O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas vai ser também dia de eclipse do Sol. No ártico, o eclipse será anular. Por cá será parcial, com os Açores a terem a melhor visão para o espetáculo.
Artigo de Ricardo Cardoso Reis1 em parceria com a National Geographic Portugal
A 82,5° norte, a povoação de Alert, no Canadá, em pleno Círculo Polar Ártico, é a povoação permanente mais setentrional do planeta. Neste local, o Sol deixou de se pôr no início de abril e vai manter-se sempre acima do horizonte até ao início de setembro. Mas no dia 10 de junho de deste ano, as poucas dezenas de habitantes vão ver o Sol um pouco mais fraco, a formar um halo no céu – um eclipse anular do Sol. Porque é que algumas vezes a Lua consegue tapar todo o disco solar e produzir um eclipse total, mas outras vezes não?
Os movimentos celestes
Para perceber como funcionam os eclipses do Sol, é preciso ter em conta a órbita da Lua em torno do nosso planeta, a órbita da Terra à volta do Sol e as diferentes sombras que a Lua lança sobre a superfície do nosso planeta quando estes três astros estão alinhados.
A Terra e os restantes planetas do Sistema Solar orbitam o Sol mais ou menos no mesmo plano – a chamada eclíptica (precisamente o plano onde ocorrem os eclipses, ou perto dele). Mas a órbita da Lua em torno da Terra tem uma inclinação de 5,145 graus em relação à eclíptica. É por esta razão que a maioria das vezes que a Lua está em fase de lua nova, isto é, quando está entre o nosso planeta e o Sol, os três astros não ficam perfeitamente alinhados – a Lua fica um pouco acima ou um pouco abaixo da eclíptica.
O nosso satélite natural cruza a eclíptica duas vezes em cada órbita, em dois pontos de interseção chamados nodos. Contudo, cerca de duas vezes por ano, dá-se a coincidência de a lua nova ocorrer quando a Lua está num (ou perto de um) nodo. Nessas alturas, a Lua fica alinhada entre o Sol e a Terra, com a sua sombra a cair sobre uma parte da superfície terrestre.
Por uma enorme coincidência, apesar de a Lua ser aproximadamente quatrocentas vezes menor do que o Sol, em média está quatrocentas vezes mais perto de nós do que a nossa estrela, o que faz com que o diâmetro aparente dos dois astros, observados a partir da superfície da Terra, seja praticamente o mesmo. Ou seja, quando a Lua está alinhada entre o Sol e a Terra, em certos locais à superfície da Terra podemos ver a Lua a tapar parte, ou até mesmo todo, o disco solar – ocorre então um eclipse do Sol.
Totais, anulares e parciais
Os eclipses mais espetaculares são os eclipses totais do Sol. Durante breves minutos, numa faixa estreita ao longo da superfície da Terra, que pode ter até 160 quilómetros de largura, a Lua tapa a totalidade do disco solar.
Com a radiação do Sol bloqueada, a temperatura pode diminuir até 6,5 °C. Cai uma noite estranha, com as estrelas mais brilhantes a ficarem visíveis no céu. Apesar disso, na direção do horizonte, o obscurecimento não é completo: vê-se uma luz de crepúsculo impressionante. Torna-se visível a Coroa Solar, uma parte da atmosfera da nossa estrela que normalmente está ofuscada pelo intenso brilho da superfície visível do Sol – a fotosfera. Alguns animais recolhem-se, como se de uma verdadeira noite se tratasse, voltando a sair quando o eclipse termina. Passados alguns minutos, a Lua continua o seu caminho no espaço e acaba a totalidade.
Os eclipses totais do Sol ocorrem em média a cada ano e meio.
Vídeo em timelapse da sombra da Lua a atravessar a superfície da Terra, durante o Eclipse Total do Sol de 21 de agosto de 2017.
Crédito: Equipa NASA EPIC
Um tipo de eclipse solar quase tão impressionante como o total é o eclipse anular. Apesar de o Sol e de a Lua terem, em média, o mesmo tamanho aparente, há que ter em conta que a órbita da Lua é elíptica e por isso a distância a que está da Terra varia aproximadamente entre os 406 mil e os 357 mil quilómetros. Com a distância, varia também o diâmetro aparente da Lua, que no apogeu (ponto de maior afastamento da Terra) chega a ser 14% menor do que no perigeu (ponto de maior aproximação à Terra). Como a órbita da Terra é praticamente circular, o tamanho aparente do Sol também varia, mas apenas 3,4% do afélio (ponto de maior afastamento do Sol) para o periélio (ponto de maior aproximação ao Sol).
