Uma equipa internacional com a participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) utilizou o telescópio James Webb para encontrar objetos com massa equiparável à de planetas, mas soltos no espaço interestelar.
Qual é a massa mínima com que um corpo pode nascer nos berços das estrelas, nas nebulosas de gás molecular? Na sua procura por objetos cada vez menos massivos e menos quentes do que as estrelas, os astrónomos já descobriram corpos que têm menos do que dez vezes a massa de Júpiter. Esta massa é equiparável às dos planetas extra-solares gigantes, com a diferença de não estarem em órbita de nenhuma estrela.
Uma equipa internacional, de que faz parte Koraljka Mužić, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), utilizou o telescópio James Webb (JWST) para descobrir seis potenciais novos objetos com massa planetária no enxame de estrelas da nuvem molecular NGC 1333, na constelação do Perseu, a mais de 960 anos-luz. Nenhum deles tem menos de cinco vezes a massa de Júpiter, o que sugere que corpos mais leves serão raros ou mesmo inexistentes neste enxame.
“O resultado mais importante é que não encontrámos objetos com massas mais pequenas do que cinco massas de Júpiter, apesar de tecnicamente ter sido possível encontrá-los”
Koraljka Mužić
A Agência Espacial Europeia publica hoje a imagem mais nítida de NGC 1333 produzida a partir destas observações com o JWST realizadas em agosto de 2023. Os resultados científicos são apresentados num artigo1 já disponível na plataforma arXiv e que será publicado nos próximos dias na revista The Astronomical Journal, sendo primeiro autor Adam Langeveld, da Universidade de Johns Hopkins e do Instituto Carl Sagan – Universidade de Cornell, nos EUA.
Quantos destes objetos de massa planetária existem livres no espaço interestelar? E como se formam? “As duas perguntas estão ligadas, porque os números destes objetos irão dizer alguma coisa sobre os seus processos de formação”, diz Koraljka Mužić, segunda autora do artigo. “Descobrimos que os objetos de massa planetária são dez por cento da população total de objetos do enxame de estrelas em NGC 1333.”
Pensa-se que os corpos de massa planetária (menos de 13 vezes a massa de Júpiter2) poderão ter duas origens. Uma delas é formarem-se como as estrelas – pelo colapso gravitacional de matéria em nuvens densas e frias – mas não conseguirem reunir material suficiente para que no seu interior se atinjam as temperaturas necessárias à ignição de fusão nuclear.
A outra origem será em comum com os planetas: em órbita de uma estrela, mas de onde terão sido depois catapultados pela interação com um planeta maior, ou por uma outra estrela próxima. Um e outro processo poderão gerar duas famílias de objetos de características diferentes.
A proporção de um corpo de massa planetária para cada dez mais massivos do que 13 “Júpiteres” é concordante com estudos noutros enxames, afirmam os autores. No entanto, os objetos que a equipa descobriu terão sido na sua maioria gerados pelo processo que produz as estrelas, e serão os de menor massa formados por essa via.
“O resultado mais importante é que não encontrámos objetos com massas mais pequenas do que cinco massas de Júpiter, apesar de tecnicamente ter sido possível encontrá-los”, acrescenta Mužić. “Se os planetas mais pequenos são os mais comuns, segundo os estudos de planetas extra-solares, e também os mais fáceis de ejetar da sua órbita, então esperávamos ver mais destes objetos errantes de massa pequena.” A investigadora ressalva, no entanto, que não existem ainda simulações nem trabalhos teóricos que forneçam quantidades para comparação.
A equipa de investigadores avança a hipótese de que os processos gravitacionais que expulsam planetas das suas órbitas podem não ser tão eficazes neste enxame NGC 1333. “É expectável que a ejeção dos planetas dependa do ambiente, por exemplo, se houver uma densidade de estrelas maior, isso favorece as ejeções”, explica Koraljka Mužić. “Por isso queremos olhar para outros enxames mais densos, que têm maior densidade de estrelas, para ver se há alguma diferença.”
