Foi há 100 anos que a Via Láctea saiu do centro do Universo

O disco da Via Láctea fotografado no deserto do Atacama, no Chile

O disco da Via Láctea fotografado no deserto do Atacama, no Chile. À esquerda, a pequena “nuvem” é a Grande Nuvem de Magalhães, galáxia satélite visível no hemisfério celeste austral, a 160 mil anos-luz. Créditos: A. Ghizzi Panizza/ESO

Há precisamente um século, o jornal New York Times anunciava que a nebulosa de Andrómeda era afinal outro “universo-ilha”, tão grande ou maior do que a Via Láctea. O Universo acabava de aumentar de tamanho dez vezes.

Artigo por Nelson Nunes, José Pedro Mimoso e Sérgio Pereira1 publicado no âmbito de uma colaboração entre o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e a National Geographic Portugal.

A 23 de Novembro de 1924, num curto artigo de 30 linhas no New York Times, cientistas e os outros leitores ficaram a saber que a nebulosa espiral na constelação de Andrómeda não é uma simples nuvem entre as estrelas, gás e poeira espalhados pelo firmamento. É sim um outro enorme conjunto de estrelas, gás e poeira, tão grande ou maior do que toda a Via Láctea e, em cálculos da época, a quase um milhão de anos-luz (o valor atualmente aceite é de 2,5 milhões de anos luz).

O tamanho da nossa galáxia Via Láctea – então sinónimo de Universo, ou seja, equivalente a tudo o que existe – só foi calculado há pouco mais de um século.

Foi o astrónomo norte-americano Edwin Powell Hubble que, da noite para o dia, mostrou à sociedade que o Universo era, pelo menos, dez vezes maior do que até então se acreditava ser.

O tamanho da Terra, o tamanho da Lua e a distância entre elas conhecem-se desde a Antiguidade. Já no que se refere às distâncias entre os planetas do sistema solar, só se tornou possível determiná-las no século XVIII.

Mas o tamanho da nossa galáxia Via Láctea – então sinónimo de Universo, ou seja, equivalente a tudo o que existe –  só foi calculado há pouco mais de um século, em 1920, pelo astrónomo norte-americano Harlow Shapley. A partir do Observatório do Monte Wilson do Instituto de Carnegie (Califórnia, EUA), Shapley obteve um valor que é o triplo do atualmente aceite, e que é de cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro2.

Quatro anos mais tarde, há precisamente 100 anos, e nesse mesmo observatório, Hubble colocava a “nebulosa” de Andrómeda muito para além das dimensões calculadas por Shapley para a nossa galáxia.

O telescópio de 2,5 metros de diâmetro, no Observatório de Mount Wilson
O telescópio de 2,5 metros de diâmetro, no Observatório de Mount Wilson, utilizado por Edwin Hubble para estudar a “nebulosa” de Andrómeda.
Créditos: Edison Hoge (aprox. 1940), arquivo de The Observatories of the Carnegie Institution for Science Collection at the Huntington Library, California (fonte).

A guerra das galáxias 

A imagem do Universo construída ao longo dos séculos XVIII e XIX era a de um conjunto de estrelas, gás e poeira que tinha a forma de um disco. Esse disco, visto a partir de dentro de si próprio, do ponto de vista da Terra, é a faixa leitosa da Via Láctea. 

Já no século XVIII o astrónomo inglês Thomas Wright e o filósofo alemão Immanuel Kant tinham sugerido que as nebulosas seriam “universos-ilha”, vastos conjuntos de estrelas para lá dos limites observáveis da Via Láctea.

Os telescópios, cada vez maiores, foram trazendo mais detalhe a esta imagem: muito mais estrelas, regiões escuras e opacas, nebulosas irregulares, outras com uma característica forma de espiral, e grupos de estrelas, distantes e compactos, a que se deu o nome de enxames globulares.

