Euclid mais perto de revelar a geometria e a história do Cosmos

Conceção artística do telescópio Euclid. Na imagem em fundo, do enxame de galáxias Abell 2744.

Conceção artística do telescópio Euclid. Na imagem em fundo, do enxame de galáxias Abell 2744, está representada a azul a distribuição de matéria no enxame. Esta distribuição é baseada na forma como o enxame curva a luz proveniente de galáxias mais distantes e indica que cerca de 75% da matéria não é detetável através de radiação eletromagnética, constituindo a chamada matéria escura.
Créditos: Telescópio Euclid - ESA/C. Carreau; Imagem de fundo - NASA, ESA, ESO, CXC & D. Coe (STScI)/J. Merten (Heidelberg/Bologna)

Os dois instrumentos científicos da missão Euclid vão ser montados no telescópio espacial. Portugal, através do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), participa no planeamento e na futura ciência desta missão ambiciosa.

A missão Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), irá penetrar nos últimos 10 mil milhões de anos de história do Universo, e para isso vai observar mais de um terço do céu, segundo um plano de observações traçado com forte contributo do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

Na rota para o lançamento do telescópio, previsto já para 2022, a partir da Guiana Francesa, a missão atingiu agora um marco importante: os dois instrumentos científicos passaram nos testes e foram entregues à Airbus Defence and Space para os integrar no telescópio.

O espelho de 1,2 metros de diâmetro do telescópio Euclid irá recolher luz vinda do Universo distante e dirigi-la para dois instrumentos desenhados para responder aos objetivos da missão: ajudar a perceber a natureza enigmática da matéria escura1 e da energia escura2, e o modo como as estruturas de larga escala do Universo se formaram ao longo do tempo cósmico.

Módulo estrutural e térmico do telescópio Euclid.
Módulo estrutural e térmico do telescópio Euclid.
Créditos: ESA–S. Corvaja.

Um dos instrumentos, de nome VIS, observará na luz visível, e será usado para estudar as distorções subtis nas imagens de milhares de milhões de galáxias depois de a luz delas ter percorrido milhares de milhões de anos-luz até chegar ao telescópio. Estas distorções são causadas pela presença de matéria entre nós e essas galáxias, e permitem depreender a distribuição da matéria escura e as suas implicações na geometria do Universo. O VIS irá obter imagens de galáxias distantes com um detalhe sem precedentes graças à sua resolução de 600 megapixéis, possibilitada por um mosaico de 36 sensores CCD.

“Com uma qualidade de imagem quase tão boa como o telescópio Hubble mas multiplicada 1000 vezes pela área do céu, os dados da missão Euclid deixarão um riquíssimo legado para além do domínio da cosmologia”
Jarle Brinchmann

O outro instrumento, o NISP, irá observar no infravermelho e ajudar a medir com precisão a distância a que estão dezenas de milhões dessas galáxias. Esses dados permitirão construir o mais vasto e exato rastreio tridimensional do Universo alguma vez realizado, assim como conhecer, em cada época da sua história, o modo como evoluiu, nomeadamente a que velocidade o espaço se expandia.

O grupo de rastreios do Euclid (Euclid Survey Group – ECSURV), com forte participação do IA, é responsável por produzir o calendário de mapeamento do céu com as cerca de 40 000 observações do telescópio, definindo qual a região do céu que este irá observar em cada momento dos mais de seis anos de duração da missão. Este calendário teve de se ajustar aos constrangimentos dos próprios instrumentos que vão agora ser montados no telescópio, assim como prever momentos de teste e calibração desses instrumentos já no espaço.

O plano focal do instrumento VIS, com 36 sensores CCD. Créditos: CEA.
O plano focal do instrumento VIS, com 36 sensores CCD.
Créditos: CEA.

“Para além da sua construção, é indispensável conhecer como estes instrumentos se comportam ao mais ínfimo pormenor, de modo a garantir a qualidade científica das imagens produzidas”, diz Ismael Tereno, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), cocoordenador nacional da missão Euclid e coordenador da equipa portuguesa do ECSURV. “Para isso, uma vez no espaço, um total de seis meses espalhados pelos seis anos de missão não vão ser utilizados em observações científicas, mas a fazer observações específicas para calibrar os instrumentos”.

“Adquirimos um saber-fazer e uma presença na comunidade internacional que já nos coloca ao nível dos parceiros com capacidade para atuar neste tipo de missões. Este vai ser o maior legado e é algo que importa preservar”
António da Silva

Ao nível da ciência que será produzida pelo Euclid, esta missão encontra-se na linha do trabalho desenvolvido desde há mais de dez anos por investigadores atualmente no IA, sublinha António da Silva, investigador do IA, de Ciências ULisboa, membro da Direção do Consórcio Euclid e também membro do grupo de rastreios. São exemplo o legado da missão Planck, o estudo de lentes gravitacionais3, e ainda todas as áreas que irão beneficiar do espólio de dados de centenas de milhões de objetos no céu que a missão Euclid deixará para o futuro.

“Com uma qualidade de imagem quase tão boa como o telescópio Hubble mas multiplicada 1000 vezes pela área do céu, os dados da missão Euclid deixarão um riquíssimo legado para além do domínio da cosmologia”, salienta Jarle Brinchmann, do IA e da Universidade do Porto,  e membro do Grupo de Coordenação do Consórcio Euclid.

Como cocoordenador do Legado Científico, Brinchmann contribuiu para que pequenas decisões no desenho da missão venham a ter enorme retorno noutras áreas da astronomia: como é que as galáxias cresceram ao longo da história do Universo, como é que a matéria visível se relaciona com os vastos halos de matéria escura, e até mesmo a deteção de asteroides que cruzam o plano do Sistema Solar, para além de descobertas que não é possível ainda imaginar.

A participação portuguesa nesta missão europeia teve o apoio essencial das agências de financiamento, FCT e, mais recentemente, da PT SPACE, que poderá ser necessário também para o futuro. “Já fomos contactados pela ESA para saber como poderemos continuar este trabalho do plano de rastreios após o lançamento do telescópio”, diz António da Silva. “Imaginemos algo imprevisto durante a missão, que possa afetar os instrumentos… É necessário responder rapidamente com ajustes ao plano inicial nessas novas condições.”

“Adquirimos um saber-fazer e uma presença na comunidade internacional que já nos coloca ao nível dos parceiros com capacidade para atuar neste tipo de missões. Este vai ser o maior legado e é algo que importa preservar”, afirma António da Silva.


Notas

  1. A energia escura é uma misteriosa força que se opõe à atração gravitacional, e que provoca a expansão acelerada do Universo. A energia escura corresponderá a 73% de tudo o que compõe o Universo. A descoberta desta aceleração cósmica, em 1998, foi premiada em 2011 com o Prémio Nobel da Física.
  2. A matéria escura é um tipo de matéria que não emite nem absorve radiação em qualquer parte do espetro eletromagnético. Apesar de não poder ser detetada diretamente por telescópios, a sua gravidade provoca efeitos detetáveis na matéria visível. A matéria escura deverá constituir cerca de 23% de tudo o que compõe o Universo, enquanto a matéria “normal” corresponde a apenas 4%.
  3. O efeito de lente gravitacional pode ser produzido por estruturas massivas, como enxames de galáxias, em frente de galáxias mais distantes, ampliando (e distorcendo) a imagem que nos chega dessas galáxias. O efeito foi previsto por Albert Einstein e deve-se ao facto de a matéria curvar o espaço-tempo e, por sua vez, essa curvatura desviar o trajeto da luz. A intensidade das lentes gravitacionais em enxames de galáxias é uma das evidências da presença de matéria escura.

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