TOI 700 d. Novo caçador de planetas encontrou a sua primeira “Terra”

TOI 700 d. Novo caçador de planetas encontrou a sua primeira “Terra”


A 100 anos-luz de nós, na constelação de Dorado, o TOI 700 d está à distância da sua estrela para ter água em estado líquido, mas será um mundo peculiar: de um lado é sempre dia, do outro, noite eterna.


É apenas um pouco maior do que a Terra, está à distância certa da sua estrela para ter água em estado líquido – na chamada zona de habitabilidade – e será um mundo rochoso mas com um clima peculiar, metade gelado e metade ameno: como demora o mesmo tempo a girar sobre si mesmo que a orbitar a sua estrela (37 dias terrestres), tem sempre a mesma face virada para o “sol” lá do sítio, o que significa que em metade do globo é sempre de dia e na outra sempre de noite.

É o que por agora pode dizer-se do TOI 700 d, que ontem passou a fazer parte da lista de planetas potencialmente habitáveis e parecidos com a Terra descobertos fora do sistema solar. O anúncio foi feito pela NASA e, apesar de não ser um achado inédito, a descoberta foi considerada um marco na missão do satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da agência espacial norte-americana, lançado em 2018 para detetar exoplanetas nas estrelas brilhantes na nossa vizinhança, perímetro que nas coisas do Espaço implica pensar em grande. O sistema em torno da estrela TOI 700, que além deste candidato tem outros dois planetas, está a 101 anos-luz, na constelação de Dorado. E se tal como o nome dado à estrela indica foi o 700.º objeto identificado pelo TESS, é a primeira “Terra” que ajudou a descobrir.

“O TESS vai ajudar a descobrir milhares de planetas” Desde 1995, ano em que foi detetado o primeiro planeta fora do sistema solar, o catálogo de exoplanetas já soma mais de 4100 descobertas, a maioria através das observações do telescópio Kepler. Agora, os olhos estão postos no TESS, que assenta na deteção de planetas pelo método de trânsito, em que são captadas diminuições no brilho das estrelas causadas pela passagem de um planeta em órbita. Tiago Campante, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, que colabora desde o início na missão científica do TESS, diz ao i que é esperada a deteção de milhares de planetas nos próximos anos, sobretudo super-Terras e mini-Neptunos, planetas com uma massa maior do que a da Terra. Pelo meio, poderão surgir “algumas dezenas” de achados como este, mas será mais difícil encontrar uma gémea autêntica da Terra, o que continua a ser uma das buscas dos caçadores de planetas.

Até ao momento os planetas detetados com massa idêntica à Terra orbitam estrelas vermelhas anãs, com menos energia do que o sol, o que permite perceber por que motivo, encontrando-se tão perto da sua estrela, poderão ter água em estado líquido. “Para descobrir planetas em zonas habitáveis em torno de estrelas solares seria preciso um período de observação mais longo, basta pensar que a órbita da Terra demora 365 dias”. Tiago Campante acredita que só a missão PLATO, da Agência Espacial Europeia, com previsão de lançamento para 2026, poderá permitir esse tipo de descobertas, já que os segmentos de céu serão escrutinados durante vários anos, mas cada nova descoberta permite aumentar a investigação sobre a formação planetária, na tentativa de perceber o quão comum será cada tipo de planeta. Da mesma forma, a análise mais detalhada das atmosferas e a confirmação da existência ou não de água terá de esperar por novas gerações de equipamentos.

Vida? É complicado Para Miguel Gonçalves, divulgador de ciência e rosto conhecido da rubrica “Última Fronteira”, na RTP, a descoberta de uma ‘Terra’ na zona de habitabilidade da sua estrela, não sendo inédita, é sempre uma boa oportunidade para refletir sobre a busca de vida e os desafios reservados à ciência, destacando o contributo dado neste caso por um estudante de liceu, Alton Spencer, que ajudou a corrigir dados iniciais da NASA que sugeriam que a estrela seria mais parecida com o sol. “Como nos mostra o nosso próprio sistema, estar numa zona de habitabilidade não é uma certeza de que estamos perante um planeta que necessariamente evolui para ter condições para albergar vida. Olhando para o sistema solar, temos três planetas na zona de habitabilidade do sol, dois nos extremos e um no meio, que felizmente somos nós. Mas temos Vénus e Marte e, até prova em contrário, em nenhum deles se evoluiu para vida”, diz.

“Há fatores mais complexos que é preciso ter em conta. A Terra está na zona de habitabilidade mas além disso tem uma atmosfera suficientemente protetora, que também foi evoluindo, e que conseguiu proteger a evolução da vida, por exemplo de impactos de asteroides e de radiação cósmica. Marte não se pode dar ao luxo disso: tem uma atmosfera muito reduzida e que sabemos que se perdeu ao longo do tempo.” Se vê no destaque dado à descoberta sobretudo uma boa dose de “marketing institucional” da NASA em torno do TESS, Miguel Gonçalves sublinha que o fenómeno de rotação síncrona, que faz com que o planeta tenha sempre a mesma face virada para o sol, da mesma forma que vemos sempre a mesma face da lua, acaba por ser dos aspetos mais fascinantes. E poderá dar contributos para os estudos no campo do clima. “Pode ser muito interessante para tipificar o que acontece nas zonas de transição, há muitos modelos que dizem que são zonas de muita instabilidade, com tempestades violentas”.

Já se a vida poderá evoluir num planeta com estas características é uma pergunta de difícil resposta: não existem muitos estudos. Miguel Gonçalves volta no entanto ao conceito de zona de habitabilidade, a distância certa para ter água líquida, para notar que, mesmo no sistema solar, há sinais de que pode ser um mito. E que falamos sempre da vida como a conhecemos, que não tem de ser a única. “Júpiter e Saturno têm luas que são geladas à superfície mas que debaixo escondem oceanos gigantescos e em alguns deles já sabemos que existem elementos químicos essenciais para a vida e fontes geotermais, e estamos a falar de planetas muito longe da zona de habitabilidade da nossa estrela.”

Miguel Gonçalves aponta também um novo capítulo de descobertas para os novos equipamentos, em particular o telescópio James Webb, que a NASA prevê lançar em 2021, e permitirá o estudo das atmosferas destes mundos distantes. Se algum dia será possível visitar algum destes vizinhos com potencial para albergar vida – e o mais próximo é Proxima Centauri b, a 4,2 anos-luz da Terra – é por agora uma incógnita. “O Nobel da Física de 2019 disse que jamais os visitaremos, não sou tão pessimista. Em ciência custa-me dizer nunca. Vai ser num tempo muito distante, mas vamos dar tempo à ciência”, diz Miguel Gonçalves, dando o exemplo de entusiastas como o milionário Yuri Milner, disposto a financiar o envio de sondas a Alpha Centauri. “Há estudos que sugerem que será possível enviar drones a velocidades próximas da velocidade de luz e aí pensar em viagens de 30 ou 40 anos já seria algo mais comportável”. As Voyager, até hoje com o recorde de distância, continuam “no nosso bairro”, sorri. A mais distante, a Voyager 1, está a 108 unidades astronómicas. Demora cerca de 20 horas-luz a comunicar com a Terra. Para chegar ao recém-descoberto TOI 700 d, seria preciso vencer mais de 100 anos-luz.