Foi o estudo de como estes enxames globulares se distribuem pelo espaço que permitiu a Shapley calcular a dimensão do disco da Via Láctea e localizar o centro deste disco na direção da constelação do Sagitário.

Desde a segunda metade do século XIX que a comunidade de astrónomos debatia a natureza das nebulosas e as distâncias a que se encontram. Já no século XVIII o astrónomo inglês Thomas Wright e o filósofo alemão Immanuel Kant tinham sugerido que as nebulosas seriam “universos-ilha”, vastos conjuntos de estrelas para lá dos limites observáveis da Via Láctea, mas os astrónomos encontravam-se divididos quanto a esta ideia.

No primeiro quartel do século XX, o debate procurava esclarecer a que distâncias estavam localizadas as nebulosas, e se seriam constituídas por estrelas ou apenas por gás. Além disso, qual seria a explicação para a maioria das nebulosas, sobretudo as que apresentam formas regulares, como as espirais, serem observadas fora, ou mesmo muito afastadas da zona do plano da Via Láctea, acima ou abaixo deste, nos espaços de céu quase desimpedidos de estrelas?

M55 é um dos muitos enxames globulares que orbitam o centro da Via Láctea
M55 é um dos muitos enxames globulares que orbitam o centro da Via Láctea, em órbitas que não coincidem com o disco da galáxia. Créditos: ESO

Este debate tinha-se intensificado com o assinalável progresso das observações astronómicas nas duas primeiras décadas do século XX, tanto com os novos telescópios, como com o aperfeiçoamento da fotografia.

Culminou no agendamento de um confronto público entre dois dos mais reconhecidos defensores de cada uma das posições antagónicas, o já mencionado Harlow Shapley e Herber D. Curtis. Shapley, comparando-as aos enxames globulares por si estudados, defendia que as nebulosas eram pequenos objetos constituintes da Via Láctea. Curtis defendia a teoria dos “universos-ilha”, autónomos da Via Láctea. Foi organizada uma sessão pública a 26 de Abril de 1920 na National Academy of Sciences, em Washington D.C., em que os dois protagonistas explanaram os seus argumentos. 

Podemos dizer que os oponentes discutiram se a palavra Galáxia deveria ter plural. Galáxia vem do termo grego para “leitoso” (γαλαξίας), referindo-se à esteira esbranquiçada – constituída por muitas estrelas distantes – que atravessa todo o céu, e conduziu ao nome de origem romana Via Láctea. Shapley e Curtis confrontavam dois conceitos para descrever o Universo: galáxia única (a Galáxia) ou galáxia múltipla? Tratou-se metaforicamente da primeira Guerra das Galáxias. 

As nebulosas espirais pertencem ou não à Via Láctea?

Como dissemos, Shapley tinha conseguido uma estimativa das dimensões da Galáxia. Identificou, quer no plano da Via Láctea, quer nas nebulosas, estrelas na fase final cataclísmica da sua evolução, designadas novas, mas utilizou sobretudo como referência um certo tipo de estrelas chamadas Cefeidas e que conseguiu identificar em enxames globulares.

Assim, este astrónomo calculou as distâncias a que estes enxames se encontram da Terra e obteve o valor de cerca de 300 mil anos-luz para o diâmetro do conjunto total de estrelas que observamos no céu como Via Láctea. Ainda que sendo o dobro do valor hoje aceite, era dez vezes maior do que se pensava naquela época. 

Por outro lado, estava persuadido de que as nebulosas, se fizessem parte deste “universo”, tinham de ter dimensões muito menores do que os tais 300 mil anos-luz que a Via Láctea parecia medir. Se, pelo contrário, tivessem dimensões da mesma ordem das da Via Láctea e, consequentemente, fossem outros conjuntos de estrelas, autónomos, muito mais longe, as suas velocidades de rotação (velocidade angular), entretanto obtidas por Van Maanen, traduzir-se-iam – para objetos desse tamanho – em velocidades lineares superiores à velocidade da luz, o que já nesta época se sabia ser uma impossibilidade física. Shapley concluía assim que as nebulosas não eram sistemas de estrelas exteriores à galáxia e equivalentes a ela, mas faziam sim parte da Via Láctea. 

