Faróis na vastidão cósmica – a ciência dos blazares

Conceção artística de um quasar

Conceção artística de um quasar, com a luz do material sobreaquecido no centro, e o jacto perpendicular ao disco, emitido pelo buraco negro. Este é extremamente pequeno e não visível na imagem, mas tem milhões de vezes mais massa do que o Sol.
Créditos: ESO/M. Kornmesser

No palco dos mistérios cósmicos brilha um titã: os blazares. São fontes de jatos poderosos, apontados para a Terra, e disparados por buracos negros que concentram a massa de mil milhões de sóis. Estes fenómenos raros são ideais para explorar a ciência das altas energias.

Artigo de Bruno Arsioli1 publicado no âmbito de uma colaboração entre o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e a National Geographic Portugal.


No grande espetáculo do Universo, os blazares são verdadeiros fogos de artifício, pois emitem luz em toda amplitude do espectro eletromagnético, desde as ondas no rádio até aos raios gama de altas energias. São capazes de produzir fotões mais de mil milhões de vezes mais energéticos do que os raios X utilizados nas radiografias nos hospitais.

Das cerca de 7000 fontes de raios gama já encontradas, mais de metade corresponde a blazares. Os blazares são portanto peças centrais para estudarmos o Universo nas altas energias, e podem ser usados como laboratórios para sondarmos os fenómenos mais extremos da natureza.

Mas afinal, qual é a origem desde fenómeno tão surpreendente?

Um fenómeno raro, e uma janela sobre o passado

No Universo existem buracos negros com massa superior a mil milhões de sóis, e que vivem nos centros das maiores galáxias conhecidas. Estes buracos negros, chamados ‘supermassivos’ , são verdadeiras fabricas cósmicas.

Os blazares correspondem apenas àqueles jatos que nos atingem, e produzem no nosso céu um deslumbrante espetáculo astrofísico.

À medida que absorvem o gás e a poeira no interior das galáxias, forma-se em seu redor um disco de matéria sujeita a intensa fricção, e que se torna extremamente quente, atingindo o estado de plasma. Efetivamente, este mecanismo converte energia gravitacional em emissão luminosa, criando objetos astrofísicos extremamente brilhantes, os quasares.

Alguns quasares lançam jatos de partículas de regiões muito próximas do buraco negro. Nos casos mais extremos, as partículas possuem tamanha energia que elas se movem a velocidades próximas da velocidade da luz. Os mecanismos físicos que produzem estes poderosos jatos ainda são um mistério para a física moderna, mas pensa-se que possam estar relacionados com a intensa torção do campo magnético provocada pela rápida rotação do plasma em torno do buraco negro.

Emissão em ondas rádio associada à galáxia Hércules A
Esta imagem representa a cor rosa a emissão em ondas rádio associada à galáxia Hércules A, sobreposta à imagem na luz visível da mesma região do céu. Dois jactos de material, diametralmente opostos e de perfil para a Terra, estão a ser projetados pelo centro da galáxia. Os jactos podem ter dimensões largamente superiores às da própria galáxia que os gera. Créditos: NASA, ESA, S. Baum and C. O’Dea (RIT), R. Perley and W. Cotton (NRAO/AUI/NSF), and the Hubble Heritage Team (STScI/AURA)

Por vezes, estes jatos estão diretamente alinhados com a Terra, e dão origem a um fenómeno curioso e esplendoroso que conhecemos como blazares. Os blazares são fenómenos raros, dado ser pouco provável que os jatos estejam precisamente alinhados diretamente com a Terra.

Para cada blazar observado aqui da Terra, existem milhares de outros buracos negros supermassivos que produzem jatos apontados para outras direções. Os blazares correspondem apenas àqueles jatos que nos atingem, e produzem no nosso céu um deslumbrante espetáculo astrofísico.

Um dos raros blazares aqui assinalado com uma seta amarela, localizado numa galáxia elíptica gigante, visível na constelação da Ursa Maior.
Um dos raros blazares aqui assinalado com uma seta amarela, localizado numa galáxia elíptica gigante, visível na constelação da Ursa Maior. As duas fontes de luz brilhantes na imagem são estrelas da nossa galáxia.
Créditos: Digitized Sky Survey – STScI

A extrema luminosidade dos blazares permite vê-los a grandes distâncias. Estudá-los é como abrir uma janela para o passado longínquo do Cosmos. Ajudam-nos a compreender como as galáxias evoluíram ao longo da história do Universo, e permitem-nos investigar o papel desempenhado pelos buracos negros enquanto devoram matéria no centro das galáxias.

