A colaboração Dark Energy Survey (DES), que inclui um investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), criou o mapa mais preciso até à data das formas e da distribuição das galáxias no Universo.
Usando a maior amostra de galáxias alguma vez obtida de uma parte do céu, a análise feita pela colaboração Dark Energy Survey (DES1, rastreio de energia escura2, em inglês) mostrou-se consistente com as previsões do melhor modelo atual do Universo, o modelo cosmológico padrão, apesar de sugerir que a matéria no Universo atual parece estar um pouco menos aglomerada do que este modelo prevê.
Andrew Liddle, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA3) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), integra a colaboração internacional DES, que catalogou quase um oitavo de todo o céu, ao longo de seis anos, com o intuito de revelar a natureza da energia escura, responsável pela expansão acelerada do Universo. Neste grande projeto, que conta com mais de 400 investigadores, Andrew Liddle contribuiu ao nível da análise teórica e da interpretação dos resultados.
“O rastreio DES abre o caminho para futuras missões espaciais como o Euclid, peça-chave no programa português para o futuro da investigação em cosmologia”
Andrew Liddle
Os resultados recém-anunciados, baseados nos dados dos três primeiros anos, descrevem a distribuição a três dimensões da matéria comum e da matéria escura4 no Universo, até uma distância de mais de sete mil milhões de anos-luz, sendo assim o estudo mais preciso da composição e crescimento do Universo até ao momento.
“Os principais resultados foram obtidos através da combinação das medições dos aglomeramentos de galáxias com o efeito das lentes gravitacionais5. Neste efeito, a gravidade das galáxias mais próximas desvia o percurso da luz de objetos mais distantes, criando uma distorção que é mensurável”, esclarece Liddle.
Apenas cerca de cinco por cento do Universo é composto pela matéria dita “normal”. Um quarto do conteúdo do Universo é feito de matéria escura, traída, por exemplo, pelas lentes gravitacionais e cuja influência gravitacional mantém as galáxias coesas. Os restantes 70 por cento são constituídos por energia escura, que os cosmólogos assumem como a impulsionadora da expansão acelerada do Universo.
A matéria escura e a energia escura permanecem invisíveis e de natureza desconhecida, algo que o rastreio DES procura clarificar estudando como a competição entre elas influencia a evolução da estrutura em larga escala do Universo.
Para testar o modelo cosmológico padrão atual, os cientistas do DES compararam os seus resultados com as medições de radiação cósmica de fundo em microondas obtidas pelo satélite Planck, da Agência Espacial Europeia (ESA). Estas medições fornecem uma visão precisa do Universo pouco após o Big Bang, há 13 mil milhões de anos. O modelo cosmológico padrão prevê como a matéria escura deverá ter evoluído até ao presente, pelo que, se as observações publicadas pelo rastreio DES não corresponderem a essa previsão, há possivelmente um aspeto desconhecido no Universo, que merece investigação futura.
Contudo, afirma Liddle, “os resultados mostraram ser compatíveis com o modelo cosmológico atual, que assume matéria escura fria e uma constante cosmológica, e mostraram também uma maior coerência com as medições da radiação cósmica de fundo em microondas do que a alcançada em estudos anteriores.”
Mas o legado do DES não se limita aos seus resultados. Para levar a cabo o projeto, foi necessário melhorar as técnicas de análise de dados, tendo em conta o imenso volume envolvido; criar uma das melhores câmaras digitais do mundo, a Câmara de Energia Escura (DECam), construída e testada pelo Fermilab; e melhorar significativamente o método de calibração das distribuições de redshifts – o desvio para o vermelho nos comprimentos de onda da luz de uma galáxia devido à expansão do Universo, e que está relacionado com a sua distância.
“O DES é considerado um rastreio de nível III6, abrindo o caminho para futuras missões espaciais como o Euclid, peça-chave no programa português para o futuro da investigação em cosmologia”, sublinha Andrew Liddle.
Notas
- O Dark Energy Survey (DES, rastreio de energia escura, em inglês) é uma colaboração de mais de 400 cientistas de 25 instituições localizadas em sete países, financiado pelo Departamento de Energia (EUA), Fundação Nacional de Ciência (EUA), Ministério da Ciência e Educação (Espanha), Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia (Reino Unido), Conselho de Financiamento do Ensino Superior (Inglaterra), Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA), Instituto Kavli de Física Cosmológica da Universidade de Chicago (EUA), Financiadora de Financiamento e Projetos (Brasil), Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Brasil), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Ministério da Ciência e Tecnologia (Brasil), Fundação Alemã de Investigação e instituições colaboradoras na Dark Energy Survey.
- A energia escura é uma misteriosa força que se opõe à atração gravitacional, e que provoca a expansão acelerada do Universo. A energia escura corresponderá a pelo menos 70% de tudo o que compõe o Universo. A descoberta desta aceleração cósmica, em 1998, foi premiada em 2011 com o Prémio Nobel da Física.
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- A matéria escura é um tipo de matéria que não emite nem absorve radiação em qualquer parte do espectro eletromagnético. Apesar de, por isso, não poder ser detetada diretamente por telescópios, a sua gravidade provoca efeitos detetáveis na matéria visível. A matéria escura deverá constituir cerca de 23% de tudo o que compõe o Universo, enquanto a matéria “normal” corresponde a não mais de 5%.
- O efeito de lente gravitacional pode ser produzido por estruturas massivas, como enxames de galáxias, em frente de galáxias mais distantes, ampliando (e distorcendo) a imagem que nos chega dessas galáxias. O efeito foi previsto por Albert Einstein e deve-se ao facto de a matéria curvar o espaço-tempo e, por sua vez, essa curvatura desviar o trajeto da luz. A intensidade das lentes gravitacionais em enxames de galáxias é uma das evidências da presença de matéria escura.
- De acordo com a Dark Energy Task Force (DETF, Grupo de Trabalho para a Energia Escura, em inglês), os rastreios para o estudo da energia escura podem ser classificados de acordo com a seguinte escala: nível I, projetos concluídos; nível II, projetos em curso de relevância para o estudo da energia escura; nível III, projetos de custo médio com término a curto prazo; e nível IV, projetos futuros de larga escala.
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