A galáxia NGC 5468
A galáxia NGC 5468 é a galáxia mais distante onde foi possível identificar estrelas Cefeidas com o telescópio espacial Hubble. Está a 130 milhões de anos-luz.
Créditos: NASA, ESA, CSA, STScI, Adam G. Riess (JHU, STScI)

Esta sua convicção era reforçada pelo facto de estudos de contagens de estrelas brilhantes na Via Láctea e em nebulosas sugerirem que o brilho global da Via Láctea era menor do que o das nebulosas espirais se estas de facto estivessem muito mais longe. Isto queria dizer que uma e outras não partilhavam as mesmas propriedades, e colocava mesmo em questão se as nebulosas seriam constituídas por estrelas. 

Outra diferença entre as nebulosas e a Via Láctea tinha sido registada nas análises dos respectivos espectros de frequência da luz. Estudos desenvolvidos por Reynolds assinalavam diferenças de cor entre o centro e a periferia das nebulosas espirais que diferiam do que se sabia do estudo de populações estelares na vizinhança do Sol.

Porém, não obstante as teses de Shapley se basearem nas melhores observações disponíveis na época, Herbert Curtis defendia a opinião oposta. No essencial Curtis era cético relativamente às conclusões que Shapley extraía das observações, ou melhor, era cauteloso na aceitação da validade de algumas dessas observações. 

Henrietta Leavitt propôs, num artigo de 1912, que as Cefeidas fossem usada para calcular distâncias, ou seja, que elas poderiam funcionar como “velas padrão” no Universo.

Por um lado, Curtis manifestou reservas relativamente aos resultados de Van Maanen sobre as velocidades de rotação das nebulosas espirais, questionando assim a conclusão de que estas teriam de ter dimensões consideravelmente menores do que a da Via Láctea. Estas suas dúvidas vieram mais tarde a ser justificadas quando Van Maanen, em 1935, reconheceu que os seus resultados tinham erros de leitura das placas fotográficas. 

Por outro lado, Curtis também desvalorizou as próprias estimativas da dimensão da Via Láctea baseadas na análise da variação temporal da luminosidade das novas. Segundo ele, não era claro que estas pudessem servir de “velas padrão”, ou seja, fontes de luz previsíveis que pudessem ser usadas como referência.  

Também era preciso explicar porque é que as nebulosas espirais aparecem afastadas do plano da Via Láctea e em maior número junto aos pólos do eixo de rotação da nossa galáxia. Além disso, os trabalhos pioneiros de Arno Slipher tinham mostrado que, em média, as nebulosas espirais se afastam de nós a grandes velocidades. 

Galáxia espiral NGC 4565
A galáxia espiral (NGC 4565) apresenta-se de perfil do nosso ponto de vista na Terra. Nas galáxias espirais, as poeiras que constituem as nebulosas estão concentradas no plano do disco. Créditos: ESO

Shapley interpretou estes dois aspetos como revelando uma potencial ação repulsiva de natureza desconhecida no seio da Via Láctea. Já Curtis argumentou (corretamente, sabemos hoje) que as observações de nebulosas vistas de lado apresentavam um obscurecimento ao longo da linha de perfil. Assinalou então três hipóteses – ou três grandes “ses”: se também a Via Láctea apresentar esse obscurecimento, e se a Terra estiver situada no plano da Via Láctea, e se as nebulosas espirais forem exteriores à Via Láctea, então só conseguiremos ver as nebulosas espirais que estão fora do plano central da Via Láctea. 

