O exoplaneta HD 20974 d, descoberto por uma equipa que inclui vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, tem uma órbita semelhante à de Marte, o que o coloca na zona de habitável da sua estrela.
Uma equipa internacional1, que conta com a participação de vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), usou o espectrógrafo ESPRESSO3 para confirmar a existência de uma super-terra que cruza a zona habitável4 da estrela HD 20794, uma estrela semelhante ao Sol a apenas 20 anos-luz de distância. Os resultados foram publicados hoje5 na revista Astronomy & Astrophysics.
O novo planeta tem uma órbita com um período de 647 dias, semelhante ao de Marte, mas é bastante mais excêntrica, o que faz com que a elipse que descreve o coloque entre 0,75 e 2 unidades astronómicas6 da sua estrela, ou seja, leva-o a entrar e sair da zona habitável da HD 20974. Por comparação, com uma órbita praticamente circular, a Terra orbita a cerca de uma unidade astronómica do Sol, enquanto Marte, com uma órbita ligeiramente excêntrica, tem uma distância à nossa estrela que varia entre 1,4 e 1,7 unidades astronómicas. Ambos os planetas estão na zona habitável do nosso Sol.
Sérgio Sousa (IA & Dep. de Física e Astronomia (DFA) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)) comenta: “O ESPRESSO continua a dar resultados incríveis. Este planeta, que orbita uma estrela vizinha e próxima do Sol, encontra-se na zona habitável e pode eventualmente ser rochoso. Será por isso um planeta muito interessante para explorar e tentar caracterizar a sua atmosfera, de modo a perceber se poderá ter condições para albergar vida.”
Animação da órbita do HD 20974 d, a cruzar a zona habitável da sua estrela. (Crédito: Gabriel Pérez Díaz, SMM (IAC).
A relativa proximidade deste sistema facilita o seu estudo, pois a luminosidade da estrela é grande. Para Nicola Nari, o primeiro autor do artigo e estudante de doutoramento da Universidade de La Laguna: “este é o tipo de planeta que é perfeito para a caracterização de atmosferas de planetas terrestres com instrumentos e missões de próxima geração.”
Detetar esta super-Terra não foi fácil. A equipa analisou um conjunto de dados obtidos ao longo de 7496 dias, mais ou menos 20 anos de medições de velocidades radiais7, com os espectrógrafos ESPRESSO e HARPS8, ambos instalados em observatórios do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile. Estes instrumentos, dos mais avançados do mundo, conseguem medir minúsculas variações na velocidade das estrelas, provocadas pela atração gravitacional dos planetas sobre a sua estrela-mãe.
Durante anos, os sinais planetários foram ofuscados pelo ruído, dificultando a deteção de planetas. A equipa precisou de um enorme trabalho de análise dos dados, durante anos, para eliminar cuidadosamente todas as fontes de contaminação.
O HD 20794 d representa um avanço significativo na busca por vida no Universo e é um excelente laboratório que irá permitir à equipa modelar e testar novas hipóteses na procura de vida no Universo. Saber se este planeta alberga vida ainda exigirá vários avanços científicos e uma abordagem transdisciplinar.
A estratégia do IA na área da deteção e caracterização de exoplanetas, atualmente em plena implementação com os espectrógrafos ESPRESSO E NIRPS9 e com a missão espacial Cheops (ESA), irá continuar no futuro próximo, com a próxima geração de instrumentos e missões espaciais com forte envolvimento do IA. Isto inclui as missões espaciais da ESA PLATO e ARIEL, com lançamentos previstos para 2026 e 2029, respetivamente, e com o espectrógrafo ANDES10 previsto entrar em funcionamento no início da década de 2030, quando for instalado no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).
Todos estes estudos estão a preparar a equipa do IA para os próximos grandes passos, onde instrumentos como o ANDES terão um papel fundamental. É expectável que o ANDES lhes permita a deteção de substâncias químicas nas atmosferas de planetas semelhantes à Terra, o que abre a porta à deteção de biomarcadores.
“O ESPRESSO está-nos a permitir abrir caminho para a ciência que vai ser feita com o próximo grande projeto na área: o espectrógrafo ANDES, para o ELT. A nossa forte contribuição para o projeto ANDES, no qual a equipa do IA é responsável tanto pelos desenvolvimentos científicos como tecnológicos, irá garantir que estaremos na linha da frente de novas descobertas nesta área”, acrescenta Nuno Cardoso Santos líder da equipa de Sistemas Planetários do IA e Professor no Departamento de Física e Astronomia da FCUP.
Notas
- A equipa é: N. Nari, X. Dumusque, N. C. Hara, A. Suárez Mascareño, M. Cretignier, J. I. González Hernández, A. K. Stefanov, V. M. Passegger, R. Rebolo, F. Pepe, N. C. Santos, S. Cristiani, J. P. Faria, P. Figueira, A. Sozzetti, M. R. Zapatero Osorio, V. Adibekyan, Y. Alibert, C. Allende Prieto, F. Bouchy, S. Benatti, A. Castro-González, V. D’Odorico, M. Damasso, J.B. Delisle, P. Di Marcantonio, D. Ehrenreich, R. Génova-Santos, M. J. Hobson, B. Lavie, J. Lillo-Box, G. Lo Curto, C. Lovis, C. J. A. P. Martins, A. Mehner, G. Micela, P. Molaro, C. Mordasini, N. Nunes, E. Palle, S.P. Quanz, D. Ségransan, A.M. Silva, S. G. Sousa, S. Udry, N. Unger e J. Venturini
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida e testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h.
- A Zona Habitável, ou zona de habitabilidade é a faixa em torno da estrela em que as temperaturas são suficientemente amenas para que possa existir água no estado líquido à superfície de um planeta rochoso. Um planeta estar nesta faixa não é, por si só, garantia que haja água líquida – Marte, por exemplo, está na zona habitável do Sol, embora não existam atualmente evidências para que Marte possa albergar vida.
- O artigo “Revisiting the multi-planetary system of the nearby star HD 20794”, foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202451769).
- Uma Unidade Astronómica é a distância média entre a Terra e o Sol. Corresponde a cerca de 150 milhões de quilómetros.
- O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
- O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
- O NIRPS (Near-Infrared high resolution spectrograph, ou espectrógrafo no infravermelho próximo de alta resolução) está acoplado ao Telescópio ESO de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile. O foco deste espectrógrafo é o estudo de exoplanetas rochosos, o tipo de planetas que se julga serem a chave para decifrar a formação e evolução planetária, além de serem considerados os melhores candidatos para o aparecimento de vida. Este instrumento obtém espectros de grande precisão em comprimentos de onda de infravermelho, que em combinação com as de espectrógrafos na banda do visível, como o ESPRESSO, poderão fornecer importantes pistas sobre a composição dos exoplanetas, e até permitir procurar por sinais de vida nas atmosferas destes.
- O ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph, ou espectrógrafo de Echelle de alta dispersão do Armazones) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT (em Cerro Armazones, deserto do Atacama, Chile). Irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho, o que Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.
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