Estrela indígena ajuda a compreender o passado da Via Láctea

Exemplo de início de fusão de duas galáxias semelhantes à Via Láctea. Créditos: ESO.

Dados do satélite TESS possibilitaram a caracterização e datação de uma estrela da constelação do Índio, permitindo compreender melhor uma antiga fusão galáctica, num estudo com a participação de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

Imagem do TESS de parte do céu do hemisfério Sul mostrando a localização de nu Indi, o plano da Via Láctea e o polo sul eclíptico. Créditos: J. T. Mackereth.
Tiago Campante
Diego Bossini

Ao longo da sua história, a nossa galáxia Via Láctea tem demonstrado um apetite voraz, ingerindo várias galáxias-satélite. Cada uma destas refeições, além de contribuir para o aumento do tamanho e diversidade da Via Láctea, induz alterações nas suas estrelas indígenas. Semelhante a uma investigação forense, a identificação e estudo de diferentes populações estelares na nossa galáxia permite revelar o seu passado, nomeadamente a ocorrência de colisões com outras galáxias.

Um artigo1 hoje publicado na revista Nature Astronomy, e que contou com a participação de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2), identifica a estrela ν Indi como pertencente à população original da Via Láctea. Dados recentes do satélite TESS3 (Transiting Exoplanet Survey Satellite) permitiram a sua datação mais precisa com base nas oscilações naturais da estrela, através da asterossismologia4, definindo um novo limite mais restrito para o início da fusão da galáxia Gaia-Encélado com a Via Láctea.

Como explica Tiago Campante, coautor do artigo e investigador do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, “uma vez que o movimento de ν Indi através da nossa galáxia foi afetado pela colisão com Gaia-Encélado, esta deverá por isso ter ocorrido após a formação da estrela. Foi assim que, munidos da idade de ν Indi determinada por via da asterossismologia, conseguimos levar a cabo o trabalho forense de datar a colisão entre a Via Láctea e Gaia-Encélado.”

A participação do IA neste estudo está intimamente ligada à sua colaboração na missão TESS. “O envolvimento do IA no TESS é ao nível da coordenação científica no consórcio asterossísmico do TESS (TESS Asteroseismic Science Consortium – TASC)”, explica Campante. O investigador acrescenta ainda que “o TASC é uma colaboração científica única que junta indivíduos e grupos de investigação de todo o mundo ativamente envolvidos na investigação no campo da asterossismologia”.

Este trabalho abriu a possibilidade de cenários mais abrangentes, como o estudo das centenas de milhares de estrelas observadas pelo TESS, permitindo revelar muitos dos segredos que a nossa galáxia ainda nos esconde.” Diego Bossini

Este estudo realça o grande potencial de um instrumento como o TESS, cujo alcance dos dados se estende muito para além do seu objetivo inicial de identificação de novos exoplanetas. “A alta precisão obtida na datação da estrela ν Indi só foi possível graças ao esforço de combinar informação obtida com diferentes instrumentos com modelos estelares altamente sofisticados”, afirma Diego Bossini, outro investigador do IA envolvido neste estudo.


Notas:

  1. O artigo “Age dating of an early Milky Way merger via asteroseismology of the naked-eye star ν Indi”, por William J. Chaplin et al., foi publicado na revista científica Nature Astronomy (DOI: 10.1038/s41550-019-0975-9/).
  2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço(IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na últimaavaliaçãode unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UID/FIS/04434/2019).
  3. Lançado para o espaço em 2018, o satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA tem como objetivo procurar planetas fora do Sistema Solar observando estrelas da nossa galáxia. Esta procura por novos exoplanetas requer dados de grande sensibilidade, que abrem novas portas para estudos de asterossismologia.
  4. A asterossismologia é o estudo do interior das estrelas através da sua atividade sísmica medida à superfície. Em sismologia, os diferentes modos de vibração de um tremor de Terra podem ser usados para estudar o interior da Terra, ao fornecerem dados acerca da composição e profundidade das diversas camadas. De forma semelhante, as oscilações observadas à superfície de uma estrela podem ser usadas para inferir dados sobre a sua estrutura interna, composição e idade.