Recorrendo a modernas simulações cosmológicas uma equipa, liderada por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, previu que o futuro observatório de raios X da ESA irá detetar um número sem precedentes de buracos negros supermassivos nos confins do Universo.
Previsto ser lançado para o espaço no final da próxima década, o futuro observatório espacial de raios X da Agência Espacial Europeia (ESA) será conhecido como NewAthena. Para prever o desempenho deste futuro observatório, uma equipa internacional1, maioritariamente do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) e liderada por Nuno Covas (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), usou simulações cosmológicas para mostrar que o NewAthena irá detetar um número sem precedentes de buracos negros supermassivos nos confins do Universo. Esta investigação foi publicada3 recentemente na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Um dos maiores desafios da astrofísica moderna é compreender como é que as galáxias e os buracos negros no seu centro se formam e evoluem em conjunto. A equipa criou um catálogo simulado do céu em raios X, com base numa das mais avançadas simulações cosmológicas, o IllustrisTNG, para testar a capacidade do NewAthena de detetar os mais ténues e distantes buracos negros supermassivos em crescimento, conhecidos como núcleos galácticos ativos (AGNs4).
Covas, que começou recentemente o seu doutoramento na Ciências ULisboa, explica que: “Os raios X são uma ferramenta essencial para encontrar estes buracos negros enquanto eles se ‘alimentam’ ativamente, pois a matéria que espirala para dentro deles aquece a milhões de graus e emite radiação de alta energia. O NewAthena terá uma capacidade sem precedentes de recolher estes fotões, permitindo-nos ver os AGNs mais ténues e distantes”.
As previsões indicam que o NewAthena, ao observar uma pequena área do céu com 10 graus quadrados, poderá detetar cerca de 250 mil AGNs, incluindo mais de 20 mil na época em que o Universo tinha menos de dois mil milhões de anos, e dessas, 35 AGNs na chamada Época da Reionização, uma fase da história cósmica, quando o Universo tinha menos de mil milhões de anos. Esta será a primeira vez que os astrónomos poderão estudar estatisticamente AGNs em raios X nesta fase tão primordial do Universo.
O catálogo simulado inclui propriedades físicas dos AGN, como massa do buraco negro, taxa de acreção e emissão em raios X. “As nossas simulações, informadas pelas descobertas do JWST, sugerem que o Universo primitivo fervilhava com buracos negros em crescimento, muitos dos quais nos escaparam até agora por estarem escondidos”, explica Covas. “O NewAthena será capaz de detetar uma população significativa destes AGN obscurecidos, mesmo a distâncias cosmológicas extremas, o que será revolucionário para entendermos o crescimento dos primeiros buracos negros supermassivos”, conclui.

José Afonso (IA & Ciências ULisboa) explica que: “Estamos justamente a começar a observar os primeiro buracos negros no Universo, e a tentar perceber o seu papel para a formação e crescimento das galáxias que existem por todo o Universo. A par do estudo de sistemas como o Quasar RACS J0320-35, é fundamental planear aquilo que queremos fazer daqui a 10-15 anos, com observatórios tão revolucionários quanto o NewAthena”. Afonso, um dos membros do Conselho e da Equipa Científica do instrumento do NewAthena Wide Field Imager (WFI), acrescenta ainda que esta: “Será a Ciência de uma nova geração, mas é um desenvolvimento científico e tecnológico que já hoje estamos a planear em Portugal!”
A missão NewAthena está atualmente em fase de desenvolvimento e deverá ser formalmente adotada pela ESA em 2027, com lançamento previsto para 2037. Portugal em geral, e o IA em particular, têm uma forte participação não só no NewAthena, como nos principais projetos astronómicos das próximas décadas. Prevê-se que o envolvimento nacional se estenda à indústria, com oportunidades em várias fases da construção do observatório.
Israel Matute (IA & Ciências ULisboa), um dos coautores deste artigo, comenta: “A visão de grande campo e alta energia do universo proporcionada pelo NewAthena será um complemento essencial aos observatórios revolucionários da próxima década, incluindo o LISA (NASA/ESA) e o Square Kilometre Array (SKAO). No IA, estamos empenhados em formar a próxima geração de astrónomos especializados em raios X e rádio, como o Nuno Covas, que irão aproveitar o potencial destas infraestruturas extraordinárias e liderar as explorações futuras”.
Marta Gonçalves, da Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space), sublinha que: “A participação de equipas portuguesas na missão NewAthena, em particular do IA, demonstra a excelência científica alcançada em Portugal e a relevância crescente do país nas grandes missões da ESA. Para a Agência Espacial Portuguesa, missões como o NewAthena representam o retorno tangível da participação de Portugal na ESA, traduzido em conhecimento, inovação e formação de uma nova geração de cientistas capazes de contribuir para o progresso científico europeu.”
Notas
- A equipa é composta por: Nuno Covas, Israel Matute, Stergios Amarantidis, José Afonso, Giorgio Lanzuisi, Andrea Comastri, Stefano Marchesi, Ciro Pappalardo, Rodrigo Carvajal & Polychronis Papaderos
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UID/04434/2025
- O artigo “Unveiling faint X-ray AGN populations in the NewAthena era: insights from cosmological simulations”, foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Vol. 541, (DOI: 10.1093/mnras/staf993)
- Um Núcleo Ativo de Galáxia (Active Galactic Nucleus – AGN) deve a sua emissão ao disco de acreção de material a cair para o buraco negro supermassivo no centro da galáxia. Conforme acelera, ao ser atraído pela gravidade do buraco negro, este material aquece, emitindo enormes quantidade de energia ao longo do todo o espectro eletromagnético. Além do disco, alguns AGNs têm ainda jatos bipolares, sendo as interações entre fotões de baixa energia e partículas relativísticas nestes jatos responsáveis por emitir fotões de alta energia, tais como raios gama.
Contactos
Nuno Covas; José Afonso; Israel Matute
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Filipe Pires (coordenação)

