Mais de 140 especialistas contribuíram para o projeto deste novo espectrógrafo de infravermelhos, incluindo vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
Numa série de 5 artigos científicos1,2,3,4,5, publicados hoje na revista Astronomy & Astrophysics, a equipa internacional do NIRPS, do qual fazem parte vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA6), partilhou as primeiras observações, os primeiros resultados científicos e o design do instrumento.

O NIRPS, a sigla inglesa para Near-Infrared high resolution spectrograph (ou espectrógrafo no infravermelho próximo de alta resolução), é um novo espectrógrafo de alta resolução concebido para procurar exoplanetas e estudar as suas atmosferas, instalado no Telescópio ESO de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile.
O foco deste espectrógrafo é o estudo de exoplanetas rochosos, o tipo de planetas que se julga serem a chave para decifrar a formação e evolução planetária, além de serem considerados os melhores candidatos para a procura de vida fora do Sistema Solar. Este instrumento obtém espectros de grande precisão em comprimentos de onda de infravermelho, que em combinação com as de espectrógrafos na banda do visível, como o ESPRESSO7, poderão fornecer importantes pistas sobre a composição dos exoplanetas, e até permitir procurar por sinais de vida nas atmosferas destes.
O seu desenvolvimento e construção foram possíveis graças ao trabalho de um vasto consórcio, que reuniu cientistas e engenheiros do Canadá, Suíça, Espanha, França, Brasil e Portugal, com o apoio do Observatório Europeu do Sul (ESO). A contribuição do IA neste instrumento inovador vem na sequência da participação em diversos instrumentos para o ESO, como o ESPRESSO, instalado no VLT, ou o ANDES8 previsto entrar em funcionamento no início da década de 2030, quando for instalado no maior telescópio da próxima geração, o Extremely Large Telescope (ELT).
Alexandre Cabral (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), o investigador responsável pela equipa de Instrumentação e Sistemas para Astronomia do IA, esclarece: “Neste projeto, o IA foi responsável pelo desenho, construção e testes do ADC (Atmospheric Dispersion Corrector, ou corretor de dispersão atmosférica), um sistema óptico essencial para compensar a dispersão da luz provocada pela atmosfera terrestre, crucial para garantir o máximo desempenho científico do instrumento.”
O NIRPS inclui ainda um sistema de ótica adaptativa, que corrige distorções causadas pela atmosfera terrestre, permitindo recolher luz de forma mais eficiente e mantendo um design compacto. Alexandre Cabral esclarece: “No NIRPS destaca-se o avançado sistema de ótica adaptativa integrado no instrumento, que corrige os efeitos da turbulência atmosférica. Esta tecnologia permite alcançar, a partir da superfície terrestre, uma qualidade de observação comparável à obtida no espaço.”

O NIRPS obtém espectros de grande precisão na banda do infravermelho próximo, onde brilham com mais intensidade as estrelas vermelhas e frias, conhecidas como anãs M — as mais comuns na galáxia. Isto torna-o ideal para detetar exoplanetas pequenos, semelhantes à Terra, que orbitam este tipo de estrelas.
Nuno Cardoso Santos (IA & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), o líder da Equipa de Sistemas Planetários do IA, comenta: “Os primeiros resultados do NIRPS na deteção e caracterização de exoplanetas mostram o grande potencial deste novo instrumento. Mais ainda, a exploração de espectros de alta resolução no infravermelho permite-nos testar os métodos de deteção de atmosferas de exoplanetas semelhantes à Terra a orbitar outras estrelas, um salto científico que será possível com o espectrógrafo ANDES.”

O NIRPS foi concebido para funcionar em conjunto com outro poderoso instrumento de deteção de planetas, o HARPS9 (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher), um espectrógrafo de luz visível em operação no mesmo telescópio desde 2003. Juntos, o NIRPS e o HARPS permitem observar simultaneamente em luz visível e infravermelha.. Esta valência permite aos cientistas refinar os métodos para distinguir sinais planetários reais do “ruído” causado pela atividade estelar, como erupções, manchas ou atividade magnética.
Além de detetar exoplanetas, o NIRPS é o instrumento ideal para estudar as suas atmosferas, permitindo detetar assinaturas químicas como vapor de água, hélio e metano. “O NIRPS permite-nos estudar estrelas e planetas numa parte do espectro onde nenhum outro instrumento alcançou este nível de precisão”, diz René Doyon, diretor do OMM e do IREx, professor na Universidade de Montreal e co-investigador principal do NIRPS. “Pela primeira vez, conseguimos atingir precisão inferior a um metro por segundo no infravermelho, comparável à dos melhores espectrógrafos de luz visível.”
Primeiros resultados científicos do NIRPS
A atividade das próprias estrelas é um dos maiores obstáculos para a deteção de planetas semelhantes à Terra com o método das velocidades radiais10. Num artigo11 liderado pelo investigador do IA João Gomes da Silva, foram observadas pelo NIRPS duas anãs vermelhas, com diferentes níveis de atividade e estrutura interna, à volta das quais se conhecem exoplanetas – Próxima Centauri e Gliese 581. “Neste artigo mostramos, pela primeira vez, que a atividade estelar afeta consideravelmente os espectros das anãs vermelhas, com centenas de linhas espectrais a apresentarem distorções, que variam de acordo com a rotação das estrelas. Estes efeitos podem dificultar a deteção de exoplanetas usando a técnica da velocidade radial, por isso é importante criar novas formas de os corrigir a nível espectral.”, comenta Gomes da Silva.