Ora, no dia 10 de junho, a Lua está alinhada entre o Sol e a Terra, com a lua nova a ocorrer num dos nodos. Como esteve no apogeu apenas dois dias antes, o diâmetro aparente da Lua ronda os 29,93′ (veja-se a figura em cima). Já o Sol, apesar de estar a pouco menos de um mês do afélio, tem um diâmetro aparente de 31,51′, isto é 5% maior do que a Lua. Assim, o nosso satélite não consegue tapar a totalidade do disco solar e sobra um anel de Sol visível à sua volta – ocorre um eclipse anular.
A diferença entre ver um eclipse total, parcial ou anular está no tipo de sombra que a Lua, mais próxima ou mais distante da Terra, lança sobre a superfície do nosso planeta. Independentemente da distância a que está o nosso satélite, nos locais da superfície terrestre atravessados pela penumbra da Lua (veja-se a figura seguinte), o eclipse será sempre parcial, sendo tanto maior quanto mais próximo da faixa da totalidade (isto é, da Umbra) esse local se encontrar. Mas quando a Lua está mais próxima, há uma faixa estreita do nosso planeta que é atravessada pela umbra e vê-se um eclipse total. Quando está mais distante, a umbra não consegue atingir a superfície da Terra – apenas a antumbra – e vê-se um eclipse anular.
Eclipses pela história
Várias civilizações perceberam a importância do Sol para a vida na Terra, como fonte de luz e calor. Algumas até o veneravam como um deus. Por isso, quando o Sol desaparecia em pleno dia, diferentes culturas apresentavam diferentes interpretações para o problema.
Um dos mais antigos registos de eclipses chega-nos da China e data de 2136 a.C. Os chineses acreditavam que durante um eclipse do Sol, um enorme dragão tentava devorar a nossa estrela. Nessas alturas, vinham para a rua bater em tachos, panelas e tambores, de modo a afugentar o dragão. A importância dos eclipses nesta cultura era tal que, reza a lenda, o Imperador Chung Kang mandou decapitar os astrólogos reais por não terem previsto um eclipse.
De modo semelhante, na Escandinávia, os Vikings acreditavam que dois lobos enormes, chamados Skoll e Hati, tentavam devorar o Sol e a Lua, respetivamente, com os eclipses a ocorrer quando os lobos alcançavam a sua presa. Assim como os chineses, os Vikings tentavam fazer barulho para assustar os lobos, pois o Ragnarok – o fim do mundo – ocorreria se estes tivessem sucesso em consumir o Sol e a Lua.
No séc. XVI, o frade franciscano Bernardino de Sahagún, que viveu entre os Astecas, escreveu que, durante um eclipse do Sol, estes “ficaram em tumulto e desordem. Todos estavam nervosos e assustados. Havia choro. A gente comum levantava a voz, provocavam estrondos, gritavam. As pessoas de pele clara eram sacrificadas; os cativos eram mortos… Diziam que «Se o eclipse ficar completo, será noite para sempre! Os demónios da escuridão descem à Terra e devoram os homens».”
Os eclipses também foram importantes para a ciência. Foi a observação do eclipse total do Sol de 1919 que permitiu a Sir Arthur Eddington obter uma prova observacional da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.
O “nosso” eclipse
Neste dia de Portugal, o nosso país está na penumbra da Lua e o eclipse que poderemos ver em terras lusas será parcial. Como a faixa percorrida pela sombra da Lua se encontra a oeste do nosso país e tem uma orientação de sudoeste para nordeste, o Sol será visto cada vez mais tapado quanto mais para Norte e para o litoral estivermos. Em Vila Real de Santo António a Lua irá tapar pouco mais de 3,5% do disco solar, mas Valença será o local de Portugal Continental onde a Lua mais irá tapar o Sol – cerca de 11,1%. No arquipélago dos Açores o espetáculo será um pouco melhor do que no Continente e na Madeira, com a Lua a tapar entre 20% do Sol em Santa Maria, até cerca de 30% nas Flores e no Corvo.
