Uma equipa internacional liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) está a definir como a missão PLATO, da Agência Espacial Europeia, irá extrair o máximo de informação sobre um conjunto de estrelas-alvo do satélite.
A partir de 2026, a missão espacial PLATO, da Agência Espacial Europeia (ESA), vai lançar-se na procura de outros mundos como a Terra escondidos na luz de estrelas semelhantes ao Sol.
Uma equipa1 internacional, liderada por Margarida Cunha, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) e da Universidade do Porto, realizou um estudo3 comparativo dos melhores métodos disponíveis para inferir propriedades, como massa, tamanho e idade, de estrelas nas quais o satélite PLATO venha a descobrir alguma “Terra” em órbita. Este estudo, publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, estabelece ainda expectativas quanto à eficácia dos métodos atuais para extrair informação dos dados desta futura missão da ESA.
“Para caracterizar planetas semelhantes à Terra é necessário determinar com grande confiança os seus raios e as suas massas”, diz Margarida Cunha. “Contudo, os métodos utilizados para essa determinação só nos permitem medir o raio e a massa do planeta por comparação com o raio e a massa da sua estrela. Desta forma, uma maior incerteza nas propriedades da estrela reflete-se diretamente numa maior incerteza nas propriedades do planeta.”
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Créditos: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (IPAC) (esquerda), e NASA Ames/SETI Institute/JPL-Caltech (direita)
No caso da Terra e do Sol, a nossa estrela tem um raio cem vezes maior, e é centenas de milhares de vezes mais massiva do que o nosso planeta. Para que os cientistas consigam dizer como é o interior das “Terras” que serão descobertas nos dados do PLATO e, em última análise, conhecer o seu potencial para a sustentação de vida, terão de detetar diferenças mínimas entre estrelas aparentemente semelhantes.
“Este estudo demonstra que a confiança com que as propriedades das estrelas serão inferidas, utilizando métodos atuais, é suficiente para garantir o sucesso dos objetivos científicos da missão.”
Margarida Cunha
Os investigadores criaram simulações de seis estrelas imaginárias a partir de modelos físicos que descrevem como estas grandes bolas de plasma funcionam. As simulações permitem mimetizar as flutuações na quantidade de luz observada à superfície da estrela e que resultam da propagação de ondas acústicas, ou sísmicas, no seu interior.
Estas flutuações, que contêm informação sobre as propriedades da estrela em questão e serão medidas em estrelas reais pelo satélite PLATO, são o objeto de estudo da asterossismologia4. Contudo, é necessário garantir que essa informação é extraída de forma exata para cumprir os objetivos científicos do PLATO.
De modo independente, a equipa aplicou cinco métodos para inferir as propriedades originais das estrelas simuladas, métodos que utilizam, precisamente, as flutuações lumínicas, ou seja, os dados sísmicos simulados.
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Na parte inferior, são mostrados os intervalos de confiança a 68% para as diferenças relativas mostradas na parte superior da figura.
É percetível que a determinação da idade das estrelas, e portanto o seu estágio de vida, é a que apresenta a maior incerteza.
Créditos: IA/José Marques
De entre os principais resultados, destaca-se a conclusão de que os modelos físicos que descrevem as estrelas, e que estão na base dos métodos atualmente disponíveis, podem introduzir erros nos valores inferidos para as propriedades estelares. Por outro lado, identificaram-se desafios relacionados com as estrelas menos brilhantes, para as quais a qualidade da informação que será possível extrair a partir dos dados do PLATO é mais limitada.
“Ambos os casos apontam para a necessidade de realizar trabalho adicional com vista a otimizar a exploração dos dados que serão recolhidos pelo PLATO”, sublinha Margarida Cunha, “mas este nosso estudo demonstra que a confiança com que as propriedades das estrelas serão inferidas, utilizando métodos atuais, é suficiente para garantir o sucesso dos objetivos científicos da missão.”

Créditos: ESA/ATG medialab (satélite) e ESO/L. Calçada (estrela em fundo)
Este trabalho está a servir de base para a definição dos algoritmos que irão tratar e analisar automaticamente os dados da missão, em particular, no que se refere à determinação do raio (tamanho), massa e idade das estrelas para as quais se irão obter dados sísmicos.
“Este estudo é um valioso contributo para definir uma das componentes da cadeia de processamento de dados responsável pela caracterização das estrelas observadas pelo PLATO, o Sistema de Análise Estelar”, comenta Tiago Campante (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto) e membro da equipa do Centro de Dados do PLATO (PDC5). “Os membros do PDC terão já em 2022 a tarefa de passar à fase de implementação o algoritmo correspondente.”
As observações do satélite PLATO permitirão também avançar o conhecimento sobre a evolução das estrelas, afirma Margarida Cunha. “Há aspetos da física das estrelas em que o conhecimento atual ainda é pouco preciso. Um exemplo é o transporte e a mistura dos elementos químicos no seu interior. Os dados do PLATO vão ser muito importantes neste campo, o que terá um impacto significativo noutras áreas da Astrofísica onde o que sabemos sobre a evolução estelar tem um papel fundamental.”
A missão PLATO conta também com notável participação científica nacional, liderada pelo IA, ao nível do estudo de exoplanetas e do desenvolvimento de instrumentos para o satélite.
Notas
- Da equipa internacional fazem parte os investigadores do IA Margarida S. Cunha, Benard Nsamba, Tiago Campante, Miguel T. Clara, e Mário J. P. F. G. Monteiro.
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- O artigo “PLATO hare-and-hounds exercise: asteroseismic model fitting of main-sequence solar-like pulsators”, foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 508, Nº 4 (DOI: https://doi.org/10.1093/mnras/stab2886).
- A asterossismologia é o estudo do interior das estrelas através da sua atividade sísmica medida à superfície. Em sismologia, os diferentes modos de vibração de um tremor de Terra podem ser usados para estudar o interior da Terra, ao fornecerem dados acerca da composição e profundidade das diversas camadas. De forma semelhante, as oscilações observadas à superfície de uma estrela podem ser usadas para inferir dados sobre a sua estrutura interna, composição e idade.
- As atividades do Centro de Dados do Plato (Plato Data Centre, PDC) são financiadas por um projecto no âmbito do programa PRODEX, o qual oferece às instituições e indústria a oportunidade de trabalhar em missões e instrumentação da ESA. O programa PRODEX visa ajudar os países a obter retornos do seu investimento e a promover a excelência e a competitividade ao nível científico e industrial.
Contactos
Margarida Cunha, Tiago Campante
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Sérgio Pereira; Filipe Pires (coordenação, Porto); João Retrê (coordenação, Lisboa)