Num dos artigos a equipa relata a confirmação pelo NIRPS da presença de Proxima Centauri b, um planeta semelhante à Terra na zona habitável12 da estrela mais próxima do Sol. Também foram encontrados indícios de um segundo planeta, menos massivo que a Terra, a orbitar a mesma estrela. Além de demonstrar a excecional sensibilidade do NIRPS a planetas de baixa massa, estes resultados confirmam ainda o que foi obtido em 2022 pelo investigador do IA João Faria, com o ESPRESSO.
Outro estudo revelou uma cauda semelhante à de um cometa, composta por hélio, a escapar da atmosfera do exoplaneta WASP-69 b, um planeta com massa semelhante à de Saturno. Esta observação, uma das mais detalhadas do género, oferece novas perspetivas sobre a evolução das atmosferas planetárias sob radiação estelar intensa. “Os dados de alta qualidade do NIRPS permitem-nos estudar atmosferas de exoplanetas com mais detalhe do que nunca”, afirma Romain Allart, autor principal deste estudo. “Com o GTO do NIRPS, podemos acompanhar estrelas e os seus planetas ao longo do tempo para estudar a variabilidade do seu clima.”
O futuro
O NIRPS terá um papel importante na identificação de alvos promissores para estudos atmosféricos com o Telescópio Espacial James Webb e, futuramente, na procura de bioassinaturas com o Telescópio Europeu Extremamente Grande (ELT), atualmente em construção.
Também serve como precursor para o desenvolvimento do ANDES , um instrumento de segunda geração para o ELT. Um dos objetivos científicos do NIRPS é estudar as estrelas mais próximas do Sol e identificar sistemas planetários ideais para o ANDES. Em muitos aspetos, o NIRPS funciona como protótipo do ANDES, com capacidades essenciais para investigar atmosferas de planetas semelhantes à Terra em busca de sinais de vida.
Notas
- O artigo “NIRPS detection of delayed atmospheric escape from the warm and misaligned Saturn-mass exoplanet WASP-69 b”, Romain Allart et al., foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202452525))
- O artigo “NIRPS joining HARPS at the ESO 3.6m: On-sky performance and science objectives”, François Bouchy et al., foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202453341)
- O artigo “Studying the variability of the He triplet to understand the detection limits of evaporating exoplanet atmospheres”, Samson J. Mercier et al., foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202452856)
- O artigo “Diving into the planetary system of Proxima with NIRPS: Breaking the metre per second barrier in the infrared”, Alejandro Suárez Mascareño et al., , foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202553728)
- O artigo “Hydride ion continuum hides absorption signatures in the NIRPS near-infrared transmission spectrum of the ultra-hot gas giant WASP-189b”, Valentina Vaulato et al., foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics (DOI: 10.1051/0004-6361/202452972)
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no observatório VLT (ESO). Foi construído com o objetivo de procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida e testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo. Para tal, consegue detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h.
- O ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph, ou espectrógrafo de Echelle de alta dispersão do Armazones) é um espectrógrafo, a ser instalado no ELT (em Cerro Armazones, deserto do Atacama, Chile). Irá observar, com grande precisão, objetos individuais no visível e no infravermelho, o que Irá permitir procurar indícios de vida através da análise da atmosfera de exoplanetas, estudar a evolução de galáxias e identificar a primeira geração de estrelas que se formaram no Universo primitivo, ou determinar se as constantes do Universo variam ao longo do tempo.
- O HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou pesquisador de planetas de alta resolução por velocidades radiais) é um espectrógrafo de alta resolução, instalado no telescópio ESO de 3,6 metros do observatório de La Silla (Chile). Deteta variações de velocidade inferiores a 4 km/h (ou aproximadamente a velocidade de uma pessoa a caminhar).
- O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
- O artigo “Blind search for activity-sensitive lines in the near-infrared using HARPS and NIRPS observations of Proxima and Gl 581”, João Gomes da Silva et al., (incluíndo Elisa Delgado-Mena, Nuno C. Santos, Telmo Monteiro, Manuel Abreu, Susana Barros, Pedro Branco, João Coelho, Ana Rita Silva, Eduardo Cristo, Pedro Figueira) foi aceite para publicação na revista Astronomy & Astrophysics (DOI (pendente): 10.1051/0004-6361/202555013).
- A Zona Habitável, ou zona de habitabilidade é a faixa em torno da estrela em que as temperaturas são suficientemente amenas para que possa existir água no estado líquido à superfície de um planeta rochoso. Um planeta estar nesta faixa não é, por si só, garantia que haja água líquida – Marte, por exemplo, está na zona habitável do Sol, embora não existam atualmente evidências para que Marte possa albergar vida.
Contactos
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Ricardo Cardoso Reis; Filipe Pires (coordenação)