa possível e que, em simultâneo, sejam de fácil acesso.

Foi porém no centro das cidades que aprendi a reconhecer as primeiras constelações, fiz as primeiras observações com telescópios e partilhei inicialmente com amigos o meu fascínio pelo céu noturno. Não pretendo de modo algum menosprezar o problema da poluição luminosa, esta não apenas prejudica a observação do céu, mas afeta severamente seres vivos e ecossistemas do nosso planeta, e é a causa de todo um conjunto de problemas de saúde humana.

Enquanto amante do céu noturno e da astronomia, comecei a tornar-me mais exigente e a procurar locais o mais afastados possível da iluminação pública. O Alentejo é sem dúvida a minha região de eleição! A baixa densidade populacional e as grandes distâncias entre povoações são fatores amigos dos astrónomos. São também fatores importantes os acessos, as distâncias a percorrer, a existência de zonas onde se possa estacionar o carro e realizar observações de forma segura, bem como as opções de alojamento.

Como encontrar um céu escuro

Em vez de nomear as melhores localidades portuguesas para apreciar a beleza dos objetos astronómicos, prefiro explicar-lhe como descobrir por si os seus locais preferidos para observar as estrelas. Vamos a isso!

Uma das ferramentas mais utilizadas por astrónomos amadores é o Light Pollution Map, ou “mapa da poluição luminosa”. Este website permite escolher os locais com a menor taxa de poluição luminosa possível e que, em simultâneo, sejam de fácil acesso. Basta fazer zoom in no mapa e procurar os locais mais escuros perto da sua área de residência ou do local onde se encontre a passar férias. Aconselho selecionar a opção “VIIRS 2021”, na lista em cascata na caixa de seleção de camadas do mapa, pois esta opção inclui os dados de satélite mais recentes até à data.

Na seguinte imagem pode constatar como o Algarve, Lisboa, o centro e o norte litoral apresentam grandes índices de poluição luminosa. Pelo contrário, o Alentejo, o interior de Portugal e as regiões próximas da fronteira com Espanha apresentam valores mais baixos ou moderados. No website, pode arrastar o mapa para a direita de modo a observar os índices nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Mapa da poluição luminosa em Portugal
Mapa da poluição luminosa em Portugal continental obtido com o website Light Pollution Map, em www.lightpollutionmap.info

Um dos meus locais preferidos situa-se na Albufeira da Barragem do Pego do Altar, em Alcácer do Sal, distrito de Setúbal. É relativamente perto da minha zona de residência atual, e para além da baixa poluição luminosa, a sua bonita paisagem envolvente é ótima para um dos meus hobbies: fazer astrofotografia, ou seja, fotografar o céu noturno. 

Sequência de uma observação do céu na Albufeira da Barragem do Pego do Altar.
Créditos: Cédric Pereira

Não basta procurar no mapa por locais escuros. Se quisermos observar zonas do céu mais baixas, próximas do horizonte, teremos de encontrar locais em que nessa direção não haja nenhuma cidade ou povoação fortemente iluminada. A Albufeira da Barragem do Pego do Altar (que na imagem seguinte está assinalada com uma cruz no mapa) tem a particularidade de o horizonte na direção sul ser afetado por baixa poluição luminosa. É algo que considero particularmente importante, pois existem objectos astronómicos muito interessantes para observar nessa direção. 

Zona da Albufeira da Barragem do Pego do Altar, assinalada com uma cruz neste mapa obtido com o website Light Pollution Map
Zona da Albufeira da Barragem do Pego do Altar, assinalada com uma cruz neste mapa obtido com o website Light Pollution Map, em www.lightpollutionmap.info. Repare que a sul desta região existe um baixo índice de poluição luminosa.

Um exemplo muito prático de como a direcção de observação é um factor importante, é a observação do céu junto ao litoral de Portugal. No início de 2020 foi descoberto um cometa, popularizado de “Neowise”, que veio deslumbrar os mais curiosos pelo espaço. Num certo período do verão, este cometa apresentou brilho suficiente (a que chamamos de magnitude) para ser observado a olho nu.

Claro que no centro de grandes cidades, como Lisboa, seria uma tarefa impossível. Mas como o cometa estava a baixa altura no céu em relação ao horizonte, e seria observável na direção oeste, bastava então ir para um local junto à costa. O facto de não existir iluminação pública em pleno mar possibilitou a sua observação. 

As melhores sessões de astronomia são provavelmente durante o inverno. Obviamente, não durante uma noite nublada, mas após uma boa chuvada, a atmosfera fica limpa e permite observar através de um céu cristalino.

