Descobertos exoplanetas raros a orbitar estrelas gigantes

Imagem artística de um “júpiter quente” em órbita de uma estrela gigante vermelha. (Crédito: Tania Cunha (Planetário do Porto - Centro Ciência Viva & Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço))

Exoplanetas gigantes, semelhantes a Júpiter, são comuns no Universo. Mas em estrelas de massa intermédia e mais perto do fim da sua vida, a frequência deste tipo de planetas diminui consideravelmente – atualmente, menos de 5% dos planetas conhecidos orbitam estrelas com massa superior a 1,6 vezes a massa do Sol. Em dois artigos1,2 recentemente publicados, liderados pelos investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA3), Elisa Delgado-Mena e Filipe Pereira, foram anunciadas as descobertas de dois “júpiteres” e dois “júpiteres quentes4” à volta de estrelas deste tipo.

Elisa Delgado Mena (IA & Universidade do Porto) explica que, no caso da investigação da sua equipa, “a diminuição abrupta da frequência de deteção de planetas gigantes em torno de estrelas com massas superiores a duas vezes a massa do Sol levou-nos a observar enxames abertos jovens, uma vez que contêm muitas estrelas de massa intermédia na fase gigante. É mais fácil detetar planetas nesta fase, quando as estrelas já arrefeceram e têm uma rotação mais lenta, o que nos permite medir velocidades radiais5 a partir do seu espectro”.

Devido a esta dificuldade, a equipa iniciou um rastreio sistemático, que já dura há 17 anos, com o espectrógrafo HARPS, montado no Telescópio de 3,6 metros do ESO. A equipa mediu velocidades radiais de mais de 140 estrelas gigantes, em 17 enxames de estrelas abertos. Observações que englobam um período de tempo tão grande são essenciais para a deteção de planetas de longo período e também para se poder distinguir variações de velocidades radiais causadas por planetas em órbita, da atividade da própria estrela.

Neste trabalho, a equipa analisou seis dessas estrelas, das quais quatro apresentavam sinais provocados por atividade estelar. No enxame aberto IC4651, à volta da estrela nº 9122, com 1,8 vezes a massa do Sol, deteram um planeta com 6,2 vezes a massa de Júpiter e com um período de 744 dias. Já no enxame aberto NGC3680, na estrela nº41, com 1,64 vezes a massa do Sol, detetaram um exoplaneta com uma massa cerca de 5 vezes superior à de Júpiter, com um período orbital de 1155 dias. Por comparação, Marte tem um período orbital de 687 dias e Júpiter de 4333 dias.

Mas os dados mais surpreendentes foram encontrados em 4 estrelas. Estas apresentam sinais periódicos de longo período, estáveis há mais de 15 anos, que apesar de aparentarem ser causados por planetas, na realidade têm origem estelar. “É um mistério como é que estes sinais estelares podem durar tanto tempo e se serão causados por campos magnéticos ou outro tipo de fenómenos estelares. O nosso trabalho mostra que podem existir vários ‘impostores planetários’, que só conseguimos desvendar depois de observações a longo prazo”, acrescentou Elisa Delgado Mena.

No artigo liderado por Filipe Pereira (IA & Dep. de Física e Astronomia (DFA) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)), a equipa usou dados de trânsitos6, obtidos com o observatório espacial TESS (NASA), para detetar dois júpiteres quentes, à volta de estrelas gigantes vermelhas. Estas observações foram posteriormente confirmadas com medições de velocidades radiais, obtidas com telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO), do Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo (CTIONOIRLab) e do Observatório W. M. Keck.

À volta da estrela TOI-4377 a equipa detetou um exoplaneta com 0,96 vezes o diâmetro e 1,35 vezes a massa de Júpiter, a orbitar em apenas 4,38 dias, a uma distância de apenas 0,058 unidades astronómicas7 da estrela. Já à volta da estrela TOI-4551 a equipa detetou um exoplaneta com cerca de 1,06 vezes o diâmetro e 1,5 vezes a massa de Júpiter, que orbita a sua estrela em pouco menos de 10 dias e a uma distância de 0,1 unidades astronómicas. Por comparação, Mercúrio demora 88 dias a orbitar o Sol, a uma distância média de 0,4 unidades astronómicas (ou 58 milhões de quilómetros).

