Descoberto raro super mercúrio

Imagem artística de um super mercúrio, com uma exosfera em forma de cometa, composta por rocha vaporizada. (Crédito: NASA/JPL-Caltech)

Com dados da missão espacial Kepler, da NASA e dos espectrógrafos HARPS e CORALIE, do ESO, uma equipa liderada por um investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço descobriu um raro super mercúrio.

Uma equipa1 liderada pelo investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IAstro2) Tomás Silva, usou dados de trânsitos3 da missão espacial Kepler (NASA), em conjunto com dados de velocidades radiais4 dos espectrógrafos do Observatório Europeu do Sul (ESO) CORALIE5 e HARPS6, para detetar o HD 137496 b, um raro super mercúrio. Os resultados7  foram agora publicados na revista Astonomy & Astrophysics.

Tomás Silva, atualmente a fazer o seu doutoramento no Dep. Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto destaca que: “este planeta entra diretamente para o grupo extremamente restrito dos super-Mercúrios detetados até hoje, o que só foi possível graças à precisão alcançada neste estudo, quer na caracterização do planeta, quer na caracterização da estrela.”  Os super mercúrios têm uma composição com uma grande percentagem de ferro – no caso do HD 137496 b, mais de 70% da sua massa – o que não é de todo espelhado na composição química da estrela.

Gráfico da massa em função do raio, de vários exoplanetas na base de dados TEPcat. Os valores são em relação à massa e ao raio da Terra, isto é, o nosso planeta (bola azul no canto inferior esquerdo) tem R=1 e M=1. Estão ainda indicadas as curvas com as possíveis composições destes planetas, desde compostos 100% por água (H20 – curva azul clara), até 100% por ferro (Fe – linha castanha). O super mercúrio HD 137496 b aparece ligeiramente acima da linha indicativa de 75% Fe. (Crédito: Azevedo Silva et al., 2022)

Olivier Demangeon (IAstro & DFA-FCUP) comenta: “Atualmente foram detectados mais de 4500 exoplanetas, mas o HD 137496 b não é apenas mais um. A sua invulgar alta densidade é difícil de explicar com os modelos atuais de formação planetária. Só conhecemos uma mão cheia destes super mercúrios, pelo que estes representam um desafio e uma oportunidade para melhorarmos os nossos conhecimentos acerca da formação de planetas.”

“Este sistema é uma pequena peça no puzzle do que são os ainda misteriosos mecanismos de formação e evolução em tais sistemas”
Tomás Silva

Um dos principais objetivos da investigação em exoplanetas é conseguir relacionar as características físicas de uma estrela, como a sua composição, com as dos planetas em seu redor. No entanto, as propriedades de alguns destes exoplanetas são tão diferentes da sua estrela, que sugerem a existência de outros processos de formação de planetas, para além da simples agregação dos materiais do disco protoplanetário.

Entre as várias hipóteses para explicar a alta percentagem de ferro nos super mercúrios estão cenários de formação e evolução planetária que incluem impactos destes com asteróides, planetésimais ou até outros planetas, embora os impactos só consigam explicar um aumento desta percentagem por um fator de dois. Outros fatores adicionais, como uma combinação de altas temperaturas e interações magnéticas que podem ter concentrado os materiais ricos em ferro do disco protoplanetário na zona de formação deste tipo de planetas, ou até exoplanetas gigantes que ao migrarem para mais próximo da estrela tiveram as suas atmosferas arrancadas, deixando exposto o seu núcleo.

No caso do HD 137496 b, há algo de promissor nos dados. Tomás Silva explica que: “devido à grande proximidade do planeta à estrela, as altas temperaturas e falta de atmosfera permitem que a superfície vaporize e escape, com os materiais a ficarem albergados numa espécie de exosfera que se assemelha à cauda de um cometa. Medir os elementos presentes na exosfera permite-nos saber a composição da superfície deste planeta.”

Além do super mercúrio, os dados revelaram ainda a existência do HD 137496 c, um exoplaneta semelhante a Júpiter, com uma órbita mais distante e excêntrica. Nuno Cardoso Santos (IAstro & DFA-FCUP), o investigador principal da equipa de Sistemas Planetários do IAstro comenta: “Este estudo ilustra o domínio abrangente que a equipa do IAstro tem na área de exoplanetas e no estudo das suas estrelas. Apenas combinando os diferentes métodos foi possível chegar ao resultado agora alcançado.”.

A estratégia do IAstro nesta área, atualmente em plena implementação com o espectrógrafo ESPRESSO8 (ESO), irá continuar durante os próximos anos, com o lançamento do telescópio espacial PLATO (ESA) em 2026, da missão ARIEL (ESA) em 2029, e da instalação do espectrógrafo HIRES9 no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO), previsto para entrar em funcionamento em 2030.


Notas

  1. A equipa é constituída por:  T. A. Silva, O. D. S. Demangeon, S. C. C. Barros, D. J. Armstrong, J. F. Otegi, D. Bossini, E. Delgado Mena, S. G. Sousa, V. Adibekyan, L. D. Nielsen, C. Dorn, J. Lillo-Box, N. C. Santos, S. Hoyer, K. G. Stassun, J. M. Almenara, D. Bayliss, D. Barrado, I. Boisse, D. J. A. Brown, R. F. Díaz, X. Dumusque, P. Figueira, A. Hadjigeorghiou, S. Hojjatpanah, O. Mousis, A. Osborn, A. Santerne, P. A. Strøm, S. Udry e P. J. Wheatley.
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  3. O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.
  4. O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. No entanto, em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a massa real.
  5. O CORALIE é um espectrógrafo de Eschelle, instalado no  telescópio suíço de 1,2-metros Leonhard Euler, no Observatório de La Silla do ESO. É um projeto conjunto do Observatório  de Genebra, na Suíça, e do Observatório de Haute-Provence, na França. Foi construído com o objetivo de detetar exoplanetas em estrelas do tipo solar do hemisfério Sul.
  6. O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
  7. O artigo “The HD137496 system: A dense, hot super-Mercury and a cold Jupiter”, foi hoje publicado na revista Astronomy & Astrophysics, Vol. 657 (A68) (DOI: https://doi.org/10.1051/0004-6361/202141520).
  8. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
  9. O HIRES (High Resolution Spectrograph, ou espectrógrafo de alta resolução) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT, que irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho. Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.

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