Assim, lá fui eu em direção ao Cabo da Roca, um promontório a norte de Lisboa e que é o prolongamento da Serra de Sintra em direção ao mar. Ao chegar lá, olhando para este, para a Serra de Sintra e a envolvente de Lisboa, vi a imensa poluição luminosa! Por cima de mim, no zénite, a poluição luminosa era moderada. Mas sobre o mar, a oeste, e portanto na direção do cometa, a poluição luminosa era bastante aceitável. E entre amigos, observámos e fotografámos o cometa Neowise, deslumbrados por este viajante do Sistema Solar. 

Alguns locais de eleição

Já que tanto insiste, vou partilhar consigo os meus outros locais preferidos para observar o céu nocturno. Um que tenho mesmo de mencionar é a região do Alqueva. É na barragem do Alqueva, nomeadamente em Monsaraz, que tenho passado a maior parte do meu tempo como astrónomo amador. Além de esta zona ser designada como “reserva de céu escuro”, é uma região muito bonita e com diversas ofertas turísticas: o castelo de Monsaraz, as paisagens alentejanas rasgadas pela água do maior lago artificial da Europa, a recente praia fluvial, a oferta gastronómica, e observatórios com sessões de astronomia noturnas. Recomendo-lhe vivamente passar um fim-de-semana por lá!

Sequência de uma observação do céu na região do Lago Alqueva.
Créditos: Cédric Pereira

A reserva Dark Sky Alqueva foi a primeira reserva de céu escuro em Portugal, e foi a primeira no mundo, em 2011, a receber a certificação Destino Turístico Starlight, um destino que alia a qualidade do céu noturno para a observação de objetos astronómicos às infraestruturas de apoio aos visitantes, sendo ideal para o astroturismo. Mas existem mais. A região das Aldeias do Xisto, no centro de Portugal, também acolhe um projeto Dark Sky, que foi igualmente certificado pela Fundação Starlight em 2019. A Porta do Mezio, no Parque Nacional da Peneda Gerês, concelho de Arcos de Valdevez, irá provavelmente entrar também para esta lista.

Alguns dos melhores locais para observar o céu à noite

Consulte estes locais no mapa clicando aqui

Distrito de Bragança
  • Serra de Montesinho
  • Serra da Nogueira
  • Vale do Tua
Distrito de Viana do Castelo
  • Parque Nacional da Peneda-Gerês, Porta do Mezio (Arcos de Valdevez)
Distrito de Coimbra
  • Serra do Açor
Distrito da Guarda
  • Castelo Rodrigo
  • Serra da Malcata
Distrito de Santarém
  • Constância
  • Coruche
Distrito de Beja
  • Messejana (Aljustrel)
  • Barrancos, Amareleja, Castelo de Noudar
  • Serpa
Distrito de Évora
  • Monsaraz
Distrito de Portalegre
  • Castelo de Vide
Distrito de Setúbal
  • Albufeira da Barragem do Pego do Altar, Santa Susana

Dependendo da meteorologia, as ilhas portuguesas oferecem em geral ótimas condições para a observação do céu noturno.

Ilha da Madeira
  • Pico do Areeiro
  • Fanal
Arquipélago dos Açores
  • Caldeirão do Corvo (Ilha do Corvo)
  • Ilha das Flores (costa ocidental)
  • Montanha da Ilha do Pico
  • Ilha de São Jorge
  • Ponta do Queimado (Ilha Terceira)
  • Miradouro da Lagoa do Fogo (Ilha de São Miguel)

Agradecimentos a Raul Lima e Nelson Nunes, e aos membros do grupo Astronomia – Portugal, na plataforma Facebook.

Foi em 2016 que tive a oportunidade de visitar a Porta do Mezio, durante a Astrofesta Nacional, um dos eventos de astronomia mais populares em Portugal (teve início em 1994, decorre quase sempre em diferentes locais do país e reúne astrónomos amadores e interessados por astronomia).

Com um céu escuro e de boa qualidade, o único inconveniente na Porta do Mezio, em 2016, foi a extensão alarmante de incêndios que assolavam a região. Não só porque eu e alguns amigos tivemos de fugir de um parque de campismo pelo meio das chamas, mas também porque os incêndios poluem o ar com partículas derivadas da combustão e que prejudicam severamente a qualidade das observações do céu. Pois é!, não são só a poluição luminosa ou a meteorologia que contam para planear uma boa sessão de observação astronómica. 

Por falar em meteorologia, as melhores sessões de astronomia são provavelmente durante o inverno. Obviamente, não durante uma noite nublada, mas após uma boa chuvada, a atmosfera fica limpa e permite observar através de um céu cristalino. Também as baixas temperaturas desta estação asseguram uma boa estabilidade das camadas de ar, reduzindo a turbulência atmosférica, muito típica no calor do verão. Embora esta faça cintilar mais as estrelas, perturba a qualidade das imagens observadas através dos telescópios.

