Astrónomo, físico, matemático, e até filósofo, Arthur Eddington tocou em quase todos os domínios da Astronomia moderna, abrindo novos campos de pesquisa, ou definindo trajetos de investigação para o futuro.
O eclipse de 1919
A primeira imagem, ou o primeiro vislumbre, de um buraco negro, foi divulgada a 10 de abril de 2019 pelo projeto Event Horizon Telescope. Inicialmente os buracos negros foram propostos como objetos teóricos, que resultavam da teoria da relatividade geral de Einstein. Esta imagem é mais uma confirmação desta teoria.
Arthur Eddington foi um astrónomo, físico, matemático e até filósofo inglês, que esteve envolvido em dois dos primeiros testes à teoria da relatividade geral de Einstein.
Nasceu em 1882 em Kendal, estudou em Cambridge, no Trinity College, e trabalhou algum tempo no Observatório de Greenwich. Regressou depois a Cambridge para dirigir o observatório desta cidade até ao final da sua vida, em 1944.
Em 1915 Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral. Nessa altura demonstrou que ela explicava as conhecidas e misteriosas irregularidades na órbita de Mercúrio, até então tidas como anomalias quando interpretadas pelas leis clássicas da gravitação de Newton. Este foi o primeiro teste à sua teoria, mas Einstein sugeriu ainda dois outros testes que poderiam confirmá-la, ou rejeitá-la.
Nessa época o mundo encontrava-se em plena 1ª Guerra Mundial (1914-1918), e o conflito entre as nações afetou também a ciência. Arthur Eddington foi dos poucos cientistas em Inglaterra que tentou manter relações com os seus colegas alemães, e veio a tornar-se o principal promotor do trabalho de Einstein no meio anglo-saxónico.
Em 1919, pouco depois do fim da guerra, Eddington juntou-se a Frank Dyson, da Royal Astronomical Society, e a outros astrónomos dos observatórios de Greenwich e Cambridge, para planear e executar o segundo teste proposto por Einstein.
Arthur Eddington foi dos poucos cientistas em Inglaterra, durante a 1ª Guerra Mundial, que tentou manter relações com os seus colegas alemães, e veio a tornar-se o principal promotor do trabalho de Einstein no meio anglo-saxónico.
De forma sucinta, segundo a teoria da relatividade geral, corpos com massa curvam o espaço-tempo, e a luz, ao percorrer esse espaço-tempo curvo, segue trajetórias curvilíneas.
Como consequência, quando observamos as estrelas no céu e se interpõe um corpo com massa, como por exemplo o Sol, a posição aparente das estrelas na vizinhança do disco solar é desviada pelo campo gravítico do Sol, como se este criasse uma lente.
Para medir esse desvio de posição em relação à posição conhecida, seria necessário esperar por um eclipse total do Sol, momento em que ficam visíveis as estrelas vizinhas ao disco solar. Eddington liderou uma das expedições para observar o eclipse solar total de 29 de maio de 1919, a partir da Ilha de Príncipe, em São Tomé e Príncipe, então colónia portuguesa.
Verificou-se que o resultado das observações realizadas por Eddington era concordante com o previsto pela teoria de Einstein, ou seja, cerca do dobro do desvio que seria obtido calculando-o com as leis da gravitação de Newton. A 29 de maio de 2019 celebraram-se os 100 anos deste feito: o segundo teste a uma das teorias físicas mais influentes do século XX.
O equilíbrio das estrelas, e um novo teste
Eddington destacou-se sobretudo na descrição de modelos teóricos que descrevem os processos no interior das estrelas, processos que as mantém em equilíbrio, com a energia produzida no seu centro a criar uma pressão que compensa a pressão da gravidade da própria estrela.
