O “dínamo renascido” da gémea envelhecida do Sol

Imagem do Sol, observada em ultravioleta pelo telescópio espacial solar SDO (NASA), em outubro de 2014, que mostra vários arcos coronais. (Crédito: NASA/SDO & Equipa Científica AIA)

A equipa, liderada por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, obteve novas medições magnéticas de β Hydri, uma estrela análoga ao futuro do Sol, revelando uma atividade surpreendente.

Uma equipa internacional1, liderada pela investigadora do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) Ângela Santos, realizou a primeira medição do campo magnético de β Hydri, uma estrela subgigante envelhecida e análoga ao Sol, situada nas proximidades do nosso Sistema Solar. Este resultado, publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics3, revelou uma travagem magnética inesperadamente intensa, apoiando o cenário de um “dínamo renascido” em estrelas na fase de subgigante.

Ângela Santos (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do PortoDFA-FCUP), primeira autora do artigo, afirma: “Em anos recentes, temos descoberto que a evolução da atividade magnética em estrelas é significativamente mais complexa que pensado anteriormente. Ao estudar estrelas semelhantes ao Sol, como β Hydri, particularmente em fases de evolução diferentes, é chave para construir uma imagem completa de como as estrelas e os seus sistemas envelhecem.”

β Hydri é uma das estrelas mais brilhantes visíveis a olho nu no céu austral e uma das estrelas mais estudadas além do Sol. Com uma massa ligeiramente superior à do nosso Sol e numa fase mais avançada da sua evolução, tem sido utilizada frequentemente como modelo para compreender o futuro do Sol enquanto estrela subgigante.

Apesar da sua idade, β Hydri apresenta sinais de um ciclo de atividade magnética semelhante ao do Sol — um comportamento inesperado para uma estrela nesta fase da sua evolução. A equipa obteve dados espectropolarimétricos de alta precisão com o instrumento HARPSpol, montado no telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), em La Silla (Chile). Estas observações permitiram, pela primeira vez, medir diretamente o campo magnético à superfície da estrela.

A nossa análise mostra que β Hydri está a sofrer uma travagem magnética várias vezes mais intensa do que a do Sol. Este é um sinal claro de que a estrela possui um dínamo de larga escala, o que é surpreendente numa subgigante.
Ângela Santos

Combinando esta medição com parâmetros estelares obtidos a partir de estudos anteriores, incluindo recentes dados fotométricos obtidos pela missão espacial TESS (NASA), permitiu aos investigadores calcular a travagem magnética atual de β Hydri, o processo pelo qual uma estrela perde momento angular devido ao seu vento magnético.

Esta descoberta dá força ao cenário emergente de um “dínamo renascido”, em que estrelas subgigantes — após uma fase de menor atividade magnética, típica da meia-idade — podem reativar a sua atividade magnética à medida que o seu envelope exterior se expande.

“Este tipo de comportamento desafia a nossa compreensão convencional da evolução magnética estelar e faz de β Hydri um caso de referência para testar e refinar modelos de travagem magnética e de evolução do dínamo em estrelas solares envelhecidas,” afirma Tiago Campante, líder do Grupo de Investigação em Astrofísica Estelar do IA e professor do DFA-FCUP.

O coautor  Ricardo Gafeira (IA & Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – FCTUC) acrescenta: “Isto também tem implicações para os ambientes planetários, porque β Hydri parece ter reacendido o seu motor magnético, o que poderá aumentar os riscos associados ao clima espacial para quaisquer planetas em sua órbita.”

Como gémea envelhecida do Sol, β Hydri oferece-nos uma visão do futuro magnético da nossa própria estrela — e, talvez, um aviso para os planetas que orbitam estes sóis “reformados”.

Este estudo sublinha o papel de liderança científica do IA na investigação da ligação Sol-estrela, um campo multidisciplinar que combina a evolução estelar, a asterossismologia4 e a modelação de campos magnéticos.


Notas

  1. A equipa é composta por:  A. R. G. Santos, T. S. Metcalfe, O. Kochukhov, T. R. Ayres, R. Gafeira, and T. L. Campante.
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  3. O artigo “Magnetic braking and dynamo evolution of β Hydri”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202554730).
  4. A asterossismologia é o estudo do interior das estrelas através da sua atividade sísmica medida à superfície. Em sismologia, os diferentes modos de vibração de um tremor de Terra podem ser usados para estudar o interior da Terra, ao fornecerem dados acerca da composição e profundidade das diversas camadas. De forma semelhante, as oscilações observadas à superfície de uma estrela podem ser usadas para inferir dados sobre a sua estrutura interna, composição e idade. Este e outros temas de astrofísica estelar são desenvolvidos numa App interativa, direcionada a não-especialistas, disponível aqui..

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Ricardo Cardoso Reis (Porto); Joana Saraiva (Lisboa); Filipe Pires (coordenação)