Esta equipa já estuda o enxame de estrelas em NGC 1333 desde 2009 com outros instrumentos no infravermelho, como o telescópio Subaru, no Havai, do Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ). Mas só agora, com a sensibilidade no infravermelho do telescópio James Webb, é possível encontrar corpos com menos de cinco vezes a massa de Júpiter, se de facto existirem.
Para calcular a massa destes objetos, é necessário conhecer primeiro a sua idade e temperatura, porque as três características estão relacionadas. Os cientistas procuram-nos em enxames de estrelas porque aí deverão ter a mesma idade das estrelas do enxame. Em NGC 1333 são muito jovens, no máximo têm três milhões de anos. Já quanto à temperatura, esta é determinada pelas frequências de luz em que a sua superfície emite com maior intensidade.
Estes mundos errantes têm pouco em comum com Júpiter. Para além de não orbitarem uma estrela, a sua temperatura à superfície pode chegar aos 1700° C. Mas pouco se sabe ainda sobre a sua composição química, que poderia talvez revelar o seu processo de formação, ao compará-la com a das anãs castanhas e a dos exoplanetas. “Modelar os espectros da luz emitida por estes objetos é muito difícil, porque nestas temperaturas muito baixas formam-se moléculas nas suas atmosferas”, diz Koraljka Mužić.
“Estamos a planear uma caracterização mais detalhada da química, discos, pares de objetos e os seus movimentos no enxame. O principal objetivo é encontrar sinais que nos contem algo sobre a sua origem.”
Aleks Scholz
São moléculas como água, metano ou monóxido de carbono que permitem distinguir uma anã castanha de uma estrela normal. Mas no caso dos corpos de menor massa e menos quentes, as moléculas e os átomos mais pesados geram demasiados sinais nos espectros e é difícil incorporar toda a física para os simular.
Dos seis objetos descobertos, o mais leve possui um disco de material à sua volta. Mužić explica a importância deste achado: “Se tem um disco, então seguramente formou-se como uma estrela, porque um planeta que tenha sido ejetado em princípio não terá um disco. As estrelas jovens, todas passam por uma fase em que têm um disco protoplanetário.”
Será importante perceber se estes discos poderão originar sistemas planetários em miniatura, como as luas de Júpiter, comenta Adam Langeveld, primeiro autor do estudo. Langeveld acrescenta: “Também descobrimos um corpo de massa planetária companheiro de uma anã castanha. O par ter-se-á formado do mesmo modo que as estrelas binárias. Esta é uma descoberta rara e que fornece contexto para as teorias sobre a formação de estrelas e planetas.”
“Estamos a planear uma caracterização mais detalhada da química, discos, pares de objetos e os seus movimentos no enxame”, diz Aleks Scholz, da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, coautor do artigo e coordenador destes projetos de observação com o JWST. “O principal objetivo é encontrar sinais que nos contem algo sobre a sua origem.”
Notas
- O artigo “The JWST/NIRISS Deep Spectroscopic Survey for Young Brown Dwarfs and Free-Floating Planets”, de Adam B. Langeveld, Aleks Scholz, Koraljka Mužić, et al., foi publicado na plataforma arXiv e será publicado nos próximos dias na revista científica The Astronomical Journal, Volume 168 (DOI: 10.3847/1538-3881/ad6f0c).
- Corpos com menos de cerca de 13 vezes a massa de Júpiter não conseguem gerar energia pela fusão nuclear. Acima deste limiar inferior conseguem fundir o deutério, um isótopo do hidrogénio, e assim produzir energia, mas por um curto período de tempo. As anãs castanhas são parecidas com Júpiter em tamanho, ainda que possam ter dezenas de vezes a sua massa, porque são muito mais densas. Só corpos com mais de 75 vezes a massa de Júpiter (ou 0,08 massas solares) é que são considerados estrelas porque conseguem gerar energia por fusão nuclear do hidrogénio.
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