Observado por uma equipa, que inclui vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, este buraco negro de mil milhões de massas solares tem uma taxa de crescimento 2,4 vezes acima do limite esperado para este tipo de objeto.
Como é que se formou a primeira geração de buracos negros? Esta continua a ser uma das maiores questões da astrofísica. Para tentar respondê-la, uma equipa internacional1, que inclui vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), observou o Quasar3 RACS J0320-35. Localizado a aproximadamente 12,8 mil milhões de anos-luz da Terra, este está a emitir mais raios X do que qualquer outro buraco negro observado no primeiro milhar de milhão de anos do universo – a sua taxa de crescimento é 2,4 vezes acima do limite esperado para estes objetos. Este resultado foi publicado4 na revista Astrophysical Journal Letters.
Para José Afonso (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa): “Os primeiros mil milhões de anos do Universo estão a revelar-se cada vez mais enigmáticos. Não só continuamos a descobrir estes buracos negros gigantescos, antes considerados impossíveis, mas começamos a perceber que já nessa altura tinham propriedades extremas.” O atual presidente da Sociedade Portuguesa de Astronomia (SPA) esclarece ainda que: “Isto mostra que a infância do Universo, quando surgiram as primeiras estrelas e galáxias, foi muito mais ativa e complexa do que pensamos – um mistério que continuará a desafiar-nos nos próximos anos.”

O buraco negro tem uma massa cerca de mil milhões de vezes superior à do Sol e está localizado a aproximadamente 12,8 mil milhões de anos-luz da Terra, o que significa que estamos a observá-lo apenas 920 milhões de anos após o início do universo. Este buraco negro alimenta um Quasar — um objeto extremamente brilhante que ofusca galáxias inteiras. A fonte de energia deste “monstro” luminoso é a enorme quantidade de matéria que aquece ao girar em torno do buraco negro, o que provoca emissão de raios X e luz visível.
Esta gigantesca quantidade de radiação cria pressão, ao empurrar a matéria para fora, o que contraria a força da gravidade que a tenta puxar para o buraco negro. Quando a quantidade de matéria em queda é suficientemente grande, a pressão da radiação supera a força da gravidade, limitando a queda de mais matéria para o buraco negro — o chamado Limite de Eddington.

O RACS J0320-35 foi descoberto há cerca de dois anos, como parte de uma busca efetuada com o radiotelescópio Australian Square Kilometer Array Pathfinder (ASKAP), combinado com dados óticos da Dark Energy Survey, no Observatório Interamericano de Cerro Tololo (CTIO). Para determinar com precisão a distância ao Quasar foram usadas observações do Telescópio Gemini-South (NOIRLab), mas a equipa, que procura descobrir mais destes buracos negros gigantescos nos primeiros 800 milhões de anos do Universo, precisou ainda de dados do telescópio espacial de raios x Chandra (NASA) para conseguir determinar o crescimento “fora da escala” deste Quasar, estimado em 2,4 vezes o limite de Eddington.
“Este trabalho destaca o imenso potencial dos levantamentos astronómicos mais recentes, feitos em comprimentos de onda onde a atividade dos buracos negros verdadeiramente sobressai – os raios x e o rádio.”, comenta Israel Matute (IA & Ciências ULisboa). Um dos co-autores do artigo, Matute acrescenta que estes levantamentos: “Permitem-nos antecipar as descobertas extraordinárias que serão proporcionadas pelos projetos astronómicos revolucionários nos quais o IA e Portugal têm uma forte participação, como o NewAthena, o futuro telescópio espacial europeu de raios x, e pelo observatório Square Kilometre Array (SKAO), um poderoso radiotelescópio que entrará em funcionamento no final desta década.”
Os cientistas acreditam que buracos negros que crescem mais lentamente do que o limite de Eddington formam-se com massas superiores a 10.000 vezes a do Sol, para conseguirem ter atingido mil milhões de massas solares nos mil milhões de anos após o Big Bang — a massa observada em RACS J0320-35. Um buraco negro com uma massa de inicial tão elevada pode resultar de um processo exótico: o colapso de uma enorme nuvem de gás denso, com quantidades invulgarmente baixas de elementos mais pesados do que o hélio, condições que podem ser extremamente raras.
Se RACS J0320-35 estiver realmente a crescer a uma taxa tão elevada e o fizer de forma sustentada, então o seu buraco negro pode ter começado de forma convencional, como resultado da implosão de uma estrela massiva, com uma massa inferior a cem vezes a massa do Sol.
Para determinar a velocidade de crescimento deste buraco negro (entre 300 e 3000 massas solares por ano), os investigadores compararam modelos computacionais com as observações de raios X obtidas pelo Chandra e descobriram que o espectro obtido tem uma correspondência muito próxima ao esperado nos modelos com crescimento mais rápido que o limite de Eddington. Dados nas bandas do visível e infravermelho confirmam que este buraco negro está a ganhar massa mais rapidamente do que o limite teórico.
“Ao estudarmos este quasar em todo o espectro eletromagnético, do rádio aos raios gama, constatámos que sua emissão só poderia ser explicada pelo rápido crescimento de um buraco negro supermassivo. A análise em raios gama com o satélite Fermi-LAT reforçou a natureza inédita desta descoberta, o que torna este Quasar um exemplo ímpar de um objeto astrofísico extremo”, comenta Bruno Arsioli (IA & Ciências ULisboa).
Outra questão pendente abordada por este resultado diz respeito à origem dos jatos de partículas, que se afastam de alguns buracos negros a velocidades próximas da da luz, tal como acontece no RACS J0320-35. Jatos como este são raros em Quasares, o que pode significar que a rápida taxa de crescimento do buraco negro está de alguma forma a contribuir para a criação destes jatos.
Notas
- A equipa é composta por: Luca Ighina, Alessandro Caccianiga, Thomas Connor, Alberto Moretti, Fabio Pacucci, Cormac Reynolds, José Afonso, Bruno Arsioli, Silvia Belladitta, Jess W. Broderick, Daniele Dallacasa, Roberto Della Ceca, Francesco Haardt, Erini Lambrides, James K. Leung, Alessandro Lupi, Israel Matute, Fabio Rigamonti, Paola Severgnini, Nick Seymour, Fabrizio Tavecchio e Cristian Vignali
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UID/04434/2025
- Um Quasar é um núcleo de uma galáxia ativa extremamente brilhante e muito distante, formado por um buraco negro supermassivo com um disco de acreção à volta. Ao ser acelerado quase à velocidade da luz, o material do disco aquece por fricção, tornando-se extremamente brilhante. Por estarem muito distantes, quando foram descobertos, estes objetos pareciam estrelas e foram denominados quasi-stellar radio objects (objetos rádio quase estelares), ou de forma mais curta, simplesmente quasars.
- O artigo “X-Ray Investigation of Possible Super-Eddington Accretion in a Radio-loud Quasar at z = 6.13”, foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters, 990 L56 (DOI: 10.3847/2041-8213/aded0a)
Contactos
José Afonso; Israel Matute; Bruno Arsioli
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Filipe Pires (coordenação)