Na tabela abaixo encontram-se os detalhes de observação para uma seleção de localidades portuguesas. Podem usar o mapa interativo do eclipse, produzido pelo astrónomo francês Xavier M. Jubier, para consultar detalhes sobre o eclipse noutras localidades.
Ocultação máxima | Início do eclipse | Máximo | Fim do eclipse | Altura do Sol no máximo | |
Faro | 3.82% | 09:51:59 | 10:29:50 | 11:10:21 | 48,8° |
Beja | 4,96% | 09:51:14 | 10:32:17 | 11:16:30 | 49,2° |
Funchal | 5,78% | 09:33:22 | 10:12:23 | 10:54:28 | 37,9° |
Lisboa | 6,87% | 09:47:42 | 10:32:26 | 11:20:59 | 48,1° |
Guarda | 7,75% | 09:51:35 | 10:38:52 | 11:30:14 | 50,5° |
Coimbra | 8,26% | 09:49:03 | 10:36:42 | 11:28:33 | 49,2° |
Bragança | 9,12% | 09:52:36 | 10:42:28 | 11:36:46 | 51,1° |
Porto | 9,80% | 09:48:36 | 10:38:37 | 11:33:14 | 49,2° |
Valença | 11,10% | 09:48:46 | 10:40:39 | 11:37:23 | 49,4° |
Ponta Delgada | 21,75% | 08:24:37 | 09:18:26 | 10:17:56 | 32,4° |
Flores | 30,47% | 08:23:34 | 09:20:11 | 10:22:56 | 28,7° |
Todas as horas indicadas são hora local (Portugal Continental e Madeira: UT+1 ; Açores: UT) Dados calculados por Fred Espenak (NASA/GSFC), disponíveis em eclipse.gsfc.nasa.gov |
Observar eclipses em segurança
Quem quiser observar o eclipse, deve cumprir algumas regras básicas de segurança:
• NUNCA olhar diretamente para o Sol. Ao fim de algum tempo, a radiação infravermelha do Sol provoca uma queimadura no nervo ótico, mas que não provoca dor, pelo que não sabemos que estamos a ficar cegos.
• Olhar SEMPRE para o Sol através de filtros apropriados (como “óculos de eclipse”), que bloqueiam mais de 99% da radiação solar. E mesmo através destes, não se deve observar durante muito tempo. Um filtro verdadeiramente seguro tem de ter uma certificação CE ou ISO. Tenha em atenção que o material usado em óculos de eclipse degrada-se com o tempo, pelo que NÃO se devem usar óculos que se tenha guardado de eclipses anteriores.
• JAMAIS observar o Sol através de instrumentos que foquem a luz, como câmaras fotográficas, binóculos ou telescópios, pois podem queimar o olho instantaneamente. Estes podem ser usados diretamente apenas para projetar o Sol (num ecrã ou numa parede), ou em alternativa, devem estar protegidos com filtros apropriados. No caso das câmaras, certifique-se que não olha diretamente para o Sol quando está a apontar e mesmo com um filtro em frente à objetiva, nunca deve espreitar através do óculo – apenas através do ecrã.
• NÃO usar filtros caseiros. O risco de usar um filtro que não seja apropriado é equivalente a não usar qualquer filtro. Alguns filtros parecem espelhos, enquanto outros são feitos de um polímero que parece papel de alumínio, mas nem um espelho normal, nem papel de alumínio de cozinha são filtros adequados! Objetos como radiografias, ou a maioria dos vidros de soldador apenas bloqueiam a luz visível do Sol, mas não fornecem proteção contra a radiação infravermelha ou ultravioleta. Outros exemplos de filtros ineficazes são qualquer tipo de óculos escuros ou CD/DVD/Blu-rays.
Claro que, especialmente em tempos de pandemia, a maneira mais segura de observar este eclipse será através da internet.
Eclipses futuros
Quem quiser começar já a planear a observação de um dos próximos eclipses, pode consultar as previsões no site de eclipses da NASA.
O próximo eclipse visível de Portugal, a 29 de maio de 2025, também será parcial, mas um pouco melhor do que o de 2021. A ocultação do Sol irá variar entre os 22% em Vila Real de Santo António, passando pelos 30% em Valença, até cerca de 57% nas Flores e no Corvo.