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Os corações de algumas galáxias estão entre os lugares mais violentos no Universo, potenciados por buracos negros titânicos. Alguns destes buracos negros engolem, em cada ano, a massa de mil Sóis. Cheguemo-nos um pouco mais perto.
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A chave para os mistérios da física moderna

Os blazares também podem ser a chave para resolver alguns dos maiores mistérios da física moderna, como a origem das partículas de ultra-alta energia encontradas nos chamados raios cósmicos, que atingem a Terra. A possibilidade de que os blazares sejam a fonte de partículas tão enigmáticas é objeto de intensa pesquisa. Um dos desenvolvimentos mais recentes envolve o observatório de neutrinos, o IceCube, localizado no Polo Sul.

O observatório de neutrinos IceCube, no polo sul, Antártida.
O observatório de neutrinos IceCube, no polo sul, Antártida.
Créditos: Erik Beiser, IceCube/NSF

O Universo é permeado por uma constante chuva de partículas subatómicas conhecidas como neutrinos, e que são particularmente difíceis de detetar, porque interagem muito pouco com a matéria. Com o IceCube, conseguimos detetar neutrinos de altas energias.

Uma questão que se tenta responder com este observatório é “Que processos cósmicos poderosos os conseguem produzir?” Os blazares emergem como candidatos naturais para responder a essa questão. Com o seu potente jato de alta energia diretamente apontado para nós, os blazares têm o potencial de produzir partículas que atingem incríveis níveis de energia.

A sua localização extremamente distante e a luminosidade pontual tornam-nos referenciais absolutos no espaço, sendo utilizados em aplicações tão diversas quanto a medição dos movimentos tectónicos ou a navegação por satélite.

Um recente trabalho publicado na revista Science estabeleceu uma relação entre os neutrinos e o blazar TXS 0506+056, um facto que teve grande impacto na comunidade de cientistas da área da física de partículas, ou mais especificamente, no domínio das astropartículas. Esta relação indica que os jatos de partículas lançadas a velocidades extremas por buracos negros podem conter também protões, para além dos eletrões, que eram já tidos como certos nesses jatos.

Esta descoberta é histórica. Ela fornece a primeira evidência de uma origem concreta para os neutrinos de alta energia, e fortalece também a ligação, já antes presumida, entre os blazares e as astropartículas de ultra-alta energia.

Conceção artística do quasar 3C 279, cujo eixo está quase alinhado com a direção da Terra.
Créditos: ESO/M. Kornmesser

Faróis na escuridão… e como nos trazem de volta para casa

Quasares e blazares são verdadeiros titãs do Cosmos, com o seu espetáculo de energia e luz, que testam a nossa capacidade de imaginar, tão longe que estão da nossa experiência quotidiana. A sua importância científica vai muito além da mera observação. Como vimos, as suas emissões de altas energias lançam luz sobre os processos mais misteriosos e poderosos do Universo, constituindo assim objetos de estudo centrais da física moderna.

Um diagrama do modelo unificado das galáxias ativas
Diagrama que ilustra como apenas quando o disco de material em volta do buraco negro se encontra orientado “de frente” para a Terra é que a luz intensa do plasma no seu centro é visível como um quasar.
Créditos: IA (imagem composta)/NASA/JPL-Caltech (imagens originais)

Que importância têm os blazares e quasares para a vida na Terra? De facto influenciam-nos diretamente. A sua localização extremamente distante e a luminosidade pontual tornam-nos referenciais absolutos no espaço, sendo utilizados em aplicações tão diversas quanto a medição dos movimentos das placas tectónicas da Terra, úteis para no futuro ser possível prever sismos, e a navegação por satélite através do sistema GPS.

Os satélites que constituem a rede global de posicionamento geográfico, o chamado GPS, recorrem aos quasares para saberem eles próprios em que posição estão no espaço, em relação ao globo terrestre. Assim, a luz que foi emitida há milhares de milhões de anos ajuda-nos a viajar e a encontrar os nossos caminhos.

De facto, estas fontes levam-nos de volta para casa, e fornecem um lembrete humilde de como nós, enquanto espécie moderna e tecnológica, estamos profundamente interligados com o Cosmos que nos rodeia.

Disponível sob licença de reutilização Creative Commons cc-by-sa

Também disponível no website da National Geographic Portugal »


  1. Bruno Arsioli é investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). A sua investigação envolve a análise de emissões em diversas bandas do espectro eletromagnético para desvendar os processos físicos que ocorrem nos objetos mais energéticos do Universo.

Revisão de texto e edição por Sérgio Pereira.