Novo estudo questiona décadas de investigação sobre a evolução de galáxias espirais

A galáxia NGC 4565 é um dos mais famosos exemplos de uma galáxia espiral vista lateralmente a partir da Terra, permitindo a clara observação do disco e de um bojo central de forte brilho amarelado. Crédito: ESO

Estudos anteriores sobre formação e evolução de galáxias espirais podem ter tido como base uma premissa errada, sugere uma equipa de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

A maioria das galáxias espirais é caracterizada por um disco, onde estrelas, gás e poeira se distribuem num padrão característico de braços espirais torcidos, e uma zona central brilhante, chamada bojo. Ao estudar como as galáxias se formam e evoluem, é essencial distinguir entre estes dois componentes. Isto representa um desafio científico e estudos anteriores assumiram tradicionalmente que o brilho do disco aumenta exponencialmente até ao centro galáctico.

Esta suposição comum é questionada num estudo1, publicado na revista Astronomy & Astrophysics e que tem como autores Iris Breda, Polychronis Papaderos e Jean Michel Gomes, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2). Utilizando uma nova técnica para separar o bojo do disco aplicada a 135 galáxias espirais do catálogo CALIFA3, os investigadores descobriram uma menor contribuição de estrelas do disco para o brilho total do centro da galáxia. De acordo com os autores, esta descoberta tem vastas implicações para os estudos da formação e evolução de galáxias.

Um dos telescópios do Observatório germano-espanhol de Calar Alto, localizado no sul de Espanha, que permitiu a recolha dos dados utilizados neste estudo. Créditos: Jorgechp via Wikimedia Commons

“Desenvolvemos uma nova técnica espectrofotométrica de decomposição bojo-disco que pela primeira vez combina síntese espectral avançada com ferramentas de fotometria de superfície, incluindo duas desenvolvidas no IA: FADO e iFIT”, diz Iris Breda, do IA e da Universidade do Porto (U.Porto). “Utilizámo-la para determinar a contribuição máxima do disco dentro do raio do bojo. Esta técnica, que aplicámos a uma amostra representativa de galáxias espirais, revelou que, em aproximadamente um terço, o disco sob o bojo não preserva o seu perfil exponencial, mostrando em vez disso um nivelamento ou mesmo uma forte diminuição.”

Se confirmada, esta descoberta sugere que a contribuição relativa de estrelas do disco e do bojo para o centro da galáxia é diferente da apresentada num número substancial de estudos que assumiram um aumento exponencial até ao centro do disco.

“Assim, isto pode ter vastas implicações na nossa compreensão da evolução estrutural e dinâmica de galáxias espirais”, Iris Breda

Estudos anteriores sobre a evolução de galáxias espirais podem conter falhas ao assumirem que a contribuição das estrelas intrínsecas ao bojo é menor do que na realidade é. Por exemplo, em galáxias espirais nas quais o disco representa 80 por cento da luminosidade da região central, a sua sobrestimação pode levar a uma classificação errónea do tipo de bojo.

Isto tem implicações adicionais para galáxias com atividade intensa nos seus núcleos associada à presença de buracos negros supermassivos, os chamados Núcleos Galácticos Ativos ou AGN4, na sigla inglesa. Polychronis Papaderos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa) e líder da linha temática do IA ‘A história da formação de galáxias resolvida no espaço e no tempo’ diz: “A confirmação de um nivelamento ou mesmo diminuição da densidade da população estelar do disco dentro do raio do bojo galáctico implicará uma revisão retroativa das determinações da massa de bojos galácticos. Por sua vez, isto levará provavelmente a uma alteração na correlação entre a massa do bojo e do buraco negro supermassivo, e irá impor novos importantes limites nos modelos de formação de galáxias.” 


NOTAS:

  1. O artigo “Indications of the invalidity of the exponentiality of the disk within bulges of spiral galaxies”, por Iris Breda, Polychronis Papaderos e Jean-Michel Gomes foi publicado online a 3 de agosto na revista científica Astronomy & Astrophysics, Vol. 640 (DOI: 1051/0004-6361/202037889).
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
  3. O Calar Alto Legacy Integral Field spectroscopy Area survey (CALIFA) é um projeto astronómico cujo objetivo é mapear cerca de 600 galáxias no Universo Local através de Espectroscopia de Campo Integral (IFS, na sigla em inglês), para facilitar estudos detalhados que respondam a questões fundamentais sobre a evolução de galáxias. Os dados são recolhidos pelo telescópio de 3,5 m do Observatório de Calar Alto, em Espanha.
  4. Um Núcleo Galáctico Ativo (AGN, na sigla em inglês) é uma pequena região no centro de uma galáxia que emite enormes quantidades de energia na forma de radiação eletromagnética. Pensa-se que esta radiação resulte da acreção de matéria por um buraco negro supermassivo no centro da galáxia. As AGN são as fontes de radiação eletromagnética persistentes mais luminosas do Universo.