A maior imagem de sempre do Universo começou hoje a ser fotografada

Conceção artística do telescópio espacial Euclid, e em fundo uma das primeiras imagens obtidas com este telescópio

Conceção artística do telescópio espacial Euclid, e em fundo uma das primeiras imagens obtidas com este telescópio, do enxame de galáxias do Perseu, que demonstrou as suas capacidades técnicas (novembro de 2023). Créditos: ESA/C. Carreau; ESA/Euclid/Euclid Consortium/NASA, image processing by J.-C. Cuillandre (CEA Paris-Saclay), G. Anselmi,

Seguindo o plano de observações liderado por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), o telescópio espacial Euclid, a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, começou hoje a montar um mosaico de 27 500 peças.

Hoje, às 00h 00m 00s de Portugal Continental, num ponto quatro vezes mais longe do que a Lua, o telescópio espacial Euclid voltou-se para a constelação de Erídano, no hemisfério celeste austral, e durante 70 minutos recolheu a luz dessa região de céu escuro. É a primeira de mais de 27 mil fotografias que irão constituir o mosaico do céu com a maior resolução alguma vez feito. Serão mais de 15 biliões de píxeis, e ao fim de seis anos espera-se ter capturado a luz de mais de mil milhões de galáxias.

A missão espacial Euclid1, da Agência Espacial Europeia (ESA), irá permitir a construção do primeiro mapa a três dimensões do Universo, desde a nossa vizinhança cósmica até galáxias distantes, cuja luz nos revela o Universo quando este tinha 25 por cento da idade atual. As regiões do céu que serão observadas daqui até 2030 constituem praticamente um terço de todo o céu, o chamado céu extragaláctico – as regiões escuras, quase sem estrelas da Via Láctea nem poeiras do plano do Sistema Solar, e que são as janelas para o Universo profundo.

O Euclid irá fotografar cerca de 49 mil vezes, e hoje foi o primeiro dia, depois de meses de testes e calibrações dos instrumentos. “A primeira porção de céu será observada durante duas semanas e terá uma extensão de 130 graus quadrados”, diz João Dinis.

Para onde olhar, e por que ordem, em cada segundo durante os próximos seis anos? A resposta está no calendário de observações definido por uma equipa liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA). O calendário teve em conta a otimização da posição do telescópio na sua órbita em volta do Sol, que acompanha a órbita da Terra (num dos pontos de Lagrange, L2, atrás da Terra em relação ao Sol), mas também as restrições técnicas do telescópio, os momentos de calibração dos instrumentos, e os vários objetivos científicos.

“O modo de observação do telescópio segue uma lógica de ‘avança e olha’. O momento em que olha dura 70 minutos”, explica João Dinis, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), membro da Equipa de Apoio às Operações do Rastreio Euclid (Survey Operations Support Team, SOST).

“Em cada posição, o telescópio adquire quatro imagens, com ligeiros deslocamentos. Esta estratégia pretende compensar os intervalos entre os sensores. Depois, o telescópio é orientado para outra posição, próxima, numa lenta rotação de cerca de quatro minutos.” João Dinis é o autor do software de implementação do planeamento da missão Euclid, e cujo trabalho foi reconhecido com o prémio STAR do Consórcio Euclid em 2023. 

A equipa SOST, liderada pelo IA e Ciências ULisboa e financiada pela Agência Espacial Portuguesa, é a equipa do Consórcio Euclid que entregará regularmente à Agência Espacial Europeia (ESA) os planos de observação, que serão usados pelo centro de operações de voo para comandar o telescópio espacial. 

Galáxia NGC 6822 observada com o Euclid
Galáxia NGC 6822 observada com o telescópio espacial Euclid, uma das primeiras imagens obtidas na fase de validação dos instrumentos.

Créditos: ESA/Euclid/Euclid Consortium/NASA, image processing by J.-C. Cuillandre (CEA Paris-Saclay), G. Anselmi, CC BY-SA 3.0 IGO

O Euclid irá fotografar cerca de 49 mil vezes, e hoje foi o primeiro dia, depois de meses de testes e calibrações dos instrumentos. “A primeira porção de céu será observada durante duas semanas e terá uma extensão de 130 graus quadrados”, diz João Dinis. “Durante esta observação, o rastreio principal fará duas pausas, para uma calibração dos instrumentos e uma segunda vez para uma rotina de manutenção da órbita, tudo previsto no calendário.”

Este calendário não foi produzido sem surpresas, porém. Para além de ter sido atualizado devido aos reagendamentos do lançamento do telescópio, uma vez este já no espaço, os testes de engenharia verificaram que um excesso de luz do Sol contaminava as imagens, apesar do escudo de proteção. Este facto levou a restringir a amplitude do ângulo que o telescópio Euclid poderá rodar.

“Antes do lançamento, o requisito era que o Euclid mantivesse o seu escudo perpendicular ao Sol com pequenos desvios até um máximo de cinco graus, para um e outro lado do seu eixo maior (-5° e +5°). A nova restrição é que observe com uma rotação máxima entre -3° e -8,5°”, diz Ismael Tereno, do IA e Ciências ULisboa e líder do SOST.

“Verificámos que a aplicação da nossa estratégia inicial de observação às novas restrições do ângulo não iriam produzir um rastreio funcional. Com esta restrição certas regiões do céu deixaram de poder ser observadas de qualquer ponto da órbita.”

Projeção de todo o céu com a sinalização das regiões que serão observadas pelo telescópio espacial Euclid,
Projeção de todo o céu com a sinalização das regiões que serão observadas pelo telescópio espacial Euclid, durante seis anos, cada ano codificado por uma cor diferente. Créditos: Euclid Consortium/Jean-Charles Cuillandre

“O problema foi resolvido com uma alteração profunda no desenho do rastreio, que recorreu a uma maior sobreposição das observações de modo a aliviar a rigidez imposta pela nova restrição”, diz João Dinis. O novo plano de observação cobre um pouco menos de área, mas permite chegar a todo o céu e garante a operacionalidade da missão. Poderá vir a cobrir toda a área de céu originalmente prevista se a missão se prolongar um pouco além dos seis anos.

Durante o primeiro ano, até março de 2025, o Euclid terá coberto entre 15 a 18 por cento da área de céu prevista. Um conjunto limitado de dados, referente aos rastreios profundos de algumas regiões particularmente escuras do céu, está previsto para a primavera de 2025. Os primeiros dados com relevância para a ciência central da missão – o Universo escuro –  estarão prontos no verão do próximo ano.

Ismael Tereno, do IA e Ciências ULisboa, líder da equipa de apoio às operações do rastreio, apresenta a missão Euclid e como é que a comunidade científica portuguesa contribuiu com o planeamento completo de todas as cerca de 50 000 observações que serão efetuadas pelo telescópio durante os seis anos da missão (vídeo produzido pelo IA em Junho 2023).


Notas

  1. O telescópio espacial Euclid foi lançado em julho de 2023. Desde 2012 que Portugal está a bordo desta missão da Agência Espacial Europeia (ESA). O seu principal objetivo é saber mais sobre os dois constituintes maioritários do Universo e ainda desconhecidos – a matéria escura e a energia escura.

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