Desenvolveu também um método para calcular o diâmetro das estrelas e com ele procurou saber a dimensão da companheira da estrela Sírius, a Sírius B. Desta estrela, de um tipo a que os astrónomos chamam anã branca e que hoje se sabe ser o destino de estrelas como o Sol, sabia-se já naquela época que tinha uma massa equivalente à do Sol, mas de brilho muito menor. Eddington verificou que toda essa massa estava concentrada num volume equivalente ao da Terra.
Eddington apercebeu-se então que um corpo com uma tal densidade seria um excelente alvo para verificar o terceiro e último teste proposto por Einstein. Segundo a teoria da relatividade geral, o campo gravítico de um corpo luminoso suficientemente denso conseguiria deslocar o comprimento de onda da luz emitida no sentido de comprimentos de onda maiores (e frequências menores, ou zona “vermelha” do espectro eletromagnético), a tal ponto de esse efeito ser observável da Terra como um “avermelhamento” da luz.
Em 1924, Eddington pediu ao seu colega Walter Adams, do Observatório do Mount Wilson, nos EUA, para obter o espectro da Sírius B e verificar a existência desse desvio na direção do “vermelho”. O espectro obtido confirmou um desvio em acordo com o previsto pela teoria de Einstein.
A qualidade das observações para a medição desse efeito era discutível, mas três décadas mais tarde o mesmo foi medido com sucesso com outra anã branca. A teoria da relatividade geral sobreviveu assim aos seus três primeiros testes.
Porque é que as estrelas brilham?
Hoje sabemos que certos buracos negros e as anãs brancas são objetos que restam no final da vida das estrelas, quando se esgota a fonte de energia que alimenta o seu brilho. Na época de Eddington ainda não se sabia que fonte de energia era essa. Em pleno século XX, não se sabia explicar porque é que o Sol brilha.
Eddington foi a primeira pessoa a sugerir, ainda em 1920, que a energia do Sol e das estrelas deveria vir de processos subatómicos, da aniquilação de partículas mais pequenas do que o átomo e sua conversão em energia.
Vários processos haviam sido propostos, mas nenhum conseguia explicar a produção de energia durante tanto tempo quanto se sabia ser a idade do Sol. O Sol teria de ter, no mínimo, a idade da Terra, que já era conhecida por provas geológicas.
Eddington, baseado no conhecimento recente sobre a estrutura do átomo, e no princípio da equivalência entre matéria e energia de Einstein, foi a primeira pessoa a sugerir, ainda em 1920, que a energia do Sol e das estrelas deveria vir de processos subatómicos, ou seja, da aniquilação de partículas mais pequenas do que o átomo e a sua conversão em energia.
Esta intuição de Eddington é tanto mais extraordinária quanto o conhecimento que na época se tinha sobre a estrutura do átomo era muito recente e largamente incompleto.
De facto, só quase 20 anos depois, em 1939, é que Hans Bethe, físico nuclear alemão naturalizado americano, descreveu diferentes processos nucleares que poderiam ocorrer no interior do Sol e de outras estrelas, processos que libertariam energia suficiente para as alimentar durante milhões, ou mesmo milhares de milhões de anos. Por este trabalho, Bethe recebeu em 1967 o prémio Nobel da Física.
Este é apenas um dos exemplos daquilo que tornou Eddington uma das mais importantes figuras da história da ciência. Provavelmente o seu mais importante legado terão sido as áreas de investigação que iniciou e as linhas de pesquisa cujo trajeto apontou para o futuro.
Neste ano celebram-se também os 100 anos da União Astronómica Internacional (IAU). Arthur Eddington foi também um dos presidentes desta instituição, de 1938 até à data do seu falecimento, em 1944.
Nota
O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço associa-se à celebração dos 100 anos da União Astronómica Internacional (IAU) através de várias iniciativas ao longo de 2019. Uma delas consiste na rubrica “Estrelas que brilham no tempo”, em que recordaremos figuras importantes na história da astronomia dos últimos 100 anos. Esta rubrica será objeto de uma breve apresentação no início de cada uma das sessões das Noites no Observatório durante o ano de 2019.