Num estudo1, que conta com a participação do investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) Tiago Campante, uma equipa3 internacional investigou um exoplaneta, semelhante a Júpiter, a uma distância da sua estrela correspondente a cerca de metade da distância da Terra ao Sol. No entanto, a esta distância, a estrela deveria ter engolido o planeta quando expandiu até à fase de gigante vermelha.
Quando o Sol chegar ao fim da sua vida, daqui a aproximadamente 5 mil milhões de anos, irá esgotar o hidrogénio no seu núcleo e para não colapsar, irá expandir-se até para lá da órbita da Terra, transformando-se numa estrela gigante vermelha. A determinada altura, esta gigante vermelha começará a fundir hélio no núcleo.
Com dados de asterossismologia4, provenientes do observatório espacial TESS (NASA), a equipa descobriu que a estrela 8 Ursa Minor (8 UMi), também conhecida por Baekdu, está a fundir hélio no seu núcleo, o que significa que já passou pela expansão até à fase de gigante vermelha. Tiago Campante, líder da equipa “Rumo a um estudo abrangente de estrelas” do IA, explica que “o satélite TESS permite-nos medir o brilho de uma estrela com uma precisão da ordem de algumas partes por milhão. Através da medição das subtis oscilações do brilho à superfície desta estrela, foi-nos então possível inferir a sua estrutura interna e avaliar com exactidão o seu estado evolutivo.”
Mas observações de velocidades radiais5, obtidas com os observatórios W. M. Keck e Canada-France-Hawaiʻi Telescope (CFHT), confirmaram que o exoplaneta Halla (8 UMi b) está a cerca de 70 milhões de quilómetros de distância da estrela. De acordo com os modelos evolutivos, a estrela terá expandido até 1,5 vezes o diâmetro da órbita do planeta (cerca de 225 milhões de quilómetros), voltando depois a encolher para o seu tamanho atual. Então, como é que este planeta conseguiu sobreviver?
A equipa apresenta alguns cenários, que podem explicar a presença do planeta. No primeiro, Halla seria um “júpiter quente”, um tipo de exoplaneta gigante gasoso, que se forma numa órbita mais longínqua e que mais tarde migra para próximo da estrela. No entanto, dada a rápida evolução da estrela, esta parece ser uma hipótese muito pouco provável.
No entanto, se o planeta de facto sobreviveu a uma eventual expansão da estrela, isto parece indicar outros cenários evolutivos, que implicam a existência de um binário de estrelas, em que as duas estrelas se fundiram numa só.
Num segundo cenário, a fusão teria impedido qualquer uma das estrelas individuais de se expandir o suficiente para engolir Halla. Há ainda um terceiro cenário, em que a fusão das estrelas teria formado uma nuvem de gás à volta da nova estrela, a partir da qual o planeta se teria formado. Neste caso Halla seria um planeta recém-nascido, de segunda geração.
A explicação para a existência destes planetas improváveis é algo a que Campante se dedica desde 2019, quando investigou outro desses planetas. “As estrelas gigantes vermelhas sofrem alterações dramáticas das suas propriedades físicas, como tamanho, massa e luminosidade, proporcionando um ‘laboratório de testes’ ideal para o estudo da evolução e destino final de sistemas planetários”, acrescenta o também professor no Dep. de Física e Astronomia (DFA) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).
A asterossismologia desempenhou um papel central na avaliação definitiva do estado evolutivo destas estrelas, avaliação que dificilmente poderia ser feita com recurso a técnicas tradicionais. Ao longo das duas últimas décadas, esta técnica teve um impacto significativo no estudo de estrelas do tipo solar e gigantes vermelhas. Inicialmente estes estudos foram possíveis graças a missões espaciais como a CoRoT (CNES/ESA) e a Kepler (NASA). O satélite TESS, e em breve a missão espacial PLATO (ESA), com lançamento previsto para 2026, nas quais o IA conta com um forte envolvimento a nível da coordenação científica, continuarão a sustentar estudos desta natureza.
Notas
- O artigo “A close-in giant planet escapes engulfment by its star”, foi publicado hoje na revista Nature (DOI: 10.1038/s41586-023-06029-0).
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento organizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela FCT/MCES (UIDB/04434/2020 e UIDP/04434/2020).
- A equipa é composta por: Marc Hon, Daniel Huber, Nicholas Z. Rui, Jim Fuller, Dimitri Veras, James S. Kuszlewicz, Oleg Kochukhov, Amalie Stokholm, Jakob Lysgaard Rørsted, Mutlu Yıldız, Zeynep Çelik Orhan, Sibel Örtel, Chen Jiang, Daniel R. Hey, Howard Isaacson, Jingwen Zhang, Mathieu Vrard, Keivan G. Stassun, Benjamin J. Shappee, Jamie Tayar, Zachary R. Claytor, Corey Beard, Timothy R. Bedding, Casey Brinkman, Tiago L. Campante, William J. Chaplin, Ashley Chontos, Steven Giacalone, Rae Holcomb, Andrew W. Howard, Jack Lubin, Mason MacDougall, Benjamin T. Montet, Joseph M. A. Murphy, Joel Ong, Daria Pidhorodetska, Alex S. Polanski, Malena Rice, Dennis Stello, Dakotah Tyler, Judah Van Zandt, Lauren M. Weiss.
- A asterossismologia é o estudo do interior das estrelas, através da sua atividade sísmica medida à superfície. Em sismologia, os diferentes modos de vibração de um tremor de Terra podem ser usados para estudar o interior da Terra, de forma a obter dados acerca da composição e profundidade das diversas camadas. De uma forma semelhante, as oscilações observadas à superfície de uma estrela também podem ser usadas para inferir dados sobre a estrutura interna, composição e idade da estrela.
- O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. Em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a densidade do planeta, e com essa informação, fazer uma estimativa da sua composição.
Contactos
Tiago Campante
Grupo de Comunicação de Ciência
Ricardo Cardoso Reis; Sérgio Pereira; Filipe Pires (coordenação, Porto); João Retrê (coordenação, Lisboa)