Cientistas apelam à preservação do céu noturno, património intangível da Humanidade

Comparação entre o céu visto no Porto (à direita) e na Namíbia (à esquerda)

Comparação entre o céu visto no Porto (à direita) e na Namíbia (à esquerda). Créditos: Falchi et al., 2023.

O céu noturno está a ficar degradado de forma drástica, por causas de origem humana. Cientistas apelam à mobilização da comunidade científica e à regulamentação internacional.

O desaparecimento dos céus escuros tem duas causas humanas. Uma é a contaminação do ambiente com luz artificial – a chamada poluição luminosa, – que afeta os ecossistemas. A outra causa são os milhares de satélites que estão a ser colocados em órbita de baixa altitude por empresas privadas de comunicações – as constelações de satélites – como uma malha que recobre a Terra.

É um alerta para a dimensão alarmante do problema e para a necessidade urgente de repor o céu noturno que tínhamos há umas décadas. Apela-se a uma regulação e a decisões urgentes.

Sem haver qualquer regulação internacional, ambas as situações estão a interferir com a observação do céu noturno, e a afetar a investigação científica nas áreas da astronomia e das ciências do Espaço. Estão também a contribuir para o aumento global do brilho do céu noturno, que deveria ser património intangível da Humanidade.

Essa perda do céu noturno é já alarmante: três em cada quatro dos principais observatórios astronómicos mundiais – construídos nos que eram então os melhores locais do mundo para observação – apresentam hoje um céu que não cumpre os requisitos da União Astronómica Internacional (IAU) para instalação de observatórios.

Por outro lado, os satélites artificiais interferem ou podem arruinar mesmo parte da investigação astronómica, ao produzirem riscos de luz nas imagens obtidas com os telescópios.

Imagem do grupo de galáxias NGC 5353/4 obtida em 2019.
Imagem do grupo de galáxias NGC 5353/4 obtida em 2019. As linhas diagonais são os rastos deixados pela luz refletida por satélites Starlink enquanto atravessavam o campo de visão do telescópio do Observatório Lowell, no Arizona, EUA. Créditos: Victoria Girgis/Lowell Observatory

A comunidade astronómica considera que os decisores com responsabilidades nestes âmbitos deveriam estar alerta e atuar, mas que é também o momento de os próprios cientistas intervirem e terem também um papel ativo, uma vez que as suas fontes ou objetos de estudo estão rapidamente a ficar comprometidas.

Neste mês de março é feito um apelo aos cientistas, A call for scientists to halt the spoiling of the night sky with artificial light and satellites 1, artigo que teve a contribuição de Raul Cerveira Lima (IA/Universidade de Coimbra, Politécnico do Porto). Foi publicado em conjunto com novos estudos relativos ao estado de degradação dos céus escuros, no número deste mês da revista Nature Astronomy.

São um alerta para a dimensão alarmante do problema e para a necessidade urgente de repor o céu noturno que tínhamos há umas décadas. Apela-se aí a uma regulação e a decisões urgentes que deixem de envolver como parceiros os agentes considerados poluidores (‘big light’, ‘big space’), mas sim como entidades que deverão respeitar o bem comum e o desígnio conjunto da Humanidade – o restauro da noite e da natureza.

Leia também o artigo de opinião de Raul Cerveira Lima no jornal Público, “Apliquem-se quotas de emissão de luz para nos devolver a noite”.


Notas

  1. Falchi, F., Bará, S., Cinzano, P., Lima, Raul C., Pawley, Martin. A call for scientists to halt the spoiling of the night sky with artificial light and satellites. Nature Astronomy 7, 237–239 (2023). https://doi.org/10.1038/s41550-022-01864-z