O lado negro do Sol

Flare (labareda) solar na região superior esquerda do Sol, observada a 7 de março de 2012 pelo Solar Dynamics Observatory, da NASA.

Flare (labareda) solar na região superior esquerda do Sol, observada a 7 de março de 2012 pelo Solar Dynamics Observatory, da NASA. Fenómenos violentos na superfície da nossa estrela, como este, de que não nos apercebemos no dia-a-dia, podem de facto afetar o nosso quotidiano, ao perturbarem o fornecimento de corrente elétrica, as comunicações, ou apagando dados informáticos.
Créditos: NASA/GSFC/SDO

Num momento rebelde, um maior brilho da nossa estrela pode significar um apagão na Terra, e não nos referimos apenas a um corte de eletricidade. A pergunta é: Quando é que acontece o próximo?

Artigo de Ricardo Gafeira, Teresa Barata e Nuno Peixinho1 em parceria com a National Geographic Portugal

 

Em 13 de março de 1989, no Canadá, seis milhões de pessoas ficaram nove horas sem eletricidade. A transmissão de corrente da estação hidroelétrica no Québec tinha sido perturbada. Mais a sul, nos EUA, no estado de Nova Jérsia, alguns transformadores de corrente derreteram. Já em fevereiro de 2022, a iniciativa de internet global Starlink perdeu 40 satélites. Em ambos os casos, a causa estava a 1,5 milhões de quilómetros da Terra.

O Sol é a estrela que melhor podemos observar, por estarmos tão perto dela. Desde a Antiguidade e durante séculos, foi considerada um objeto perfeito. A ciência moderna veio, no entanto, revelar muitos dos fenómenos que nela ocorrem, tão espetaculares como ameaçadores. Vários permanecem por explicar. Hoje é ainda impossível prever os “humores”, energéticos e violentos, da nossa estrela mãe, que podem afetar seriamente o quotidiano das nossas sociedades tecnológicas.

Imagem das camadas mais externas da atmosfera solar obtida na luz ultravioleta pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da NASA.
Imagem das camadas mais externas da atmosfera solar obtida na luz ultravioleta pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da NASA. Nesta imagem é possível ver um ponto muito brilhante na parte central inferior que é uma flare (labareda) solar de média intensidade. Esta flare solar ocorreu dentro de uma região ativa que é caracterizada neste tipo de imagens por uma região mais brilhante que o resto do disco solar. Esta flare não atingiu a Terra, mas na eventualidade de atingir o nosso planeta, causaria perturbações nas comunicações em latitudes perto dos polos e seria também prejudicial para os astronautas.

Créditos: NASA/SDO

As reações nucleares no interior do Sol, permanentes e estáveis por muitos milhões de anos, são o garante de que recebemos e receberemos a sua luz, calor e energia num fluxo constante e quase inalterável. Precavemo-nos contra alguns dos seus perigos, como a excessiva exposição à luz ultravioleta, mas o Sol manifesta-se por outras formas que, a curto ou longo prazo, podem afetar sistemas elétricos e eletrónicos, bem como o próprio clima da Terra.

Várias estruturas foram observadas na sua superfície e atmosfera – o conjunto das camadas mais exteriores e que esconde o interior do Sol. São regularmente observadas manchas (zonas menos quentes que as circundantes), e, mais raramente, gigantescas labaredas (em inglês, solar flares) e ejeções de matéria a grande velocidade.

Por isso, a nossa estrela há muito que já não é vista como uma esfera perfeita. De forma a procurar compreender e explicar estes fenómenos, desde a Antiguidade que muitas foram as ideias apresentadas para a sua origem, algumas delas baseadas em misticismos e outras crenças.

Interpretação artística dos sectores económicos que podem ser afetados por uma tempestade solar.
Interpretação artística dos sectores económicos que podem ser afetados por uma tempestade solar. No topo da imagem vemos a ejeção de duas massas coronais, que são emitidas em todas as direções pelo Sol, e que podem encontrar a Terra no seu percurso. Este evento pode provocar danos muito prejudiciais, direta e indiretamente, em vários sectores sociais e económicos, os quais estão exemplificados na parte inferior da imagem.

Créditos: ESA/Science Office (versão portuguesa: IA)

A ciência encontra o seu lugar ao Sol

Os primeiros registros de atividade solar até agora identificados datam de 800 a.C. e foram feitos por astrónomos chineses. São registos do aparecimento de zonas escuras na superfície do Sol, que hoje chamamos manchas solares. Na altura, a civilização chinesa acreditava que estas zonas permitiam prever eventos importantes, à guisa de oráculo. Outros registos semelhantes foram feitos depois por astrónomos no mundo inteiro, mas nunca de forma regular ou sistemática.

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  1. Ricardo Gafeira é investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA)  e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Doutorou-se em Física Solar pelo Instituto Max Planck para a Investigação do Sistema Solar e pela Universidade de Göttingen. A sua investigação é focada na atmosfera solar, tanto na componente observacional como no desenvolvimento de instrumentos. Coordena o núcleo de observações astronómicas do Observatório Geofísico e Astronómico da Universidade de Coimbra (OGAUC), e é coinvestigador principal de um instrumento que será instalado no futuro European Solar Telescope (EST).

    Teresa Barata é investigadora do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Doutorou-se em Ciências de Engenharia pelo Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. A sua investigação centra-se na análise de imagem, atividade solar, meteorologia espacial e os seus impactos em setores económicos. É Subdiretora do Observatório Geofísico e Astronómico da Universidade de Coimbra (OGAUC) e também Coordenadora Nacional da International Space Weather Initiative (ISWI) para Portugal.

    Nuno Peixinho é investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Doutorou-se em Astronomia e Astrofísica pela Universidade de Lisboa. A sua investigação centra-se nas ciências planetárias, com ênfase nos pequenos corpos do sistema solar, na física solar e na erosão espacial e lixo espacial. É Delegado Português no Comité de Utilizadores do Observatório Europeu do Sul (ESO UC), Co-Coordenador Nacional de Educação em Astronomia (NAEC) da União Astronómica Internacional (IAU) e membro do Comité Interino da Associação Europeia de Meteorologia Espacial e Clima Espacial (E-SWAN).