Mas aquele que vai valer mesmo a pena será o eclipse total de 12 de agosto de 2026, pois a faixa da totalidade vai passar já aqui ao lado, entre o norte e o este de Espanha, em cidades como Gijón, Valladolid, Bilbau, Saragoça ou Valência.
Em Portugal, só numa pequena parte do nordeste do Parque Natural do Montesinho será possível ver o eclipse como total e a única povoação ainda dentro da faixa da totalidade será a pequena aldeia de Guadramil, onde a totalidade irá durar apenas 10 segundos. No resto do território nacional, a ocultação varia entre os 72% nos Açores e os 99,9% em Bragança. Este eclipse termina ao pôr-do-sol (em algumas localidades termina mesmo depois do Sol se pôr), mas o máximo será visível em todo o país.
Eclipse do Sol de 12 de agosto 2026 | |||||
Ocultação máxima | Início do eclipse | Máximo | Fim do eclipse | Altura do Sol no máximo | |
Flores | 72,64% | 17:30:42 | 18:33:21 | 19:31:08 | 28,7° |
Santa Maria | 76,29% | 17:38:43 | 18:39:20 | 19:35:16 | 21,8° |
Ponta Delgada | 77,10% | 17:36:53 | 18:37:50 | 19:34:04 | 22,5° |
Funchal | 77,43% | 18:49:28 | 19:46:49 | 20:39:55 | 13,3° |
Lagos | 92,24% | 18:42:15 | 19:38:38 | * | 9,1° |
Vila Real Sto. António | 93,29% | 18:42:12 | 19:38:15 | * | 8,2° |
Almodôvar | 93,34% | 18:41:35 | 19:37:52 | * | 8,8° |
Sines | 93,46% | 18:40:43 | 19:37:18 | * | 9,6° |
Beja | 94,27% | 18:40:42 | 19:37:02 | * | 8,9° |
Lisboa | 94,39% | 18:38:17 | 19:36:07 | 20:29:07 | 10,3° |
Évora | 95,09% | 18:39:42 | 19:36:09 | * | 9,3° |
Caldas da Rainha | 95,46% | 18:38:02 | 19:34:59 | 20:28:07 | 10,6° |
Elvas | 96,08% | 18:39:13 | 19:35:31 | * | 8,9° |
Tomar | 96,26% | 18:37:47 | 19:34:34 | 20:27:34 | 10,1° |
Coimbra | 97,09% | 18:36:42 | 19:33:35 | 20:26:42 | 10,4° |
Castelo Branco | 97,17% | 18:37:30 | 19:34:04 | * | 9,6° |
Viseu | 98,06% | 18:35:53 | 19:32:43 | 20:25:49 | 10,3° |
Porto | 98,17% | 18:34:56 | 19:32:03 | 20:25:24 | 11,1° |
Guarda | 98,30% | 18:36:14 | 19:32:51 | 20:25:47 | 9,8° |
Viana do Castelo | 98,70% | 18:33:55 | 19:31:10 | 20:24:39 | 11,5° |
Vila Real | 98,94% | 18:34:47 | 19:31:40 | 20:24:50 | 10,5° |
Chaves | 99,55% | 18:34:02 | 19:30:54 | 20:24:05 | 10,5° |
Miranda do Douro | 99,87% | 18:34:37 | 19:31:07 | 20:23:59 | 9,6° |
Bragança | 99,91% | 18:34:00 | 19:30:42 | 20:23:44 | 10,1° |
Dados de observação do eclipse de 12 de agosto de 2026, em algumas localidades selecionadas. Todas as horas indicadas são hora local (Portugal Continental e Madeira: UTC+1 ; Açores: UTC). Dados calculados por Fred Espenak (NASA/GSFC), , disponíveis em eclipse.gsfc.nasa.gov * O eclipse termina depois do pôr-do-sol. |
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- Ricardo Cardoso Reis é licenciado em Astronomia e está a concluir o Mestrado em Ensino e Divulgação das Ciências, ambos pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Trabalha há mais de 20 anos em comunicação de ciência, na promoção da cultura científica e em educação não-formal. Atualmente é técnico de divulgação no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), onde trabalha como produtor e apresentador no Planetário do Porto – Centro Ciência Viva e como comunicador no Grupo de Comunicação de Ciência do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).