Estes são dois exemplos raros de “júpiteres quentes” a orbitar estrelas gigantes vermelhas. Rastreios sistemáticos usando velocidades radiais inicialmente sugeriam que estes planetas seriam destruídos pela sua estrela,a o que explicaria a pequena quantidade detetada deste tipo de exoplanetas. No entanto, resultados mais recentes, com base em dados do TESS, parecem sugerir que este processo de destruição ocorre mais tarde do que o inicialmente estimado.

“Ao calcularmos modelos de estrutura interna dos planetas, percebemos que estes têm o seu diâmetro inchado devido à irradiação da estrela, que está muito próxima. Para além disso, este aumento do diâmetro planetário está a ocorrer de forma rápida, uma vez que o aumento do tamanho dos planetas já corresponde à atual irradiação a que estão sujeitos, a qual só aumentou recentemente, devido à estrela ter chegado à sua fase mais velha”, explica Filipe Pereira.

Ambos os investigadores são membros das equipas A deteção e caracterização de outras Terras e Rumo a um estudo abrangente de estrelas do IA. Esta sinergia entre a investigação de estrelas e planetas é extremamente importante para conseguir caracterizar, de forma mais precisa, a relação entre a composição das estrelas-mãe, e a presença e o tipo de exoplanetas em seu redor. Os dois estudos são determinantes no caminho para decifrar, cada vez mais, os mecanismos de formação e evolução de planetas.

Para o líder do grupo “A detecção e caracterização de outras Terras” do IA, Nuno Cardoso Santos: “A participação do IA nestes estudos faz parte de uma estratégia mais abrangente para promover a investigação em exoplanetas em Portugal, através da construção, desenvolvimento e definição científica de vários instrumentos e missões espaciais, como a missão Cheops (ESA), já em órbita. Esta estratégia irá continuar durante os próximos anos, com o lançamento do telescópio espacial PLATO (ESA), a missão Ariel (ESA) e a instalação do espectrógrafo ANDES, no maior telescópio da próxima geração, o ELT do ESO.”

 


Notas

  1. O O artigo “TESS Giants Transiting Giants V – Two hot Jupiters orbiting red-giant hosts”, por Filipe Pereira, Samuel K Grunblatt, Angelica Psaridi, Tiago L Campante, Margarida S Cunha, Nuno C Santos, Diego Bossini, Daniel Thorngren, Coel Hellier, François Bouchy, Monika Lendl, Dany Mounzer, Stéphane Udry, Corey Beard, Casey L Brinkman, Howard Isaacson, Samuel N Quinn, Dakotah Tyler, George Zhou, Steve B Howell, Andrew W Howard, Jon M Jenkins, Sara Seager, Roland K Vanderspek, Joshua N Winn, Nicholas Saunders e Daniel Huber, foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, stad3449, (DOI: 10.1093/mnras/stad3449)
  2. O artigo “Planets around evolved intermediate-mass stars. III. Planet candidates and long-term activity signals in six open clusters”, por Elisa Delgado Mena, João Gomes da Silva, João P. Faria, Nuno C. Santos, Jorge H. Martins, Maria Tsantaki, Annelies Mortier, Sérgio G. Sousa e Christophe Lovis, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics Vol.679, A94 (DOI: 10.1051/0004-6361/202346890)
  3. Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  4. Um “júpiter quente” é um tipo de exoplaneta gigante gasoso, semelhante a Júpiter, mas que orbita a sua estrela a uma distância bastante inferior à que Mercúrio orbita o Sol. Pensa-se que estes exoplanetas se formam numa órbita mais longínqua e que mais tarde migram para próximo da estrela.
  5. O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
  6. O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
  7. Uma Unidade Astronómica (ua) é a distância média entre a Terra e o Sol, correspondendo a cerca de 150 milhões de quilómetros.

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