Embora a proposta de Shapley pareça mais simples porque só requer uma única hipótese, em vez das três de Curtis, a verdade é que os três grandes “ses” de Curtis não requerem a descoberta de nova Física. Quanto às velocidades de recessão das nebulosas espirais, Curtis simplesmente declarou, de modo pouco convincente, que “tais velocidades parecem possíveis para galáxias individuais”, e sem mais explicação.

Portanto, mesmo sem sustentar os seus argumentos em provas observacionais conclusivas, Curtis defendia, ao contrário de Shapley, que as nebulosas, ou pelo menos uma larga fração delas, seriam estruturas estelares da mesma natureza da Via Láctea. Este foi o dilema que Edwin Hubble resolveu em 1924, culminando num trabalho em que caracterizou as nebulosas e determinou distâncias através do “método das Cefeidas”, iniciado no seu programa de doutoramento.

Henrietta Leavitt e as Cefeidas 

As Cefeidas são estrelas de brilho variável, que foram reconhecidas pela primeira vez em 1784 na constelação de Cefeu. São interessantes porque o seu brilho varia de forma regular com o tempo, fazendo as suas “curvas de luz” (registo gráfico da variação do seu brilho ao longo do tempo) lembrar os dentes da lâmina de uma serra. 

A Pequena Nuvem de Magalhães
A Pequena Nuvem de Magalhães, que hoje sabemos ser uma galáxia anã satélite da Via Láctea, e onde Henrietta Leavitt encontrou estrelas Cefeidas. Créditos: ESO/VISTA VMC

Por volta de 1910, a astrónoma norte-americana Henrietta Leavitt analisou as curvas de luz de estrelas Cefeidas na Pequena Nuvem de Magalhães, a partir do Observatório do Colégio de Harvard. Leavitt verificou que o período da curva de luz (o intervalo de tempo entre dois máximos de brilho consecutivos) está relacionado com a intensidade do brilho máximo: quanto maior é o período, maior é o brilho máximo.

Leavitt apercebeu-se também que, se essas estrelas pertencem à mesma nuvem, têm de estar todas aproximadamente à mesma distância da Terra. Em consequência, as diferenças de brilho entre elas não são um efeito aparente por estarem mais próximas ou mais afastadas de nós, mas sim o resultado do seu brilho intrínseco, do brilho real. A relação que Leavitt descobriu entre o brilho máximo e o período de variação do brilho teria de ser um efeito típico dessa família de estrelas. 

Representação gráfica simplificada da Lei de Leavitt
Representação gráfica simplificada da Lei de Leavitt para a relação entre brilho e período de variação do brilho das estrelas Cefeidas.

Henrietta Leavitt propôs, num artigo de 1912, que esta propriedade das Cefeidas fosse usada para calcular distâncias, ou seja, que elas poderiam funcionar como “velas padrão”. Até então, o único meio de medir distâncias no Universo era baseado no método geométrico da paralaxe, e apenas se podia aplicar a objetos relativamente próximos. Segundo Leavitt, as Cefeidas permitiriam medir distâncias muito maiores, tão longe quanto elas fossem visíveis. 

Para isso seria necessário, primeiro, conhecer o seu brilho real, obtendo a distância a estrelas Cefeidas próximas da Terra através do método da paralaxe. Se soubermos o brilho real de uma Cefeida e o período de variação desse brilho, e também a sua distância, podemos saber qual será o seu brilho aparente se essa estrela estiver a uma determinada distância maior. Isto é verdade porque sabemos que o brilho aparente diminui proporcionalmente com o quadrado da distância, uma vez que a radiação luminosa se irá “diluir” pela superfície de uma esfera maior, com essa distância como raio. 

Os telescópios instalados no Observatório do Monte Wilson eram os maiores da época. Com eles, Hubble conseguiu isolar estrelas individuais na periferia das nebulosas.

