Os buracos negros poderão ter a resposta para a expansão do Universo

Conceção artística de um buraco negro

Conceção artística de um buraco negro. O forte campo gravitacional dos buracos pode gerar à sua volta um disco de acreção de material extremamente quente e que alimenta o crescimento do buraco negro, como se pensa que ocorre no centro de galáxias chamadas ativas, que são fontes potentes no rádio e nos raios X. Créditos: NASA

Uma equipa internacional, com a participação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), sugere que a massa dos buracos negros aumenta com a escala do Universo.

Pensa-se que quase todas as galáxias têm no seu centro um buraco negro com milhões, ou mesmo milhares de milhões de vezes a massa do Sol. A massa destes buracos negros supermassivos1 cresce em conjunto com a da sua galáxia hospedeira pela queda de material envolvente, ou pela fusão com outras galáxias.

Porém, um estudo recente reúne evidências de que em galáxias que deixaram de formar estrelas, e portanto já não estarão a alimentar-se com novo material exterior, o seu buraco negro central continuou a crescer até ter oito a 20 vezes mais massa do que o esperado.

“Isto pode levantar o véu sobre uma das questões mais difíceis de tratar nas duas últimas décadas: qual é a natureza desta energia escura que parece hoje dominar a expansão do universo?
José Afonso

José Afonso

Agora, num artigo2 publicado na The Astrophysical Journal Letters, uma equipa internacional, que inclui José Afonso, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), propõe uma explicação para essa grande diferença de massa entre buracos negros supermassivos em distintos momentos na história do Universo mas que estão em galáxias muito semelhantes – galáxias elípticas que esgotaram o seu gás e que deixaram de evoluir, encontrando-se num estado letárgico.

Segundo os investigadores, este aumento de massa dos buracos negros é coerente com o crescimento do próprio Universo no mesmo período de tempo, pelo que o crescimento dos buracos negros poderá, de alguma forma, estar vinculado à própria expansão do Universo3.

“Uma das sugestões que é feita neste trabalho é a de que os buracos negros podem explicar a energia escura4 que existe no Universo”, diz José Afonso. “Isto pode levantar o véu sobre uma das questões mais difíceis de tratar nas duas últimas décadas: qual é a natureza desta energia escura que parece hoje dominar a expansão do universo? É apenas uma sugestão que já tinha sido levantada a nível teórico, mas estamos pela primeira vez a revelar que existem observações que a apoiam.”

Imagens de algumas das galáxias elípticas relativamente próximas (e portanto num momento recente da história do Universo), com uma população de estrelas envelhecida.
Imagens de algumas das galáxias analisadas neste estudo, neste caso, galáxias elípticas relativamente próximas (e portanto num momento recente da história do Universo), com uma população de estrelas envelhecida e já sem gás nem sinais de formação de novas estrelas. Encontram-se por isso numa fase letárgica da sua vida. Porém, a massa do seu buraco negro central é significativamente maior do que a de buracos negros em galáxias idênticas que é possível observar no passado.
Créditos: Sloan Digital Sky Survey (SDSS)

Os autores baseiam-se em modelos teóricos, desenvolvidos nas últimas três décadas, que propõem a existência de corpos compactos alternativos aos buracos negros. Estes objetos evitam as aberrações físicas inerentes ao conceito de buraco negro, em particular o colapso infinito que matematicamente parece ser atingido no seu interior, na chamada singularidade.

“São objetos esféricos que têm no interior uma região de material com um efeito repulsivo e que impede o colapso da estrela. Desse modo pode ser visto como uma solução estável, que não colapsa”, explica Francisco Lobo, do IA e de Ciências ULisboa. O efeito repulsivo do interior destes objetos compactos tem algo de semelhante com as tentativas atuais para explicar a expansão acelerada do Universo, nomeadamente a hipótese de uma energia escura – uma pressão negativa dominante sobre a matéria e que contraria a gravidade, impedindo o Universo de colapsar sobre si mesmo.