Existem ainda muitos outros locais, sobretudo no Alentejo, onde se pode fazer boas observações astronómicas. Eis alguns dos quais posso falar pela minha experiência: Messejana (Aljustrel), Beja, Noudar (Barrancos), Castelo de Vide, Castro Verde. Mas se preferir experimentar perto de casa, ou do seu local de férias, onde quer que esteja, basta afastar-se das grandes cidades, da iluminação pública das localidades e irá encontrar um céu estrelado e pronto a ser explorado. 

Fotografia da paisagem alentejana, captada no Observatório do Lago Alqueva (OLA), durante a “chuva de estrelas” das Perseidas.
Fotografia da paisagem alentejana, captada no Observatório do Lago Alqueva (OLA), durante a “chuva de estrelas” das Perseidas.
No lado esquerdo da imagem é possível ver uma perseida, um rasto luminoso produzido por uma partícula que entra na atmosfera terrestre e que parece porvir da constelação do Perseu. Ao centro, vê-se claramente a faixa da Via Láctea.
Créditos: Cédric Pereira

Comece por observar sem qualquer óculo ou instrumento, a olho nu, como costumamos dizer. Recorra a uma aplicação no telemóvel, ou a um mapa de constelações, para ajudar a conhecer e orientar-se no céu. É surpreendente o que um céu escuro oferece ao simples olhar: a mancha da Via Láctea, a vaga luz difusa da nebulosa de Orionte, e se deixar as suas pupilas habituarem-se à escuridão, conseguirá talvez discernir o ténue bojo da galáxia de Andrómeda. 

Depois, sem grande investimento, experimente utilizar uns binóculos. É já o suficiente para explorar a superfície da Lua, separar Júpiter das suas luas, ou apreciar com maior detalhe alguns grupos de estrelas, como as Plêiades, na constelação do Touro. Se escolher um instrumento que amplie mais de dez vezes, é recomendável usar um apoio, como um monopé.

Descobrir o céu, de noite e de dia

A visita a um observatório, ou a um centro Ciência Viva que tenha ativades de astronomia, também lhe irá permitir olhar para o céu de outra perspectiva, numa visita guiada por alguém experiente. Aqui aproveito para destacar o importante trabalho de alguns dos pontos de referência nacionais na divulgação e educação da astronomia.

O Centro Ciência Viva de Constância, um dos mais dedicados aos temas do Espaço e do Universo, situa-se num local com um bom céu, apesar de alguma influência da luz de algumas localidades vizinhas. Acolhe exposições, infraestruturas e atividades de astronomia que considero imprescindível visitar. 

Uma iniciativa que recebe o carinho de muitos aficionados pela astronomia é a Concentração de Telescópios de Moimenta-da-Beira. Reúnem-se aqui astrónomos com os seus telescópios e demais equipamentos, para trocar dicas e técnicas entre si, mas também prontos a partilhar conhecimento com aqueles que aqui vêm atraídos pela curiosidade. Decorre a cada dois anos.

Depois de um dia por entre a tecnologia, os astrónomos pegam nos seus telescópios e vão fazer observações para um local altaneiro e afastado da iluminação pública. Mais uma festa e mais um local que poderá querer visitar e aproveitar para conhecer um céu de qualidade na sub-região do Douro.

O Observatório do Lago Alqueva (OLA), junto a Monsaraz, é outro espaço que organiza atividades, sejam de observação do céu, sejam tertúlias temáticas, entre outras iniciativas, debaixo de um dos céus mais magníficos do nosso país. Aproveite uma das sessões de observação noturna, guiada por astrónomos. Será algo de que não se irá esquecer.

Desejo sinceramente que esta história da minha viagem pelos céus, e de descoberta do firmamento através do olhar, lhe faça vestir um agasalho, encher o termo com uma bebida quente e sair para a noite estrelada.

Artigo também disponível no website da National Geographic Portugal.

Disponível sob licença de reutilização Creative Commons cc-by-sa


[1]
Cédric Pereira explorou os maravilhosos céus do Alentejo enquanto frequentava a licenciatura em Engenharia Mecatrónica, na Universidade de Évora. Já a trabalhar na indústria automóvel, dedicou-se a observar e a fotografar o céu com o seu primeiro telescópio. Atualmente organiza sessões de astronomia e workshops em diversos locais do país, em que transmite os conhecimentos que adquiriu.

Regressado à academia, concluiu o Mestrado em Astrofísica e Instrumentação para o Espaço na Universidade de Coimbra, e realizou um estágio na Agência Espacial Europeia (ESA), onde desenvolveu uma metodologia para detetar e caraterizar asteroides. No âmbito do seu doutoramento no Instituto de Astrofísica e Ciência do Espaço, colabora na missão espacial ARIEL, da ESA, que será dedicada ao estudo de planetas em órbita de outras estrelas que não o Sol.

Sérgio Pereira é mestre em Comunicação de Ciência, com formação inicial em Design de Comunicação. É comunicador de ciência no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), onde produz conteúdos, eventos e projetos que estabelecem pontes entre a sociedade, a cultura e a astronomia.