Reciprocamente, conhecendo o período de variação do brilho de uma Cefeida distante, podemos determinar, pela lei de Leavitt, o brilho intrínseco dessa estrela. Comparando-o com o brilho aparente calculamos então a distância à estrela. E se ela fizer parte de uma nebulosa, obtém-se assim também a distância a que se encontra essa nebulosa. 

Infelizmente, a Cefeida mais próxima, que é a Polaris, ou “estrela polar”, está demasiado longe para se fazer essa calibração. Todavia, em 1913, Ejnar Hertzsprung usou o movimento do Sol, de 16,5 quilómetros por segundo em relação a um ponto em repouso, para providenciar um novo referencial para medições de paralaxe. Este método, chamado de paralaxe secular, permitiu a Hertzsprung calcular a distância média a uma Cefeida com um período de 6,6 dias. 

O trabalho de Henrietta Leavitt não passou despercebido à comunidade de astrónomos. Hubble recomendou mesmo o nome de Henrietta Leavitt para o Prémio Nobel da Física de 1924.  Infelizmente, ela faleceu poucos anos antes, em 1921. Os prémios Nobel são só galardoados em vida, pelo que essa proposta ficou sem efeito. 

Hubble e os telescópios do Monte Wilson

Edwin Hubble a utilizar o telescópio de 2,5 metros de diâmetro, no Observatório de Mount Wilson.
Edwin Hubble a utilizar o telescópio de 2,5 metros de diâmetro, no Observatório de Mount Wilson.
Créditos: Arquivo de The Observatories of the Carnegie Institution for Science Collection at the Huntington Library, California.

Hubble, como Shapley, foi um dos primeiros astrónomos a fazer uso da Lei de Leavitt. Os telescópios instalados no Observatório do Monte Wilson eram os maiores da época, dois telescópios refletores com espelhos de 1,5 e 2,5 metros de diâmetro, respectivamente. Com eles, Hubble conseguiu isolar estrelas individuais na periferia das nebulosas e assim identificou e fotografou 36 estrelas Cefeidas, tanto na nebulosa de Andrómeda como na nebulosa M33 (o item nº 33 do catálogo de Charles Messier), também chamada do Triângulo.

Estas são as estruturas espirais de maiores dimensões que podemos observar no céu. A aplicação da Lei de Leavitt “permitiu os meios para determinar a distância a estes objetos”, lê-se no artigo do New York Times de 1924. 

Os resultados de Hubble sustentam a visão de Curtis de que as nebulosas espirais são de facto “universos-ilha”, ou seja, que são outros sistemas estelares distantes e autónomos da Via Láctea. Segundo Edwin Hubble, que lhes passou a chamar “nebulosas extragalácticas”, encontram-se a cerca de dez vezes a distância à Pequena Nuvem de Magalhães, o que equivale a um milhão de anos-luz. O Universo conhecido aumentava de tamanho dez vezes.

O valor atualmente aceite é mais do dobro, cerca de dois milhões e meio de anos-luz. O artigo no jornal sublinha que, tendo em conta o tempo que a luz precisou de percorrer essa distância, nós estamos a observar a partir da Terra a luz que foi emitida por essas “nebulosas” durante o período geológico do Pliocénico3

É curioso que a comunidade científica tenha sabido desta descoberta ao mesmo tempo que o cidadão comum, leitor de um jornal de grande tiragem. Os resultados de Hubble só foram publicados numa revista científica no ano seguinte, em 1925, na revista da American Astronomical Society, depois de terem sido apresentados por um colega no primeiro dia desse ano, no 33º encontro dessa sociedade norte-americana. Porventura, Hubble terá decidido partilhá-la diretamente com um jornalista, suspeitando que a comunidade científica, ainda envolvida no grande debate Shapley-Curtis, demoraria a consagrar a descoberta. 