A energia de vácuo no interior desses objetos poderá ter, segundo os autores do artigo, o mesmo efeito da hipotética energia escura, e ser a responsável pela expansão acelerada do Universo. “Mas esses objetos teóricos não são de facto buracos negros, são soluções alternativas aos buracos negros”, diz Francisco Lobo. “É uma interpretação fascinante mas que irá requerer mais trabalho no futuro.”

Enxame de galáxias Abell 370
Enxame de galáxias Abell 370, um exemplo dos aglomerados nos quais as galáxias de distribuem pelo espaço. Estes aglomerados estão a afastar-se uns dos outros e de forma acelerada, indicando que o próprio Universo se está a expandir.
Créditos: NASA, ESA, the Hubble SM4 ERO Team and ST-ECF

Embora o estudo se tenha concentrado em observações de buracos negros supermassivos, existentes no centro de galáxias, por serem os menos difíceis de observar, as conclusões podem ser generalizadas a todos os buracos negros. Aqui se incluem aqueles criados pela morte de estrelas de grande massa, como resultado final da sua explosão como supernova, chamados buracos negros estelares. “Ao longo da história do Universo estão a ser criados mais buracos negros que vão ajudar a determinar, ou não, a expansão do Universo a larga escala”, diz José Afonso.

A confirmar-se esta hipótese, não só este seria um primeiro passo para compreender por que o Universo se está a expandir, mas também para explicar porque é que se observam buracos negros tão grandes nas galáxias mais distantes, e portanto logo nas primeiras fases do Universo. 

“Pretendemos obviamente observar mais galáxias com buracos negros”, diz José Afonso, “e perceber melhor como é o seu crescimento, e tentar assim confirmar se esses buracos negros podem ser mesmo a chamada energia escura.” Para isso, a equipa irá usar observações com o telescópio espacial James Webb (da NASA, ESA e CSA), cuja precisão permitirá verificar se as galáxias observadas neste estudo são de facto inertes ou, pelo contrário, estarão ainda a interagir com galáxias vizinhas e, por essa via, a adquirir novo gás.

José Afonso, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e de da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), que contribuiu para esta investigação, comenta a relevância e as implicações desta pesquisa.


Notas

  1. Um buraco negro é um corpo de grande massa concentrada numa pequena região do espaço, de tal modo que a velocidade necessária para escapar à sua gravidade é superior à da luz. Pode ser o produto do final de vida de uma estrela de grande massa (mais massiva do que o Sol). Assim que se esgota a produção de energia da estrela, o material da estrela colapsa sob o efeito da gravidade. Os buracos negros supermassivos são buracos negros que, por capturarem material ou estrelas do meio envolvente, ou por se fundirem com outros buracos negros, foram ao longo da história do Universo aumentando a sua massa. Embora tenham sido primeiro propostos na teoria, há cada vez mais evidências da existência de buracos negros por todo o Universo.
  2. O artigo “Observational Evidence for Cosmological Coupling of Black Holes and its Implications for an Astrophysical Source of Dark Energy”, foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters, Volume 944 Número 2 (DOI: 10.3847/2041-8213/acb704).
  3. A expansão do Universo consiste no facto de os grupos de galáxias se estarem a afastar todos uns dos outros, e foi descoberta e anunciada por Edwin Hubble em 1929. Na década de 1990, observações de um tipo particular de explosão de estrelas, a diferentes distâncias de nós, revelaram que essa expansão está a acontecer de modo acelerado. 
  4. A energia escura é uma força hipotética, de natureza ainda desconhecida, que poderá ser responsável pela expansão acelerada do Universo. Se de facto existir, tem o efeito contrário ao da gravidade, ou seja, é repulsiva, e evita que a matéria que existe no Universo o faça contrair e colapsar sobre si próprio. Outras formas de tentar explicar a expansão acelerada do Universo passam por modificações à Teoria da Relatividade de Einstein, supondo que, à escala do todo o Universo, a gravidade se comporta de modo diferente da escala local.

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