“Nebulosa de Andrómeda”, como era designada esta galáxia até à descoberta de Hubble.
É a maior galáxia espiral na vizinhança da Via Láctea.
Fotografia do Observatório Yerkes, EUA, no início do século XX.
Galáxia de Andrómeda
Galáxia de Andrómeda.
Créditos: ESA/Hubble & Digitized Sky Survey 2. Acknowledgment: Davide De Martin (ESA/Hubble)

Sabendo agora a distância às nebulosas, Edwin Hubble pode calcular as suas dimensões. Obteve 45 mil anos-luz para o diâmetro de Andrómeda, e 15 mil anos-luz para a “nebulosa” do Triângulo. O artigo no New York Times remata que os diâmetros, bem como as massas totais e as densidades dos dois sistemas de estrelas – ou poderemos enfim chamar-lhes galáxias – são comparáveis aos respetivos valores para o nosso sistema local, a Via Láctea. 

Este é um comentário fundamental que só é desenvolvido cinco anos depois, no artigo científico de 1929 publicado por Hubble no Astrophysical Journal, depois de revisão científica com o estudo completo destas galáxias. De facto, Hubble fez uma investigação detalhada não apenas das Cefeidas, ao agrupá-las de acordo com o local em que se encontram nas nebulosas e verificando que não há diferenças quanto a este aspeto.

Analisou também as curvas de luz das novas que foram encontradas nestas nebulosas (a natureza dessas estrelas, que ora aparecem ora desaparecem, ainda era um mistério nessa época). As novas que foram identificadas nas nebulosas também são muito semelhantes umas às outras e às encontradas no nosso próprio sistema estelar. 

Estas constatações asseguraram que de facto os sistemas estelares distantes são como o nosso, as “nebulosas extragalácticas” são outras galáxias como a Via Láctea, a nossa galáxia, ou posto de outra forma, a nossa galáxia não tem nada de especial: é uma entre tantas outras. Tal como Copérnico e Galileu tiraram a Terra do centro do sistema solar, Edwin Hubble tirou definitivamente a Via Láctea do centro do Universo.

Hubble prosseguiu os seus estudos sobre as galáxias e estabeleceu uma relação de classes baseada nas suas formas e estruturas e que, embora incompleta, ainda é usada hoje pela sua simplicidade. Também lhe é atribuída, em conjunto com Georges Lemaître, a descoberta da relação que dita que quanto mais longe estão as galáxias, mais rápido se afastam de nós.

Esta relação, que imortalizou ambos com o nome de Hubble-Lemaître, foi outra revolução para a qual contribuiu Edwin Hubble. Além de o Universo ser mais do que a Via Láctea, é um Universo em expansão, que muda com o tempo e é, portanto, dinâmico. Mas os 100 anos deste outro capítulo da história da astronomia será celebrado em 2029.

Leia também no website da National Geographic Portugal »

Disponível sob licença de reutilização Creative Commons cc-by-sa


Notas

  1. Nelson Nunes é licenciado em Engenharia Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico e doutorado pela Universidade de Sussex. É professor auxiliar na Faculdade de  Ciências da Universidade de Lisboa e investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
    José Pedro Mimoso é Licenciado em Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e doutorado pela Universidade de Sussex. É professor associado na Faculdade de  Ciências da Universidade de Lisboa e investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

    Sérgio Pereira é comunicador de ciência no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa, com especialização em jornalismo de revista na Universidade de Nottingham Trent, no Reino Unido.
  2. Pensa-se que o halo de estrelas dispersas que envolve a Via Láctea, para lá dos limites dos braços espirais, poderá estender-se até 200 mil anos-luz.
  3. Atualmente considera-se que a época do Pliocénico terminou há 2,6 milhões de anos, seguindo-se a época do Plistocénico, até há 11 000 anos. Para a distância atualmente aceite para Andrómeda, de 2,5 milhões de anos-luz, a sua luz que agora chega à Terra partiu de lá no final da transição do Pliocénico para o Plistocénico, mas para a distância calculada por Hubble em 1924, de um milhão de anos-luz, o jornalista deveria ter escrito sem dúvida Plistocénico.